14 Outubro 2021
Como todos os outonos na floresta de Bialowieza, as autoridades bielorrussas preparam o galpão do “Dzied Maroz”, o “Vovô Gelo” que prenuncia o inverno e os passeios das crianças em busca do “Papai Noel” eslavo. A curta distância, outras famílias já contabilizam cinco mortes por frio e fome. Todos refugiados.
A reportagem é de Nello Scavo, publicada por Avvenire, 13-10-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na terra de ninguém na fronteira com a Polônia, dezenas de pessoas ainda estão desaparecidas. Impedidas de passar pelos gendarmes poloneses, entrincheiradas pelos militares bielorrussos. As estimativas de mortes devem ser consideradas para baixo, sugerem os voluntários da Ocalenie, uma fundação humanitária polonesa. Citam um episódio que ainda os angustia. Um telefonema de uma família presa no bosque: "Eles disseram que seu filho de 16 anos estava vomitando sangue". O resgate não foi permitido. Pela manhã soube-se que o garoto estava morto. De muitos outros, nada se sabe. No matagal, até as baterias dos telefones agora estão descarregadas. Na clareira se revezam para ligar o celular e enviar a mensagem para além da nova cortina, levantada para responder à represália do ditador Lukashenko que, mesmo com voos diretos do Iraque, continua atraindo refugiados para empurrar rumo aquela União Europeia que impôs sanções ao regime.
Há mais de uma semana, famílias inteiras vivem ao relento. Alcançá-las é impossível. Do lado polonês, as organizações humanitárias são impedidas de se aproximar até mesmo para deixar água e comida além da barreira de metal levantada para impedir a passagem dos migrantes. Algumas pessoas conseguem obter maçãs e castanhas. Não há mais nada. “Também ficamos sem água”, disse um chefe de família em um vídeo que conseguiu transmitir a um conhecido. As crianças podem ser ouvidas chorando, na noite iluminada apenas por uma fogueira sob as árvores.
“Não temos leite para nossos filhos, estamos sem sapatos e se ninguém vier nos salvar, morreremos”. Esperar por chuva é desesperador. Porque a floresta logo se transforma em um pântano. Mas sem água, as chances de sobrevivência são reduzidas a nada. Com um pouco de sorte e fingindo estar perdido na floresta, da aldeia de Bikiške se entra na Bielorrússia atravessando um fosso um pouco mais largo que um canal. A barreira de metal está lá, mas é baixa e é regularmente ultrapassada. Quem passa por ali deixa cobertores sobre o arame farpado, para facilitar a passagem dos que chegarão depois. Não muito longe, outros refugiados estão escondidos, mas aguardam a noite para tentar a sorte.
Na Lituânia, as preocupações com os mais vulneráveis chegaram aos gabinetes do Garante dos direitos das crianças. Na semana passada, um menino de 10 anos alojado no centro de refugiados em Rukla morreu. A criança havia sofrido um trauma craniano do qual nunca se recuperou. Ele é oficialmente o primeiro requerente de asilo a morrer na Lituânia. “Existem crianças em condições graves, como problemas de desenvolvimento, paralisia cerebral, autismo ou epilepsia”, disse Edita Žiobiene, a defensora cívica lituana dos Direitos da Criança. Os requerentes de asilo não se beneficiam de um seguro de saúde, o que dificulta o seu acesso aos serviços de saúde.
No entanto, de acordo com Žiobiene, o país está fazendo de tudo para oferecer assistência médica necessária para cada pessoa. Dos mais de 4.000 migrantes e refugiados que chegaram desde este verão, mais de um terço são menores. “O Estado - recorda Žiobiene - é responsável por todas as crianças em sua jurisdição e deve proteger seus direitos conforme previsto na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança”. Palavras que despertaram certa irritação no governo de Vilnius. Se por um lado o gabinete do Garante acolheu favoravelmente a abertura de turmas especiais para 201 filhos de migrantes irregulares alojados em três centros para estrangeiros, por outro lado permanece o estado de detenção substancial para as famílias: “O Estado - insiste a funcionária - deve também garantir às crianças o direito de brincar e circular livremente”.
Uma das maiores preocupações é com os alojamentos. Vilnius pensou em mover as famílias dentro de contêineres para campos cercados. “Estou preocupada com as unidades habitacionais modulares. Não há espaço para as crianças brincarem e praticarem esportes”, disse Žiobiene aos ministros: “As crianças que vivem atrás das grades correm maior risco de desenvolver problemas de angústia e raiva e, posteriormente, ingressar em organizações terroristas ou semelhantes”. A Lituânia, é preciso reconhecer, nunca enfrentou um número tão grande de migrantes em tão pouco tempo. Para um país de 2,7 milhões de habitantes, quase 5 mil novas chegadas além dos outros 27 mil estrangeiros que chegaram nos últimos anos é um novo desafio.
As autoridades decidiram nas últimas horas transferir alguns detidos da penitenciária de Kybartai para outra prisão, a fim de esvaziar a prisão e transformá-la em centro de acolhimento. Cerca de 700 pessoas irão para lá, atualmente trancadas nas tendas militares de Rudninkai. O princípio continua a ser o da reclusão, mas na falta de alternativas, até a Caritas reconhece que com o inverno que se aproxima e as fortes nevascas, uma cela a ser mantida aberta e adaptada para duas pessoas é sempre melhor do que uma tenda para trinta. Nessas circunstâncias, "a prisão de Kybartai está razoavelmente equipada", disse Arunas Kucikas, presidente da Caritas Lituânia. "Haverá mais privacidade porque menos pessoas compartilharão o mesmo cômodo, haverá aquecimento, terão espaço para se movimentar, fazer exercícios e comer refeições quentes”. Fala isso sem ironia, porque sabe que no momento não há alternativas. Na terra de ninguém, nas fronteiras extremas da Europa, o Velho Continente apresenta a conta: para escapar do 'vovô gelo', os refugiados só podem esperar que se abram as portas de uma prisão.
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Famílias de refugiados isoladas nos bosques: “Com crianças sem comida, morreremos” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU