19 Julho 2021
Fiquem tranquilos, é a palavra que se deveria colocar ao lado! Este artigo chama nossa atenção para o que as palavras comunicam, muitas vezes sem que percebamos. A escolha das palavras que se usam: uma boa margem de liberdade para todos ...
O artigo, escrito por Paul Tihon, s.j., membro há mais de 45 anos da pequena comunidade La paroisse libre de Bruxelles, tem a seguinte tese: toda a linguagem que gira em torno do "sacerdócio" é carregada de confusões e mal-entendidos. A partir dessas confusões, é feita uma manipulação para proteger poderes que nada têm de evangélico. A proposta do autor é banir os termos "sacerdote" e "sacerdotal" da nossa linguagem e convidar os outros a fazerem o mesmo.
O artigo foi publicado por baptises.fr, 10-07-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Já há muito tempo exegetas e teólogos (na época ainda eram poucas as teólogas) criticavam o uso do vocabulário “sacerdotal” para designar os ministérios na Igreja e, em particular, os padres. É preciso dizer que, neste ponto, o francês (como algumas outras línguas) não nos ajuda por causa de sua pobreza. Utiliza a mesma palavra "padre" ("prêtre") para traduzir dois termos que têm um significado diferente: presbyteros, que significa ancião, e hiereus, que significa "funcionário do sagrado" (em latim, sacerdos, que deveria ser traduzido como "sacerdote"). Mas esses são termos que pertencem a registros muito diferentes. Hiereus, sacerdos, designa o membro do grupo que, na religião grega, romana ou judaica, está oficialmente encarregado da gestão do culto, das relações com o divino, em suma, do sagrado. E toda a categoria do sagrado consiste em distinguir lugares, pessoas, tempos, separando-os do "profano". Literalmente, pro-fano, é o que está fora do templo, o fanum. O profano é o cotidiano, a vida do dia-a-dia ... Vamos relembrar?
O Novo Testamento usa a linguagem sacerdotal, retirada do registro do sagrado, apenas em dois casos: por Jesus, nosso único "Sumo Sacerdote" (archiereus), e isso apenas na Epístola aos Hebreus, um texto tipicamente judaico-cristão; e para o Povo de Deus como um todo, que é "um sacerdócio santo" (1Pedro 2,5). Por outro lado, todas as palavras que designam funções e serviços na Igreja sistematicamente evitam o registro do sagrado. Fala-se de supervisores (episcopus, que se tornou "bispo"), de anciãos (presbyteroi, que transformamos em "padres"), de pilotos, de presidentes, de servidores (diáconos), etc. Nunca de "sacerdotes".
Sem dúvida, o vocabulário sacro, do Primeiro Testamento e das religiões grega e romana, entrou nos textos cristãos desde muito cedo. Mas o fato de ser uma prática antiga não basta para legitimá-la.
Falar-se-á em inculturação, e isso sem dúvida é parte da explicação. Dir-se-á que era necessário que a nova religião se situasse em relação às religiões presentes em seu redor, todas tinham um sacerdote, um corpo de especialistas designado à gestão do sagrado. Qual era o equivalente nos grupos cristãos?
Desde Inácio de Antioquia, no início do século II, se diz: é o bispo; e os títulos de "sacerdos" e "pontifício" são atribuídos a ele. Mas essa assimilação é definitivamente questionável, aliás, é perigosa. De fato, a meu ver, compromete uma afirmação central da nossa fé: o Evangelho estabelece entre a humanidade e o Deus de Jesus Cristo uma relação de tal novidade que exclui a existência de uma casta de mediadores especializados no tratamento do sagrado. Entre Deus e a humanidade existe apenas um mediador, Jesus Cristo.
Nesse ponto, os reformadores tinham razão, o que não impede de forma alguma de afirmar que a Igreja apresenta desde suas origens certa repartição dos papéis, e a maioria dos exegetas reportam a Jesus a designação do grupo dos Doze, que Lucas chamará "apóstolos". Mencionei anteriormente alguns dos títulos para designar as diferentes funções. Mas, no Segundo Testamento, a divisão de funções em nada compromete a igualdade fundamental dos fiéis: "não queirais ser chamados Rabi, porque um só é o vosso Mestre, a saber, o Cristo, e todos vós sois irmãos" (Mt 23,8).
Isso não impede de conceber o que eu chamaria de estrutura ministerial da Igreja como parte de sua "sacramentalidade" - e, portanto, de falar de um "sacramento da ordem" (a tradição merece ser respeitada!). Assim, também podemos ver que um determinado uso do vocabulário do sagrado é inevitável, mesmo no âmbito cristão, desde que o entendamos bem: os "sacramentos" são atos ou situações que têm um significado simbólico, que concorrem para manifestar algo da novidade do Evangelho. Quando celebramos a Eucaristia, toda uma série de indícios distingue a assembleia de uma simples refeição fraterna ou de um encontro de companheiros. Mas esses indícios não têm outra função senão a de fazer perceber, em momentos privilegiados, que toda a existência é na realidade um "lugar de Eucaristia". Cada "missa" é sempre "a missa do mundo" de que falava Teilhard.
Mas a tendência de separar o sagrado do profano está tão arraigada no psiquismo humano que corre o risco de esconder a novidade do Evangelho, reintroduzindo mediadores, intermediários, entre Deus e o seu Povo, entre Deus e cada um de nós. Tentação espontânea talvez, porque, se o véu do Templo se rasga, se cada um e cada uma agora tem acesso a Deus sem passar por "estados-tampão", fica-se expostos diretamente à maravilha, à estranheza, à proximidade incompreensível daquele que é "mais íntimo a mim do que eu mesmo” ...
Mas ao mesmo tempo se percebe que outra tentação então surge: a do poder atribuído a esses "funcionários de Deus" - falar como o tradutor de Drewermann. Poder sobre os comportamentos, poder sobre as consciências. Poder ainda mais sutil por não se reconhecer como tal e se designa como serviço. Compensação pelo "sacrifício" feito pelo "sacerdote" ao "consagrar" sua existência para cuidar do "sagrado" em nosso lugar ...
Esta é, na minha opinião, entre outras coisas, uma das razões mais profundas para a exclusão de mulheres da ordenação "sacerdotal". Eu me peguei várias vezes discutindo os argumentos de seus defensores. Alguns desses argumentos não se sustentam - como o sofisma que consiste em dizer: "Se Jesus quisesse, ele o teria feito".
O argumento mais difícil de refutar diz respeito ao simbolismo sacramental. E é verdade que mais de um texto do Segundo Testamento usa a simbologia homem-mulher para esclarecer aspectos da realidade de Cristo. Por exemplo, na carta aos Efésios (5,25-27).
Mas não se segue que essa simbologia possa ser transposta para situações que dizem respeito a uma concepção do sagrado que eu, como teólogo, considero pré-cristã. É difícil, num contexto cristão, justificar uma simbologia que joga com a diferença dos sexos, enquanto "em Cristo já não há homem e mulher" (Gálatas 3,28).
Por isso, sou a favor da vigilância linguística sobre este ponto. Em vez de "sacerdócio", vamos falar de "presbiterado". Em vez de ordenação sacerdotal, vamos dizer "ordenação a padre" ou "ao presbiterado”. E assim por diante. Talvez seja uma coisa pequena. Mas acredito que seja importante para a mudança de mentalidade.
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E se parássemos de falar sobre "sacerdócio"? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU