01 Outubro 2021
A dúvida de uma sujeição do ser humano ao computador talvez tenha se tornado uma consciência social em 1982. Por que escolhemos essa data? O motivo é um artigo publicado pela popular revista Time, que, na época, causou alvoroço na opinião pública ao mostrar uma mudança já ocorrida na sociedade ocidental.
A opinião é de Paolo Benanti, teólogo e frei franciscano da Terceira Ordem Regular, professor da Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, e acadêmico da Pontifícia Academia para a Vida.
O artigo foi publicado em Avvenire, 30-09-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o artigo.
Falar de vida e de pessoa hoje, na galáxia digital que habitamos, requer inevitavelmente que introduzamos o companheiro das nossas experiências cotidianas: a máquina digital. Esse novo lugar do ser humano no mundo – parafraseando Arnold Gehlen – nos situa ao lado da nossa criação digital. Mas não é óbvio qual dos dois está no topo dessa relação.
A dúvida de uma sujeição do ser humano ao computador talvez tenha se tornado uma consciência social em 1982. Por que escolhemos essa data? O motivo é um artigo publicado pela popular revista Time, que, na época, causou alvoroço na opinião pública ao mostrar uma mudança já ocorrida na sociedade ocidental.
A Time é a revista estadunidense que dedica a primeira capa de cada novo ano à pessoa mais influente do ano recém-concluído. O personagem escolhido recebe o título de Man of the Year. Em 1983, a revista, dando continuidade a uma tradição de mais de 50 anos, indicou assim as qualidades que distinguiam o vencedor de 1982: é jovem, confiável, silencioso, limpo e inteligente. É bom com os números e ensinará ou entreterá as crianças sem reclamar.
Mas a Time não se referia a um ser humano, mas sim a um computador: no editorial que acompanhava a proclamação do vencedor, Otto Friedrich destacou que, embora muitos seres humanos pudessem ambicionar a representar o ano de 1982, ninguém havia conseguido simbolizar o ano recém-concluído como um processador eletrônico.
Capa da revista Time de 1983 (Imagem: Time)
Lendo o modo como os leitores comentaram a escolha da Time, parece-nos que podemos indicar nesse evento um símbolo do advento de uma nova época cultural: “Desta vez, ao que parece, a humanidade fracassou em deixar uma marca”.
De fato, o reconhecimento de “Homem do Ano” não era mais aplicável. Assim, a capa havia sido decorada com um novo título: “Máquina do Ano”. No centro da página, estava a máquina vitoriosa, e a sua tela, cheia de informações. Além de uma escultura desgastada e sem vida de uma figura humana que servia de espectador, com o seu epitáfio formado pelas três palavras debaixo do título principal: “O computador entra em cena”.
Era assim sancionada a ideia de um ser humano em crise, incapaz de saber gerir as máquinas que ele mesmo havia criado, destinado a ficar confinado em um passado feito de vestígios arqueológicos. Pela primeira vez, a nossa espécie parece ter um concorrente evolutivo com o qual deve competir.
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Temos um “rival” evolutivo. Artigo de Paolo Benanti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU