26 Julho 2021
"O 'fato político' é notável: uma administração econômica que depende de uma única autoridade e é controlada por outra (secretaria de economia), em última instância ligada à visão pastoral e estratégica do papa, mais do que à política de cada dicastério. A Santa Sé, apesar do 'pedestal' do estado do Vaticano, não é realmente um estado. Não tem impostos nem dívida pública. Conta com o rendimento de seus bens e, sobretudo, com as ofertas dos fiéis. A tendência disso está ligada à opinião pública dos católicos. Por isso, assim como por outros motivos, são necessárias transparência orçamentária e ordem na gestão", escreve o historiador italiano Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio e ex-ministro italiano, em artigo publicado por Corriere della Sera, 25-07-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em 1903, após a morte de Leão XIII, Pio X, recém-eleito papa, encontrou os cofres do Vaticano vazios.
Imediatamente o papa foi forçado a uma política de contenção dos gastos. No entanto, a imprensa contava histórias sobre vários milhões levantados por Leão XIII. Pensou-se num roubo. Um mês após a eleição de Pio X, o mistério foi esclarecido. Quando o idoso Leão (93 anos) sentiu que o fim se aproximava, entregou a um clérigo de confiança o caixa-forte, onde guardava títulos e dinheiro, com a disposição de que fosse entregue ao seu sucessor, mas um mês após a eleição. Assim fez o clérigo, levando a Pio X o "tesouro" de Leão XIII.
Por que essa esquisitice?
Alguém disse que Leo queria mostrar a seu sucessor "como é difícil governar sem dinheiro". Esta não é o único fato curioso na história das finanças do Vaticano em um século e meio. Por isso, é significativo que ontem - pela primeira vez - tenha sido divulgado o balanço da APSA (Administração do Patrimônio da Sé Apostólica). A APSA com o Banco do Vaticano, o IOR e o Governatorato da Cidade do Vaticano, é uma das três entidades que sustentam financeiramente a Santa Sé. O primeiro motivo da publicidade do balanço - explica D. Galantino, à frente da APSA - é o respeito de quem contribui com doações e ofertas.
A transparência do balanço é fruto da reorganização de uma administração, labiríntica porque estratificada no tempo e não construída de forma orgânica. Isso tem permitido não apenas algumas apropriações, mas também gestões personalistas e desperdícios. Alimentou um senso de sigilo, fomentando inferências sobre a riqueza do Vaticano. O balanço da APSA dá suas reais dimensões.
O patrimônio líquido da APSA, em dezembro de 2019, é de 886 milhões de euros. Um valor notável, mas que mostra a importância relativa da economia vaticana, também em relação às numerosas instituições que pertencem à Santa Sé e em comparação com outras instituições internacionais. Em suma, o Vaticano não é tão rico em relação à extensão de sua atividade e às ações que desempenha.
Boa parte desse patrimônio provém de um bilhão e 750 milhões de liras que, em 1929, Mussolini depositou à Santa Sé com a Conciliação, um ressarcimento pelos bens que eram de propriedade do estado com a Unificação. Pouco menos de um quarto do valor foi usado por Pio XI para as estruturas do novo Estado do Vaticano, depois para construir os edifícios da Santa Sé (como o grande palácio de San Calisto em Trastevere) e, finalmente, para construir, especialmente perto do Vaticano, moradias para os funcionários.
O restante foi aplicado em uma série de investimentos com o princípio da diversificação, de forma a evitar riscos. Por isso, a APSA, por meio de suas empresas, possui imóveis na Grã-Bretanha, França e Suíça, além da Itália, principal país de investimento, especialmente Roma, com 92% das 4.051 unidades imobiliárias (do edifício do dicastério ao apartamento, à loja ou ao restaurante). Sobre os imóveis na Itália, a APSA paga impostos (para 2020, cerca de seis milhões de IMU e quase três milhões de IRES).
Parte do patrimônio imobiliário, juntamente com a gestão da carteira (um bilhões e 778 milhões de euros), dão rendimentos - pouco mais de 20 milhões e meio - que a APSA deposita para a manutenção da Cúria. Esta é a função das finanças do Vaticano: sustentar o governo da Santa Sé, as nunciaturas, as ações do Papa, as intervenções caritativas ... O Papa Francisco, em 2019, questionado sobre as finanças, tinha defendido a necessidade de investir, não para especular, mas para evitar que o capital se desvalorize: "que se mantenha ou renda um pouco".
Hoje, o balanço de 2020 registra a crise da pandemia, pelo que a APSA reduziu os aluguéis de lojas e residências, enquanto havia situações difíceis dos mercados. D. Galantino observa que se trata de um fato conjuntural: “Se excluíssemos os efeitos da avaliação contábil da carteira - afirma ele -, o resultado da gestão de ativos em 2020 seria superior ao alcançado em 2019”.
O balanço mostra a nova arquitetura de uma gestão orgânica liderada pela APSA (que distribui fundos aos vários dicastérios e departamentos do Vaticano), enquanto a secretaria da economia, por sua vez, exerce o controlo sobre a APSA e sobre todas os entes vaticanos. Desde 2021, por decisão do Papa Francisco, os fundos da Secretaria de Estado também passaram para a APSA.
O "fato político" é notável: uma administração econômica que depende de uma única autoridade e é controlada por outra (secretaria de economia), em última instância ligada à visão pastoral e estratégica do papa, mais do que à política de cada dicastério. A Santa Sé, apesar do "pedestal" do estado do Vaticano, não é realmente um estado. Não tem impostos nem dívida pública. Conta com o rendimento de seus bens e, sobretudo, com as ofertas dos fiéis. A tendência disso está ligada à opinião pública dos católicos. Por isso, assim como por outros motivos, são necessárias transparência orçamentária e ordem na gestão.
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O Vaticano revela informação sobre o patrimônio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU