04 Agosto 2021
"Baila nos olhos de Abraão e de Sara um brilho novo e desconhecido. Enquanto ela se desdobra na preparação do alimento, ele se sente incapaz de sentar enquanto os mensageiros comem. Da mesma forma que no episódio dos discípulos de Emaús – capítulo vinte e quatro do Evangelho de Lucas – a acolhida e o encontro com os forasteiros representaram uma tríplice novidade", escreve Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente do Serviço Pastoral dos Migrantes - SPM/São Paulo.
O carvalho de Mambré e, junto dele, uma tenda à beira da estrada. Abraão e Sara, um casal em idade avançada, cuida pacientemente do próprio cotidiano. Sentado do lado de fora à sombra da velha árvore, ele se depara com três forasteiros que acabavam de se aproximar. Imediatamente, supondo-os cansados da viagem, levanta-se e dispõe-se a acolhê-los, como manda o costume da boa hospedagem. Logo intui que tais viajantes, como os anjos, são enviados do Altíssimo. Passa a louvar e agradecer o Senhor pela honra dessa tão ilustre visita. De acordo com o texto bíblico, o velho anfitrião, ansioso por receber bem os caminhantes, corre em direção à tenda e pede que a mulher Sara providencie, depressa, a farinha necessária para assar alguns pães. “Em seguida, Abraão correu ao rebanho, tomou um novilho tenro e bom e deu-o a um servo, que se apressou em prepará-lo. Tomou também coalhada, leite, o novilho que tinha preparado e serviu tudo para eles. E ficou de pé junto deles, debaixo da árvore, enquanto comiam” (Gn 18, 1-21).
As expressões não deixam dúvida: corre, depressa, se apressou, ficou de pé. Os mensageiros de Deus, ao se apresentarem de improviso, sacodem a monotonia diária. De imediato, tudo se põe em movimento. Todo ambiente da pobre tenda ganha uma vitalidade sem precedentes. Mas os visitantes sacodem também os ossos, os músculos e o ânimo do casal idoso. Para além de um “correr” do corpo e dos pés, podemos imaginar um “correr” vital e caloroso do próprio sangue nas veias, acrescido de batimentos cardíacos descontrolados. O coração, a mente e o espírito se aquecem com uma chama vívida e inusitada. Espécie de luz, alegria ébria e contagiante, que rejuvenesce e faz a vida marchar em ritmo mais acelerado. Impossível permanecer indiferente diante do que pode significar a presença dos visitantes.
Quando Deus irrompe na história da humanidade, abre em seu tecido complexo, labiríntico e tortuoso alternativas inéditas, surpreendentes. Descortinam-se veredas novas, com perspectivas largas e horizontes inusitados. Renova-se toda existência. Um entusiasmo primaveril contagia a tenda e os anciãos. A tal ponto que o sangue juvenil irriga o ventre infértil de Sara. E então vem a grande notícia: mesmo na velhice, dentro de um ano ela haverá de dar à luz um filho! Dúvida, incredulidade e risos cruzam o diálogo entre forasteiros e anfitriões. A Palavra de Deus, porém, revela, uma vez mais e sempre, sua força poderosa e criativa. Num anúncio sem igual, refaz-se a utopia da Terra Prometida e da descendência do Povo de Israel, a qual será “tão numerosa como as estrelas do céu e as areias da praia”.
Baila nos olhos de Abraão e de Sara um brilho novo e desconhecido. Enquanto ela se desdobra na preparação do alimento, ele se sente incapaz de sentar enquanto os mensageiros comem. Da mesma forma que no episódio dos discípulos de Emaús – capítulo vinte e quatro do Evangelho de Lucas – a acolhida e o encontro com os forasteiros representaram uma tríplice novidade. Em primeiro lugar, o próprio Deus se torna presente em todos e em cada migrante que bate à nossa porta: “eu era peregrino e me recebeste em tua casa (Mt 25, 35). Depois, a própria existência de quem se faz anfitrião ganha um novo ardor e redobrado entusiasmo: “não ardia o nosso coração enquanto Ele nos falava das Sagradas Escrituras” (Lc 24,32). Por fim, ao anjos, os forasteiros e os migrantes são sempre portadores de boas notícias, mensagens cujo sopro ao mesmo tempo humano e divino reacende a chama da vida e lhe imprimem novo sabor: “todas as gerações me chamarão bem-aventurada, porque o Senhor fez em mim maravilhas” (Lc 1, 48-49).
Na exata medida em que, de acordo com o ensino social da Igreja, “no coração de cada pessoa humana e no coração de cada cultura existem sementes do Verbo encarnado”, aquele que chega de fora e de longe sinaliza a oportunidades de tais sementes revelarem toda sua potencialidade. Cruzam-se e se fundem novos valores, através de expressões culturais religiosas distintas. As diferenças, longe de muros, podem erguer pontes de intercâmbio e de enriquecimento recíproco. O diferente indica a via para o Transcendente.
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Abraão e Sara: genitores de um povo a caminho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU