17 Junho 2021
"O Japão está indicando o caminho de manter a economia funcionando com menos pessoas trabalhando por unidade de produto, ao mesmo tempo que reduz a Pegada Ecológica total e aumenta a biocapacidade do país. Portanto, o desafio do país do sol nascente é aumentar a produtividade da economia e a saúde dos ecossistemas, elevando o bem-estar humano e ambiental", escreve José Eustáquio Diniz Alves, demógrafo e pesquisador em meio ambiente, em artigo publicado por EcoDebate, 14-06-2021.
O Japão está indicando o caminho de manter a economia funcionando com menos pessoas trabalhando por unidade de produto, ao mesmo tempo que reduz a Pegada Ecológica total e aumenta a biocapacidade do país.
O Japão é um exemplo de decrescimento populacional com aumento do bem-estar. O país tinha uma população de 82,8 milhões de habitantes em 1950, representando 3,3% da população mundial. O país do sol nascente era a 5ª nação mais populosa do mundo, atrás apenas da China, Índia, EUA e Rússia. Mas a fecundidade japonesa começou a cair logo depois da Segunda Guerra e, consequentemente, o ritmo de crescimento populacional foi desacelerando até atingir o pico em 2009, com 128,6 milhões de habitantes (representando 1,9% da população global).
A partir de 2010 o Japão passou a registrar decrescimento populacional, tendência que deve marcar o restante do século. Como mostra o gráfico abaixo, da Divisão de População da ONU (revisão 2019), o Japão deve chegar em 2100 com 75 milhões de habitantes, representando apenas 0,7% da população mundial.
Foto: Reprodução EcoDebate
Estas projeções foram feitas em 2019 e as próximas projeções da ONU serão divulgadas em 2022. Mas os dados preliminares para 2020 mostram que o Japão teve redução recorde no número de nascimentos em 2020. Nasceram 840.832 bebês em 2020, uma redução de 2,8% em relação a 2019 e o menor número desde 1899, segundo o Ministro da Saúde do país. Segundo as autoridades, esses números são o reflexo da pandemia da covid-19, já que os casais adiaram os casamentos e a formação de novas famílias. Os registros de casamento no Japão caíram 12,3% no ano passado, chegando a 525.490, menor número desde o pós-guerra. A taxa de fertilidade diminuiu para 1,34 filhos por mulher, bem abaixo do nível de reposição para manter a população estável.
A população japonesa tem a estrutura etária mais envelhecida do mundo e as pirâmides populacionais abaixo mostram que o país tinha uma pirâmide com a base larga em 1950, passou a ter uma pirâmide mais larga no meio e deve chegar ao final do século com uma pirâmide (quase um retângulo) muito envelhecida e com uma base muito estreita.
Foto: Reprodução EcoDebate
É claro que nestas condições é esperado que o governo japonês busque incentivar o aumento dos casamentos e o aumento do número de filhos. Contudo, não é esperado uma recuperação expressiva da taxa de fecundidade. Mesmo que a fecundidade suba, o mais provável é que o número médio de filhos permaneça abaixo do nível de reposição. Como o Japão é um país que não apoia uma imigração em massa, a tendência de decrescimento populacional deve ser uma constante ao longo do atual século.
Evidentemente, existe um desafio em relação à força de trabalho e ao envelhecimento. O gráfico abaixo mostra que a População em Idade Ativa (PIA), de 15 a 64 anos, já vem caindo desde um máximo de 88 milhões de pessoas em 1995, para 74,8 milhões em 2020. A Razão de Dependência (RD) total chegou ao valor mais baixo em 1990 e deve ultrapassar 100% até meados do século (significando mais pessoas em idades dependentes do que em idade ativa). O Japão já passou pelo 1º bônus demográfico e aproveitou bem a janela de oportunidade, pois deixou de ser um país pobre e destroçado pela guerra, para ser um país de alto padrão de vida e com uma economia produtiva e avançada tecnologicamente.
Foto: Reprodução EcoDebate
Portanto, a realidade japonesa, antes mesmo da pandemia da covid-19, era de decrescimento da população total, da PIA e um elevadíssimo envelhecimento populacional. Mesmo com políticas pronatalistas é pouco provável que a taxa de fecundidade volte ao nível de reposição. Assim, o desafio para as próximas décadas é aproveitar o 2º bônus demográfico, que ocorre quando a produtividade da força de trabalho passa a ser o componente mais importante para o progresso do país, ao contrário do momento em que o crescimento absoluto da força de trabalho era o principal componente da melhoria da renda per capita.
O gráfico abaixo, com base nos dados do FMI, mostra que o Japão mantém taxas de poupança e investimento bem superiores às do Brasil, mesmo tendo uma renda per capita (em termos constantes em paridade de poder de compra – ppp) cerca de 3 vezes maior. Isto significa que o Japão aproveitou o 1º bônus demográfico e está aproveitando, também, o 2º bônus demográfico, enquanto o Brasil parece preso na armadilha da renda média.
Foto: Reprodução EcoDebate
Portanto, o decrescimento da população não tem sido um empecilho para os japoneses manterem uma renda per capita elevada e um alto Índice de Desenvolvimento Humano (O Japão tinha um IDH, em 2019, de 0,919 contra um IDH do Brasil de 0,765). Tudo indica que nas próximas 8 décadas o Japão vai passar por uma grande redução do volume de população, mas mantendo um alto padrão de vida.
O Japão aproveitou o 1º bônus demográfico (quando a estrutura etária era favorável), tem aproveitado o 2º bônus demográfico na medida que mantém altas taxas de poupança e investimento que garantem um elevado nível de produtividade. Agora o Japão se prepara para aproveitar o 3º bônus demográfico, como mostra Ogawa et. al. (2021) no paper “Population Aging and the Three Demographic Dividends in Asia”. O gráfico abaixo mostra que existe um potencial para a inserção da população idosa no mercado de trabalho que tem o efeito de contrabalançar a diminuição da PIA. Portanto, o processo de envelhecimento não implica necessariamente em cair na armadilha da renda média como no Brasil atual.
Foto: Reprodução EcoDebate
O Japão tinha uma densidade demográfica de 227 habitantes por km2 em 1950 e passou para 353 hab/km2 em 2009. Com o decrescimento populacional a estimativa é que a densidade caia para 206 hab/km2 em 2100. Mesmo chegando a uma densidade inferior ao valor de 1950, o Japão ainda terá mais habitantes por quilômetro quadro do que o Brasil (22 hab/km2 em 2100) e muito mais do que Rússia, Canadá e Austrália, países com menos de 10 hab/km2.
Certamente, essa menor pressão demográfica vai contribuir para reduzir o impacto econômico sobre a natureza e para a restauração e regeneração do meio ambiente. O Japão tem sido um exemplo de país super envelhecido, com baixa taxa de fecundidade e que consegue garantir qualidade de vida para a população humana e até realizar as Olimpíadas de 2021 num quadro de pandemia.
Indubitavelmente, o Japão está indicando o caminho de manter a economia funcionando com menos pessoas trabalhando por unidade de produto, ao mesmo tempo que reduz a Pegada Ecológica total e aumenta a biocapacidade do país. Portanto, o desafio do país do sol nascente é aumentar a produtividade da economia e a saúde dos ecossistemas, elevando o bem-estar humano e ambiental.
ALVES, JED. Bônus demográfico no Brasil: do nascimento tardio à morte precoce pela Covid-19, R. bras. Est. Pop., v.37, 1-18, e0120, 2020. Disponível aqui.
Naohiro Ogawa, Norma Mansor, Sang-Hyop Lee, Michael R.M. Abrigo, and Tahir Aris. Population Aging and the Three Demographic Dividends in Asia. Asian Development Review, vol. 38, no. 1, pp. 32–67, 2021. Disponível aqui.
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Pandemia, decrescimento demográfico e 3º bônus demográfico no Japão. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU