07 Outubro 2021
Yonatan Mogollón passou fome e frio; adoeceu, sentiu-se perdido na floresta e viu pelo menos 16 cadáveres durante a travessia que empreendeu junto a sua esposa e filhos.
A reportagem é de Rosanna Battistelli, publicada por Open Democracy e Jesuítas da América Latina, 24-09-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Yonatan Mogollón demorou um mês para cruzar a Colômbia e permaneceu oito dias na floresta para chegar ao Panamá. Sua meta era chegar aos EUA, mas o seu american dream se esvaneceu no caminho. O medo, a falta de dinheiro e o esgotamento o fizeram mudar de opinião.
Levou quatro anos para que Yonatan Mogollón tentasse cumprir seu sonho, que o obrigou a tomar a pantanosa e perigosa floresta do Darién, entre a Colômbia e Panamá. Ele saiu da Venezuela em 2017 e se radicou no Equador. 12 meses depois, devido à instabilidade econômica e aos problemas para estar legalizado, refugiou-se no Peru, porém a vitória de Pedro Castillo para presidente da República o fez retomar a ideia de ir para os Estados Unidos. “Senti medo de repetir as experiências vividas no meu país com um governo de esquerda, por isso escapei novamente”, confessou a El Pitazo, na sexta-feira, 10 de setembro.
Foi assim como em maio de 2021, Yonatan, de 39 anos, despediu-se do Peru e empreendeu uma viagem, via terrestre, junto a sua esposa e seus três filhos – dois de 18 anos e outro de 7 –, porém o caminho o surpreendeu, o corredor selvagem e seus mistérios o espantaram, ver de perto a morte o traumatizou e colocou em risco a vida de sua família e o fez refletir.
Esta foi sua travessia pelo Darién, o trajeto onde 2 mil pessoas arriscam suas vidas todos os dias – segundo as autoridades panamenhas –, entre as montanhas e precipícios, se cuidando de animais selvagens, máfias e grupos criminosos que assediam os migrantes.
Em 8 de maio, Yonatan cruzou a fronteira entre o Peru e a Colômbia com poucas economias. Naquele momento, havia protestos na Colômbia contra o governo do presidente Iván Duque, então a viagem os esgotou. Não havia transporte e eles caminharam tanto que a filha mais velha decidiu voltar.
Yonatan e sua família, originalmente de Ocumare del Tuy, estado de Miranda, levaram um mês para cruzar a Colômbia. Eles atravessaram Ipiales, Cali, Medellín e Necoclí. “De Medellín a Necoclí um caminhoneiro nos deu carona, mas quando chegamos à cidade de Tuluá havia barricadas e os manifestantes, a maioria armados, sequestraram o caminhoneiro. Eles nos deixaram ir. Esse foi o primeiro susto da viagem”, lembrou.
Na noite de 1º de junho, a família chegou a Necoclí. Estava frio e o medo estava aparecendo, mas a ilusão de uma vida melhor não deu brechas. No dia seguinte, Yonatan comprou quatro passagens, de barco, para Capurganá, cidade próxima à fronteira com o Panamá. Por cada uma, ele pagou 80 dólares.
Enquanto esperava para embarcar, ela abriu as duas latas de atum que sobraram em sua bolsa. Nunca provei tanto aquela proteína quanto naquele dia 2 de junho. Ele estava prestes a cruzar os 575 mil hectares entre a Colômbia e o Panamá, onde permaneceram os rastros de pelo menos 65 mil migrantes, de janeiro a agosto de 2021, segundo dados da Migración Panamá. “Não fazia ideia que era um inferno, por isso fiz isso”, confessou.
Haitianos, africanos, cubanos e muito poucos venezuelanos embarcaram. A diferença de idiomas limitava a comunicação, mas Yonatan queria fazer amigos, pois seria mais fácil atravessar a selva que passam todos os dias quase 600 pessoas que fogem de seus países de origem. No barco foram avisados que ao chegar a Capurganá cada passageiro teria de pagar 20 dólares.
Já em Capurganá, alguns homens que Yonatan garante que eram guerrilheiros, obrigaram-nos a entrar gratuitamente nos mototáxis. Disseram que os levariam para uma casa onde teriam que concordar em passar pela floresta acompanhados de guias. “Paguei 200 dólares pela família. Não foi tanto porque provei que era venezuelano, mas os cubanos pagaram 120 dólares por pessoa, e os haitianos e africanos entre 150 e 200. Lá comprei comida para adentrar à floresta”, recordou Mogollón.
Eram 14h do dia 2 de junho. “Quem ficar para trás está perdido, não esperaremos ninguém”, avisou o guia ao grupo – cerca de 100 pessoas – enquanto se ouvia um vallenato ao fundo. Yonatan olhou para seus filhos, ao mesmo tempo em que colocava o polegar na testa para fazer o sinal da cruz. Ele pegou o mais novo pela mão e sua esposa cuidou do mais velho. Assim começou a caminhada pela floresta que hoje ele lembra como um pesadelo.
“Escalamos uma montanha cheia de lama em quatro horas. Muitas pessoas, com crianças, tinham dificuldade em subir a ladeira, gotas de suor escorriam por seus rostos. Os guias cobraram 20 dólares para ajudá-los. Um casal de cubanos ficou para trás. Eles eram mais velhos. Eu nunca mais ouvi falar deles. Naquele primeiro dia chegamos a um acampamento improvisado e ficamos em uma barraca, atolados”.
Às 5h do dia 3 de junho, o grupo estava pronto para partir. No caminho não deu tempo de comer. Ao chegar à fronteira com o Panamá, o guia informou que os acompanharia até aquele local. “Eu me senti enganado e enganado. Ainda tínhamos dois dias para ir ao acampamento principal em Bajo Chiquito, então agora as marcas nas árvores eram nossos guias. No meio da montanha, floresta densa e complexa, continuamos cruzando rios. Às 18 horas decidimos descansar, na esperança de estar perto disso. Começou a virar rotina montar a barraca, buscar lenha, cozinhar e nos sustentar”.
No dia 4 de junho, às 6h, o grupo continuou nas montanhas. “Lembro-me de meu filho tomando banho em todos os rios. Ele estava alheio ao que estava acontecendo. Naquele dia também não saímos da selva e nos assustamos quando tivemos que dormir na margem de um rio que se enfureceu ao amanhecer. Felizmente, tivemos tempo de nos refugiar”.
Às 11 horas do dia seguinte, Yonatan, sua família e seus amigos, com rostos desconsolados, alcançaram a chamada montanha da morte. Abatidos e cansados, eles decidiram subir. Eles passaram sete horas lidando com a chuva. Em vez de andar, eles patinaram na lama. “Muitos deixaram as sacolas com comida, porque não aguentavam o peso. As crianças choravam de exaustão. Era assustador chegar à beira dos penhascos. Quando chegamos a uma colina, já era noite. Eu tive febre. O frio era implacável e não parava de chover. Foi uma noite longa”.
Confiantes de que nesse mesmo dia chegariam ao primeiro acampamento oficial, os migrantes deixaram parte de suas coisas. “O grupo havia se separado. Alguns saíram antes, sem suspeitar que o caminho mais inóspito estava começando. Começamos a descer da montanha e encontramos um cadáver. Foi um impacto forte, tudo silencioso. Eu coloquei minha mão no rosto do meu filho para ocultar essa cena. Alguns metros mais adiante tropeçamos com uma cruz de pau sobre uma tumba. Nessa noite acampamos novamente à margem do rio, entre os barulhos secretos da floresta, a impaciência das crianças e a incerteza dos dias que viriam”, contou.
Sobrevivência. É assim que Yonatan descreve seu sexto dia na selva. “Nós cozinhamos antes de começarmos a caminhada. Fizemos um buraco no chão e colocamos álcool em uma lata, cortamos pedaços de borracha de alguns sapatos e fizemos um fogão, já que a lenha estava molhada”.
Mulheres e crianças tinham os pés inchados, com feridas que sangravam. O filho mais velho de Yonatan era um deles. Caminhar era um sacrifício, mas eles continuaram a contornar o rio, com suas pedras afiadas e galhos estreitos.
“Nessa viagem, dois homens armados nos interceptaram e nos roubaram. Embora houvesse mais de nós, a fadiga nos impediu de reagir. Tínhamos fome e só a água do rio nos mantinha hidratados”.
Naquele dia, o grupo encontrou uma senhora em uma tenda. Ele estava esperando o resgate por quatro dias, com uma perna quebrada. “Não podíamos ajudá-la, além de dar a ela um analgésico. Um quilômetro depois havia outra com os pés tão inchados que não conseguia andar e então nos deparamos com histórias de mulheres estupradas, sepulturas e pelo menos 16 corpos em decomposição. A floresta parecia um cemitério”.
Quando ficaram na selva por uma semana, Yonatan pensou que estavam perdidos. Disseram que o cruzariam em quatro dias. Naquela época, havia 30 pessoas restantes no grupo. Um cadáver preso entre pedras nas águas de um rio é outra cena que o migrante venezuelano guarda na memória.
“Meus amigos cubanos ficaram para trás naquele dia. Eles estavam com a saúde debilitada. Nós os deixamos na estrada. Era decidir entre viver ou morrer no Darien. Foi muito triste e dói lembrar”.
Sair com vida foi a meta que o grupo se propôs para si, já 10 pessoas, no oitavo dia na selva. Eles prepararam o último pacote de sopa de macarrão e com algo no estômago começaram a caminhada. A estrada estava mais transitável e, no meio do nada, avistaram alguns panamenhos em curiaras. Foi o momento mais feliz da viagem. É assim que Yonatan o qualifica.
“Eles cobraram 20 dólares por pessoa para nos levar ao primeiro acampamento oficial em Bajo Chiquito. O Exército nos recebeu e a Migração do Panamá nos registrou. Lágrimas cobriram os rostos de minha esposa e de meu filho mais velho, assim como a chuva nas muitas vezes que nos surpreendeu no caminho. Eles se sentiam seguros”.
O preço que cancelaram para pernoitar numa cabana foi de 5 dólares, enquanto foram incluídos numa lista que lhes permitiria mudar para o acampamento número 2, em San Vicente, por 25 dólares. Isso aconteceu no dia seguinte. “Quando estávamos embarcando nas curiaras, chegou um dos cubanos que viajavam conosco. Ele veio em busca de ajuda, ele havia deixado sua esposa desmaiada. Eles cobraram 700 dólares para ir resgatá-la. Não soubemos mais nada sobre ele”.
No segundo acampamento, as coisas eram mais duras. Yonatan lembra que havia grandes tendas, sob a proteção do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Eles só podiam entrar com suas roupas e telefones. Eles lhes deram comida enquanto pegavam um ônibus para um terceiro acampamento perto da fronteira com a Costa Rica. O custo: 80 dólares por pessoa.
“Minha intenção era ir para os Estados Unidos, mas por questões econômicas e de segurança decidimos, em família, não ir mais longe. Cheguei na Costa Rica e pedi refúgio. Atualmente trabalho fazendo Uber, pedalando, com meu filho mais velho. O menor está estudando e minha esposa está fazendo cursos para aprender uma profissão com o apoio da Fundamujer. Graças a Deus estamos vivos e prometi que nunca mais arriscarei minha família”.
A organização médica e humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) recolheu testemunhos de pessoas que foram vítimas de violência, roubo, falta de comida e água e abuso sexual. Esta situação os motivou a iniciar atividades em uma comunidade de chegada de migrantes e duas Estações de Recepção Migratória (ERM) em Darién, onde oferecem serviços médicos básicos e cuidados de saúde mental, de acordo com um comunicado de imprensa em seu site.
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Colômbia. Os migrantes que enfrentam a perigosa floresta de Darién - Instituto Humanitas Unisinos - IHU