Há alguns anos, o Relógio do Apocalipse, o Doomsday Clock que indica como estamos perto da autoaniquilação, parou perigosamente a 100 segundos da “meia-noite”. Tão pouco nos separaria do fim, de acordo com o Bulletin of the Atomic Scientists, a revista e think tank de Chicago que, desde 1947, um ano depois de Hiroshima, assinala quão altas são as probabilidades de uma catástrofe humana. Os ponteiros avançaram pela última vez em 2020, impulsionados pela corrida internacional ao rearmamento nuclear e pela crise climática.
A reportagem é de Gabriele Di Donfrancesco, publicada em La Repubblica, 28-02-2202. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Rachel Bronson, editora do Bulletin, acompanha com horror a invasão russa da Ucrânia e o cerco de Kiev. Nós a contatamos via Zoom.
Vocês vão adiantar o relógio?
Nós discutimos isso. Por enquanto, vamos mantê-lo a 100 segundos da meia-noite. É perigoso demais movê-lo. A última vez que fizemos isso, dissemos a nós mesmos que não deveríamos ser complacentes: nunca estivemos tão perto da autoaniquilação. Hoje, as superpotências falam de ogivas nucleares como se a sua utilização fosse cada vez mais evidente. E como temos medo de contribuir para essa simplificação, vamos manter o relógio como está.
Vocês têm medo de que se crie um precedente para o uso das ogivas nucleares em contextos de destruição não mútua, por exemplo, contra um país não membro da Otan como a Ucrânia?
Estamos extremamente preocupados com qualquer uso. O impacto seria devastador mesmo assim, mesmo que fosse apenas um míssil nuclear. E, nesse ponto, acreditamos que a escalada seria inevitável. Mesmo apenas uma troca nuclear limitada ou uma detonação na alta atmosfera contra alguns escudos antimísseis teria consequências catastróficas para o ambiente, causando um inverno nuclear. Não temos certeza disso, mas certamente não queremos descobrir.
Poderia nos explicar o que é um “inverno nuclear”?
É quando as partículas produzidas por uma explosão nuclear sobem para a atmosfera e bloqueiam a luz solar. Seria como ter as mudanças climáticas com esteroides: um desastre ecológico completo.
Vocês estão preocupados com os níveis de radioatividade detectados na Ucrânia após a conquista russa de Chernobyl?
Obviamente. É um lugar tão simbólico... Por que os russos quiseram tomá-lo? É muito perigoso. Não há razão para acreditar que eles serão capazes de manter a usina segura como tem sido até agora.
Qual a probabilidade de uma resposta nuclear russa, como Putin ameaçou em caso de intervenção ocidental na Ucrânia?
É mais provável do que ontem, e ontem era mais provável do que anteontem, e assim por diante.
Falemos sobre a outra catástrofe, a climática: o impacto da invasão sobre os mercados poderia retardar a transição ecológica?
Poderia acelerá-la, na realidade. O custo do petróleo a 100 dólares o barril certamente favorece as energias renováveis. E, já que falamos de Chernobyl, acho que, acima de tudo, os alemães têm que se fazer algumas perguntas difíceis justamente sobre a energia nuclear. Eles estão desligando as suas usinas para a transição, mas, para isso, precisam de um combustível de passagem e, portanto, tornaram-se dependentes do carvão, mas sobretudo do gás russo.
O Bullettin trata dos perigos existenciais para a espécie. Vladimir Putin é uma ameaça à sobrevivência da humanidade?
Sim, para nós agora ele é. Ele perdeu o rumo. E, de maneira mais geral, a interrupção das relações diplomáticas entre os Estados Unidos e a Rússia também é. Certamente, toda vez que uma potência nuclear invade outro país, isso representa uma séria ameaça para a humanidade.