21 Junho 2021
Martin Steffens é coautor, com Pierre Dulau, de Faire face. Le visage et la crise sanitaire, Éditions Première Partie, 2021 (Resistir. O rosto e a crise sanitária, em tradução livre). É professor associado de filosofia, autor de numerosos ensaios e colunista.
A entrevista é de Henrik Lindell, publicada por La Vie, 17-06-2021. A tradução é de André Langer.
Vocês escreveram no livro Faire Face que tínhamos “entrado em uma noite” por causa do uso obrigatório da máscara. Estamos entrando em um dia agora?
Seria ótimo! Talvez seja uma alvorada. Talvez o crepúsculo de um certo modo de viver, rosto descoberto, leve ainda algum tempo... A questão que se coloca é a seguinte: deixamos de lado a máscara porque vencemos a pandemia, o que obviamente não é o caso, ou simplesmente porque era inútil ao ar livre, como sugeria desde o início a esmagadora maioria dos estudos sobre o assunto? Dito de outra maneira: ou podemos tirar a máscara porque tudo está indo bem novamente, ou porque essa medida, do ponto de vista estritamente sanitário, era absurda de qualquer maneira, como se a questão da máscara ao ar livre, a qualquer hora, não era apenas sanitária, mas também moral e política.
Basicamente, o que encontramos quando descobrimos novamente os rostos das pessoas na rua?
Estamos redescobrindo mais do que um pedaço adicional de pele. O rosto nu, aberto e descoberto, expressa discretamente os dois princípios sobre os quais se baseia a nossa civilização. Primeiro, o princípio de que cada pessoa é única. É precisamente o rosto que diz isso. Você pode confundir alguém por trás com outra pessoa. Mas o rosto nos diferencia totalmente. O reconhecimento facial é baseado neste princípio, porque não há dois rostos absolutamente idênticos.
Segundo princípio: esta singularidade não nos fecha em nós mesmos; pelo contrário, é sempre já relacional. Quando estou frente a frente com alguém, o rosto é a única parte do meu corpo que o outro vê e eu não vejo. E reciprocamente. O rosto, portanto, nos diz que somos apresentados a alguém diferente de nós. Em um encontro cara a cara, a única maneira de realmente ver nosso rosto é adivinhando-o nos olhos de alguém que o acolhe de maneira mais ou menos favorável.
Mas a máscara ainda permite que você veja os olhos das pessoas...
Não é o suficiente. Recentemente, encontrei meus alunos sem máscaras em um café. Alguns me cumprimentaram, mas não os reconheci. Entretanto, acabara de passar oito meses com eles! O rosto é uma totalidade que não pode ser dividida em partes, como acontece quando o recompomos através de um retrato falado. Uma ferramenta de identificação, um retrato falado é um rosto que não acena para a pessoa que o usa. Compreendemos então que o rosto é uma totalidade que ultrapassa a si mesmo: se o quero acolher o seu rosto, não devo olhar para ele, reduzi-lo à soma das suas feições. É um convite para conhecê-lo além de suas maneiras de aparecer.
O rosto é “vital”, vocês escrevem, especialmente na nossa civilização, onde não o escondemos...
Pensemos em certas sociedades primitivas, cujos membros são inteiramente tatuados. São sociedades de marcados, como se diz, porque o indivíduo não existe fora da tribo ou da comunidade. Entre nós, o rosto está realmente exposto e isso obviamente diz algo sobre a nossa civilização. Penso que é o cristianismo que faz a diferença, porque anuncia que todo homem é uma pessoa. Em terreno cristão, acreditamos que cada um é feito para sua comunidade, mas não só para ela. Porque cada um é feito para a sua própria vocação. O rosto sem máscara nem tatuagem fala da liberdade como princípio da nossa civilização. Percebemos isso quando o estamos perdendo.
As medidas sanitárias, algumas das quais se contradizem, tornam-se “medidas de controle social e de controle psicológico”, na opinião de vocês. Vocês falam inclusive de uma ditadura...
Ditadura é a palavra latina para estado de emergência ou estado de exceção. Designa um funcionamento anormal, normalmente temporário, das instituições, quando o poder executivo, diríamos nós, tem precedência sobre os demais poderes. Não procuramos dramatizar esta palavra. Mas é preciso chamar um gato de gato. Um estado de exceção é viver em uma ditadura. Isso não significa que se trata de uma tirania ou de um regime totalitário. Mas se o estado passa a atropelar as realidades que não criou, que existiam antes dele, como o corpo humano, ou o ambiente humano, a família por exemplo, então excede em muito as suas prerrogativas.
Foi o que aconteceu com determinadas medidas sanitárias, que penetraram no seio dos lares. Outro exemplo: se o Estado, que é um produto da razão humana, despreza essas realidades com campanhas de prevenção de cunho traumático, então viola uma de suas condições de possibilidade. A medida que nos permite tirar a máscara vem repentinamente, quando muitos alertaram sobre seus efeitos globalmente deletérios. De uma hora para a outra, somos autorizados a tirar a máscara, sem realmente saber exatamente por quê. Sabemos apenas que o executivo tem o poder de dizer o que deve ser feito.
Essa surpresa que o governo nos faz é certamente um sinal de seu enorme poder: digo, logo, é. Acreditar na onipotência da palavra também é o que os psicanalistas chamam de loucura. Essa nova medida, em sua modalidade, não é tão tranquilizadora. Até porque mata a virtude da prudência que é essencial, especialmente em uma pandemia como esta, que não é a peste negra, que é preto no branco.
Lembro-me que uma associação de vítimas da Covid se levantou contra a máscara, dizendo: se você pergunta coisas absurdas às pessoas, não pode, na sequência, perguntar coisas de bom senso. O poder optou por impor a máscara o tempo todo e em todos os momentos para que as pessoas também a usem quando realmente precisam, no supermercado, por exemplo. Escolhemos a maximização segura.
Mas do que você tem medo? Essas medidas são temporárias e desaparecerão quando a maioria de nós for vacinada ou quando tivermos obtido imunidade coletiva. Não são apenas um parêntese que logo ficará para trás?
Pierre Dulau e eu escrevemos Faire Face porque não achamos que seja apenas um parêntese. Além disso, o parêntese é uma metáfora interessante. Ao escrever, podemos colocar um parêntese dentro de uma frase, porque a frase escrita constitui um todo. Mas isso não corresponde à história da humanidade, que ainda está sendo escrita, sem se virar ou voltar atrás. O parêntese da ditadura do proletariado, por exemplo, nunca foi fechado. Hiroshima e Nagasaki não eram parênteses: a bomba atômica determinou para sempre a nossa relação com a guerra.
No entanto, as pessoas aderem às medidas sanitárias por mais que as achem temporárias, quando seus efeitos nocivos podem durar muito tempo. O mesmo acontecerá com o “passe sanitário” [o passe sanitário entrou em vigor na França no dia 09 de junho e é exigido como certificado para acessar locais fechados com público superior a mil pessoas. O passe pode ser obtido de três maneiras: vacinação com as duas doses, um teste PCR com menos de 72 horas ou um teste de antígeno de menos de 48 horas. Nota do tradutor]. Será que algum dia sairemos do rastreamento digital? Mais profundamente, em nível antropológico, há muito tempo instilamos coisas perturbadoras. Agora acredita-se que as pessoas se matam, e não dão a vida. Nossa civilização tecnológica está inconscientemente fazendo um retorno ao sagrado pagão, que era baseado no medo de contaminar ou de ser contaminado. É um paganismo ateísta.
Jesus ia ao encontro dos leprosos. Jesus oferece um sagrado ofensivo, que entra em contato com o outro para purificá-lo, para abençoá-lo em vez de ter medo de ser contaminado.
Outra grande mudança antropológica: antes, o homem era mortal, agora pode ser assassinado. Na verdade, agora estima-se que, se um homem de 92 anos morrer de Covid, a principal causa dessa morte será a epidemia. No entanto, como sabemos, a principal causa é a sua velhice. Portanto, presume-se que o homem seja imortal. Ou melhor, foi “desmortalizado”, privado de sua própria finitude. Se morreu, não foi de velhice, dando o lugar às gerações futuras, mas porque alguém, provavelmente desta geração, transmitiu-lhe o vírus, de forma descuidada. Isso promete dias felizes...
Algumas medidas claramente salvam vidas. Mas também nos fazem perder o humano, porque tornam o homem “invisível e intocável”, como vocês escrevem. O que deveria ter sido feito?
Nosso discurso em nosso livro é sobre o reequilíbrio. Parecia que avançávamos com um olho só: a saúde era uma prioridade, custasse o que custasse, mesmo à revelia da relação humana. Coisa notável: avançando assim, caolho, nem mesmo atingimos esse objetivo! Fala-se de uma epidemia de suicídios entre os adolescentes. Ao meu redor, ouço amigos, alunos e colegas reclamando de um enorme sofrimento humano.
Para ver bem, para ver em profundidade, é preciso abrir os dois olhos, o da saúde e o do sentido da vida. Ou, dito de outra forma: o da expectativa de vida e o da esperança na vida. Lembro-me de um cirurgião que dizia: “Eu coloquei a máscara no trabalho. Mas se você esconder todo mundo, vou perder até o sentido do que faço quando salvo vidas”. O homem não vive só de pão, e só tem saúde se tiver uma visão holística.
Pensemos seriamente nas feridas causadas pela privação de visitas de pessoas que se encontram nos lares para idosos, pelo luto que não terá lugar porque alguém foi privado de ver um morto pela última vez. E realmente temos que forçar uma mulher a dar à luz com uma máscara, para abraçar a vida enquanto se protege? Aí, penso que o humano foi negligenciado de maneira culpável.
Claro, temos que ser prudentes. Claro, a maternidade não deve se tornar um foco de contágio. Mas durante as guerras, vemos soldados arriscando suas vidas para resgatar os corpos, para não deixar os mortos sem enterros. Nós, porém, decidimos não arriscar mais nada. A humanidade se apega a poucas coisas, como enterrar dignamente os mortos...
Ainda há esperança?
Estamos nos encaminhando diretamente para os “passes sanitários” e os cartões de identificação digital. Se retirarmos a máscara na rua apenas para ter reconhecimento facial, isso significa que o rosto não é mais do que um conjunto de dados. Portanto, não é mais um rosto. A essência da crise – em grego, crise significa decidir – é nos colocar diante de uma alternativa. Quero que trabalhemos agora para criar um país onde as pessoas queiram ter filhos. Um país onde realmente cuidamos dessa coisa invisível chamada relação humana e cujo símbolo visível é o rosto.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Fim da máscara: “O rosto descoberto expressa os princípios sobre os quais se baseia a nossa civilização”. Entrevista com Martin Steffens - Instituto Humanitas Unisinos - IHU