05 Janeiro 2022
Nos seus anos como padre jesuíta, incluindo 15 entre os povos awajún e wampis na Amazônia Peruana, o padre Fernando Roca viu uma gradual degradação do ecossistema tropical, como florestas se tornando campos e cidades se espalharam em paisagens outrora intocadas.
Ele se lembra de uma comunidade indígena Kayapó no Brasil que estava aninhada em uma floresta extensa quando ele morou lá nos anos 1980, mas foi cercada por plantações 20 anos depois. E as árvores que haviam abraçado as margens do rio Amazonas do Peru quando ele o percorreu na década de 1970 haviam desaparecido quando ele fez a mesma viagem 40 anos depois.
A destruição que Roca testemunhou é descrita em detalhes científicos em um novo relatório sobre a história natural e humana da Bacia Amazônica – com mais de 1.300 páginas, provavelmente o mais abrangente já publicado – que foi lançado oficialmente em 12 de novembro na conferência climática das Nações Unidas, COP26, em Glasgow, Escócia. Mas o relatório não se concentra apenas no passado; também aponta para soluções potenciais para a Bacia Amazônica.
A reportagem é de Barbara Fraser, publicada por EarthBeat, caderno do National Catholic Reporter, 03-01-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
“Não só informa, mas também oferece caminhos para buscar respostas a situações que degradaram tanto os habitantes quanto a região amazônica, ou que ameaçam deteriorá-la”, disse Roca, etnobotânica que integrou o comitê de ciência do relatório, disse EarthBeat. “A diferença entre este relatório e os outros é a parte que oferece propostas e recomendações ... e que mostra o que pode acontecer se não agirmos mais rapidamente”.
O relatório foi ideia do cientista climático brasileiro Carlos Nobre e Jeffrey Sachs, diretor do Centro para o Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Columbia, que participaram do Sínodo para a Amazônia no Vaticano em outubro de 2019.
Na mesma época, eles e Emma Torres, especialista em sustentabilidade das Nações Unidas, convocaram um grupo de cientistas, denominado Painel Científico para a Amazônia, para preparar um relatório abrangente sobre o estado da Amazônia e as possibilidades de desenvolvimento que não resultar em mais destruição da floresta tropical.
A ideia era realizar uma série de reuniões presenciais, mas a pandemia de covid-19 obrigou o esforço a ficar online. Enquanto isso, o número de participantes aumentou para cerca de 200, incluindo vários líderes indígenas e pesquisadores afrodescendentes.
O documento final, denominado “Relatório de Avaliação da Amazônia 2021”, é composto por quatro seções.
A primeira descreve os processos geológicos e biológicos que, ao longo de dezenas de milhões de anos, deram à Bacia Amazônica sua impressionante diversidade biológica. A segunda relaciona essa biodiversidade com a diversidade de culturas humanas que surgiram na região.
A terceira seção descreve o impacto da habitação humana na região, especialmente no século passado, à medida que barões da borracha, mineradores, garimpeiros de petróleo, madeireiros e traficantes de drogas tiraram proveito das riquezas naturais da Amazônia; rodovias e represas mudaram a paisagem; e as cidades cresceram.
A seção final oferece possíveis caminhos para o desenvolvimento que não requerem o desmatamento da floresta, bem como opções para reparar alguns dos danos aos ecossistemas da região. Cientistas estimam que as atividades humanas destruíram 17% da floresta da região e levaram à degradação de outros 17%, e a seção oferece recomendações para a restauração da floresta degradada, bem como para atividades de geração de renda nas quais as comunidades poderiam se engajar que não requerem o desmatamento da floresta.
Embora a palavra “Amazônia” evoque imagens de vastas florestas virgens, os cientistas que participaram do relatório rapidamente destacam que os ecossistemas da região foram moldados pela interação entre as florestas e a rede de rios que começa na Cordilheira dos Andes e terminam no Oceano Atlântico, a um continente de distância.
O relatório “parte do pressuposto de que o bioma amazônico é uma interação impressionante de água e floresta”, resultando em ecossistemas complexos aos quais os habitantes da região se adaptaram ao longo de milhares de anos, disse Roca.
“A ideia de uma relação com a natureza, de fazer parte da natureza, tem sido um elemento fundamental para que os povos amazônicos possam interagir neste bioma sem prejudicá-lo”, pelo menos até o século passado, acrescentou.
Isso mudou nos últimos 100 anos, à medida que forasteiros se mudaram para a região amazônica e a população aumentou, inclusive em algumas terras indígenas. As fontes há muito estimam a população da Amazônia em 34 milhões, mas quando os pesquisadores compilaram os dados, eles descobriram que o número real está perto de 47 milhões.
Além disso, “a população amazônica está se tornando principalmente urbana, ao invés de rural, e isso representa um desafio”, disse Roca, observando que junto com cidades maiores, como Manaus no Brasil ou Iquitos no Peru, áreas urbanas de pequeno e médio porte também estão crescendo.
Quando ele estudava antropologia na graduação e trabalhava como sacerdote no norte do Peru, “os lugares onde havia comunidades indígenas eram muito remotos, longe da área de influência do governo peruano”, disse Roca. “Agora, qualquer estudante de antropologia no Peru deve levar em consideração o impacto das áreas urbanas nas comunidades [indígenas]”, já que as pessoas das comunidades migram para as cidades, estabelecendo-se nas periferias, onde muitas vezes carecem de serviços básicos, como água, saneamento e saúde.
E embora o relatório ofereça diretrizes para ações futuras, essas mudanças e a grande diversidade de ecossistemas significam que um tamanho não serve para todos, alertam os autores do relatório.
“A Amazônia é uma bacia hidrográfica tão grande e complexa – [incluindo partes de] oito países e um território [Guiana Francesa], com problemas diferentes, alguns concentrados em um lugar e outros em outro – que não existe uma solução única”, disse Andrea Encalada, vice-reitora da Universidade San Francisco de Quito, no Equador, que coordenou o relatório com Nobre.
“O próximo passo é uma zonificação de onde concentrar os esforços”, acrescentou ela. “Agora sabemos onde estão os problemas, mas onde precisamos trabalhar com mais urgência?”
Uma coisa que Nobre gostaria de ver os países amazônicos fazerem é combater o crime organizado, porque muito do desmatamento e muitos dos incêndios florestais que ocorreram na Amazônia nos últimos anos estão relacionados à grilagem ilegal de terras para pecuária, plantações de drogas e especulação de terras, enquanto a mineração não regulamentada de ouro também está se expandindo na Bacia Amazônica.
Mas, apesar de várias promessas de países para parar o desmatamento – em 2014 nas Nações Unidas, em 2019 em Letícia, na Colômbia, e em novembro na COP26 – a ação concertada tem sido evasiva.
Nos últimos anos, bispos católicos e outros líderes da Igreja na Amazônia falaram mais fortemente sobre as ameaças aos ecossistemas da região e seu povo.
O documento final da V Conferência Geral dos Bispos da América Latina e do Caribe, realizada em Aparecida, Brasil, em 2007, incluiu uma seção sobre a Amazônia, em grande parte por insistência dos bispos brasileiros. Isso foi seguido em 2015 pela encíclica do Papa Francisco, “Laudato Si', sobre o cuidado da casa comum”.
Para Nobre, que se lembra da década de 1980, quando muitos bispos brasileiros apoiaram o impulso do governo militar para abrir a Amazônia ao desenvolvimento, essa é uma mudança bem-vinda.
“Laudato Si' foi a primeira vez que um papa realmente colocou igual ênfase em salvar o planeta e salvar os humanos”, disse ele ao EarthBeat. “O bem-estar dos humanos depende totalmente da saúde planetária. Essa se tornou uma mensagem-chave clara para a Igreja Católica em todo o planeta. Três anos depois, houve o Sínodo para a Amazônia”, que marcou pela primeira vez um grande grupo dos bispos reconheceram publicamente a importância do conhecimento dos povos indígenas, acrescentou.
Roca espera que o novo relatório sirva como um guia para trabalhadores e outros, incluindo organizações sem fins lucrativos e grupos de pesquisa, que atuam na Amazônia.
“Espero que a Igreja Católica aproveite este documento e o use para melhorar a qualidade do trabalho que está fazendo”, disse ele.
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Novo relatório sobre a Bacia Amazônica oferece soluções para reparar alguns danos aos ecossistemas da região - Instituto Humanitas Unisinos - IHU