04 Mai 2021
Jacques Attali é um homem do renascimento moderno. Pensador, escritor e conselheiro, é requerido por Chefes de Estado e lido por milhões. Previu a pandemia já em 1999. No ano passado, em Paris, publicou o livro La economía de la vida. Prepararse para lo que viene, que acaba de ser publicado em espanhol. Da França, conversou a respeito da crise atual, o cenário mundial que se aproxima e sua proposta para o que define como uma “economia da vida”.
A entrevista é de Mariano Turzi, publicada por Clarín, 01-05-2021. A tradução é do Cepat.
Você avaliou que ainda não compreendemos a profundidade da crise da Covid. Como foi a reação global da humanidade?
Surpreendeu-me o fato de que a humanidade compreendeu, com muita rapidez, que estávamos lidando com um evento global e não local. Compreendemos imediatamente que um problema em um lugar é um problema em todas as partes e que fechar as fronteiras não ajudaria.
O que mais me surpreendeu foi que quase da noite para o dia mais de 2,5 bilhões de pessoas foram trabalhar de forma remota. Isto mostra que a humanidade, sob pressão, pode mudar muito rapidamente. Mas o que mais me preocupa é o fato de que a humanidade ainda não compreendeu que a crise que se aproxima será muito, muito profunda em termos de recessão, desemprego e miséria.
Quem são os mais prejudicados por esta crise?
Além daqueles que são mais vulneráveis ao vírus, economicamente, os trabalhadores e os jovens são os mais prejudicados. Pense nos países que estão perdendo dias e dias de escola. E não podemos confiar nos meios digitais como alternativa, já que muitos não têm acesso a eles. Os jovens em idade escolar estão perdendo muito mais do que todos.
Haverá impactos políticos internos nos países?
A cegueira dos líderes e sua tendência em demorar a tomar decisões e agir me faz questionar se o impacto desta pandemia mudou algo em suas ideias e práticas. É por isso que ainda não pudemos abraçar um verdadeiro plano global.
Os países em todo o mundo injetaram tanto dinheiro no mercado, através de seus bancos centrais, que estão “ocultando” a realidade da crise. Isto está permitindo “disfarçá-la” para adiar suas consequências e fazer pensar que haverá uma solução fácil. Mas isso não está certo.
Devemos aprender a lição profunda da pandemia: reduzir drasticamente todas as atividades econômicas que aumentam a probabilidade de desastres naturais e a mudança climática, como combustíveis fósseis e sistemas de transporte que os utilizam, plásticos, produtos químicos e indústrias têxteis.
Você vê surgir um choque de modelos entre Washington e Pequim por causa da pandemia?
O “modelo chinês” não existe. Os chineses estão engolindo o mundo ocidental. E querem ser ocidentais. As pessoas de classe média, inclusive os líderes, querem consumir como seus pares ocidentais. A China está buscando desenvolver uma economia de mercado totalitária, e todas as lições da história demonstram que isso não funciona.
A economia de mercado precisa da democracia para sobreviver porque o mercado provê informação, inovação e transparência. A longo prazo, os chineses terão que escolher entre a democracia ou a economia de mercado.
Para a Europa e os Estados Unidos, a situação exige atuar com a mentalidade do que denominei “economia de guerra”: um papel ativo do Estado para coordenar as respostas à crise. Mas após as ondas liberais, os Estados não possuem as respostas para impor pautas ao setor privado. E os governantes têm visões ideológicas ou vontades políticas muito contrárias.
Agora que mencionou os modelos econômicos, como é a sua “economia da vida”, no contexto do capitalismo global?
A economia da vida significa priorizar uma economia sustentável. E para isso devemos compreender que nem todos os setores são iguais. O tabaco, o petróleo e inclusive o açúcar são veneno e, portanto, temos que desenvolver uma economia para nos desfazer de todos os setores relacionados a isso.
Hoje, fabricamos muito plástico, muitos produtos químicos, muito óleo, muitos automóveis. Acredito que muitas pessoas finalmente compreendem que a “economia da vida” não somente é boa para a sua saúde, mas também para evitar o desastre climático.
A economia da vida se concentra nos setores mais importantes para o futuro da humanidade: saúde, educação, higiene, alimentação, agricultura ecológica, cultura digital. Sou otimista de que cada vez mais pessoas compreenderão que devemos nos concentrar nisto: exigiremos mais saúde e educação.
São maioria?
Não. Mas estão aumentando. Os setores fora da economia da vida estão bem protegidos politicamente, enraizados nas estruturas dominantes. Não existe uma coalizão contra e estaria longe de ser suficiente. Não podemos circunscrevê-la somente a acadêmicos ou organizações internacionais.
O que diria a um país como a Argentina, para que rume a uma economia da vida?
Implementar a agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável é um começo. Mas se quer ter uma visão transformadora, deve envolver a sociedade toda. Todos os diferentes líderes: empresariais, sindicais e do terceiro setor.
Nasceu em Argel, em 1943. É economista, advogado e engenheiro formado pela Escola Politécnica e a Escola Nacional de Administração da França. Foi presidente do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento e fundador da ONG Ação contra a fome.
Foi assessor do presidente François Mitterand e dirigiu a Comissão Attali, do presidente Nicolás Sarkozy, e a Comissão para a economia positiva do presidente François Hollande, para o desenvolvimento econômico.
É um dos 100 “pensadores globais” reconhecidos pela Foreign Policy. Escreveu mais de 80 livros, o mais recente deles é La economía de la vida. Prepararse para lo que viene (Libros del Zorzal).
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“A crise que se aproxima será muito profunda em termos de recessão, desemprego e miséria”. Entrevista com Jacques Attali - Instituto Humanitas Unisinos - IHU