04 Agosto 2021
A destituição de Juan Francisco Sandoval, importante fiscal contra a corrupção, marca o fechamento formal das iniciativas para fortalecer os organismos anticorrupção na Guatemala.
A reportagem é de Alex Papadovassilakis, publicada por Insight Crime e Jesuítas da América Latina, 26-07-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Mapa da Guatemala (Foto: Google Maps | Reprodução)
Em 23 de julho, a procuradora-geral Consuelo Porras destituiu Juan Francisco Sandoval do seu cargo de Procurador Especial contra a Impunidade (FECI), unidade de investigações conformadas com ajuda internacional e que dirigiu as investigações por corrupção mais barulhentas do país. Sandoval saiu do país depois da notícia.
Em um comunicado revelado pelo Ministério Público, Porras alegou “humilhações” e “falta de confiança na relação” como os motivos para a destituição de Sandoval, porém não ofereceu maiores detalhes.
A reação não esperou. Em 24 de julho, centenas de manifestantes saíram às ruas em todo o país a demonstrar sua indignação pela decisão. Na Praça da Constituição da Cidade da Guatemala, e frente ao edifício do Ministério Público, a multidão exibiu cartazes nos quais exigiam a renúncia de Porras e do presidente Alejandro Giammattei.
Também a comunidade internacional manifestou prontamente sua preocupação pela destituição. Nos Estados Unidos, o secretário de Estado Antony Blinken escreveu no Twitter que: “apoiamos o povo da Guatemala e o procurador Francisco Sandoval”.
Washington havia enviado um grande número de sinais velados e direitos de seu respaldo a Sandoval. Em fevereiro passado, por exemplo, Sandoval foi designado Campeão da Luta contra a Corrupção pelo governo dos Estados Unidos.
Isso não importou. Segundo os documentos oficiais citados no Periódico, Sandoval foi destituído por se opor à decisão tomada por Porras alguns dias antes de remover um procurador da FECI à outra divisão e colocar em seu lugar um procurador acusado de obstrução da justiça.
Sandoval não saiu inadvertidamente. Pouco antes de sua demissão, ofereceu uma explosiva conferência de imprensa frente a uma sala repleta de jornalistas, onde classificou sua demissão de “ilegal” e acusou o procurador-geral Porras de obstruir as investigações da FECI em múltiplas oportunidades.
Isso incluiu uma solicitação dos procuradores da FECI de colocar em custódia a ex-candidata presidencial e primeira-dama, Sandra Torres, que era investigada por suposto financiamento eleitoral ilícito. Porras respondeu aos procuradores que estavam “exagerando”, segundo relatou Sandoval.
O fiscal também apontou que Porras tentou obstruir as investigações sobre a tentativa das máfias políticas de impor às cortes na Guatemala ao ordenar os procuradores que se abstiveram de investigar certos personagens, como Néster Vásquez, atual magistrado da Corte de Constitucionalidade vinculado às máfias judiciais.
“Neste Ministério Público, o que não convém (aos atores corruptos) se dilata, e o que lhes convém se agiliza”, destacou.
Antes de sua destituição, Sandoval também havia enfrentado diversas impugnações dirigidas a obstruir seu trabalho. Muitas delas aprovadas por Porras. Em junho, a FECI enfrentou uma impugnação que buscava declarar o seu mandato como inconstitucional.
A substituta de Sandoval como chefe da FECI será Carla Isidra Valenzuela Elías, uma experiente procuradora especializada em técnicas de investigação e confidente de Porras por longo tempo.
Talvez o mais surpreendente sobre a remoção de Sandoval seja o quanto tardou a ocorrer. Em uma entrevista ao InSight Crime, em junho de 2020, Sandoval praticamente previu sua remoção.
“Há um ataque sistemático àqueles de nós que lutamos contra a impunidade. Os ataques ao procurador, a este Ministério Público e aos juízes”, comentou, acrescentando que “os mecanismos estatais para garantir a impunidade apenas foram aperfeiçoados”.
Uma face visível da campanha de alto nível da Guatemala contra a corrupção, Sandoval foi por muito tempo um alvo de grupos que buscavam inviabilizar as iniciativas anticorrupção. Sua remoção coincide com a abordagem que os investigadores da FECI pareciam estar fazendo em relação à corrupção no atual governo do presidente Alejandro Giammattei.
“Nos últimos meses, a FECI começou a investigar eventos que os incomodavam”, denunciou Sandoval na conferência de 23 de julho, acrescentando que a decisão de demiti-lo era “algo planejado há meses”.
Especificamente, ele se referiu à resistência de Porras quando a FECI continuou as investigações sobre possíveis ligações entre uma apreensão de milhões de dólares em dinheiro e o ex-secretário particular do presidente Giammattei, Giorgio Bruni. Sandoval disse que manteve Porras fora de algumas partes desta investigação por medo de bloquear as operações da FECI.
De acordo com Sandoval, a FECI também detectou encontros entre o atual presidente Giammattei e cidadãos russos — uma acusação muito oportuna à luz de um contrato altamente polêmico obtido pelo governo guatemalteco para a compra de vacinas contra o Sputnik, o que levou a acusações de corrupção.
Qualquer investigação, ligada ao presidente Giammattei, que em junho classificou o trabalho de Sandoval como tendencioso, precisava ser aprovada por Porras, denunciou Sandoval.
O ex-chefe da FECI também explicou como um conhecido operador político implicado em vários casos de corrupção, Gustavo Alejos, recentemente concordou em cooperar como testemunha e “prestou depoimento sobre eventos relacionados a funcionários atuais, membros do Congresso e juízes”.
Os possíveis danos que este depoimento pode causar também podem explicar o momento da decisão de Porras.
As alegações de Sandoval tornam altamente improvável que a FECI possa abrir investigações futuras para funcionários do governo ativos sem enfrentar novas obstruções de dentro do Ministério Público.
Sua remoção também lançará uma sombra sobre outros casos de corrupção aberta que a FECI está avançando, incluindo um caso de grande importância, envolvendo o ex-presidente guatemalteco preso Otto Pérez Molina, que deve comparecer a julgamento no início de 2022.
A reação contra o afastamento de Sandoval não está separada de outros fatos. A FECI foi o último vestígio da campanha internacional para erradicar a corrupção dentro do governo. A manifestação mais visível dessa iniciativa foi a Comissão Internacional contra a Impunidade na Guatemala (CICIG), órgão judicial que ajudou a formar a FECI e a processar esses casos de corrupção durante os 12 anos em que trabalhou no país. Fechou em 2019.
Desde então, os temores sobre o desmantelamento sistemático dos mecanismos anticorrupção na Guatemala aumentaram gradualmente, especialmente nos Estados Unidos. Mas com a Guatemala sendo um aliado crítico nos esforços dos EUA para conter os fluxos migratórios e as drogas ilícitas, é incerto se essa preocupação levará a novas ações ou se continuará a ser limitada à distância.
Mapa da América Central (Foto: Google Maps | Reprodução)
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Guatemala. Interrompida a luta contra a corrupção - Instituto Humanitas Unisinos - IHU