29 Janeiro 2021
Antonio Turiel é doutor em Física Teórica, especialista em oceanografia e pesquisador do Conselho Superior de Investigações Científicas – CSIC [Espanha]. Talvez por isso, surpreende que suas conclusões sobre a crise energética sejam mais políticas do que técnicas. Fora da academia, suas análises incisivas sobre o presente e o futuro da energia tornaram o seu blog The Oil Crash uma referência.
Em seu novo livro, Petrocalipsis, crisis energética global y cómo (no) la vamos a solucionar (Alfabeto, 2020), organiza suas ideias para desmontar, uma a uma, as soluções tecnológicas que prometem nos salvar do abismo pós-petróleo. O diagnóstico é duro para um leitor iniciante na matéria, mas Turiel defende que suas teses não são nem extremas, nem radicais: “Estão se tornando uma visão bastante mainstream dentro da comunidade científica. No final das contas, são problemas bem visíveis nos gráficos”.
A entrevista é de Antonio Turiel, publicada por La Marea, 28-01-2021. A tradução é do Cepat.
Há anos que sabemos que o petróleo está acabando. Por que continua se continua falando disso?
Porque não se fez nada. [Sorri]. No discurso político dominante, fala-se em utilizar as energias renováveis para lutar contra a mudança climática. Isto está correto, mas a situação é mais complicada do que parece. Além da mudança climática, existe o grande problema do esgotamento de recursos. E este assunto está completamente fora do radar: é tabu.
Estamos diante de uma escassez importante de petróleo que virá de maneira repentina. Estamos fazendo com a queda do petróleo seja excessivamente rápida, porque não o abandonamos antes. Vivemos em uma bolha de tranquilidade e caminhamos para a transição energética, mas em cinco anos a disponibilidade do petróleo pode cair pela metade do que consumimos habitualmente. Isto pode ser catastrófico.
Quando os governos falam em transição energética, traçam um futuro cheio de aerogeradores e de carros elétricos. Parece que é preciso apostar em energia limpa e, assim, continuar crescendo sem prejudicar o planeta. Por que considera que não será assim?
Porque o transporte funciona praticamente só com petróleo. O esquema de globalização atual e o fato de que a China tenha se tornado a fábrica do mundo foi possível só porque havia grandes quantidades de petróleo barato. No momento em que desaparecer o petróleo da equação, o transporte internacional sofrerá um golpe definitivo. E, se você reduz drasticamente o transporte internacional, coloca o sistema econômico em xeque. Esta é a razão fundamental, mas também há outros elementos, por exemplo, a maquinaria pesada, como os tratores, precisam de petróleo, e nisto se coloca em jogo o sistema agroindustrial.
Mas poderiam inventar o avião, o barco ou o trator elétrico. Não há um remédio tecnológico que possa fazer parte da solução?
Se você pensa no transporte de mercadorias, encontrará soluções técnicas. Se pensa na maquinaria agrícola, também. Por exemplo, sim, há barcos que funcionam sem petróleo: trata-se dos grandes veleiros, com os quais é possível transportar mercadorias de maneira bastante rápida. O que nunca será encontrada é a solução mágica para manter tudo isto na escala atual, nem em um modelo de crescimento infinito como o atual. Poderemos encontrar muitas soluções concretas para problemas concretos, mas tentar manter sem petróleo um sistema econômico com a escala e o volume atual é um absurdo.
Mas por que o petróleo é tão insubstituível? Por que não encontraremos uma fonte de energia que nos permita fazer as mesmas coisas?
A densidade energética dos combustíveis fósseis é gigantesca. A energia de um litro de gasolina equivale ao trabalho físico humano de 83 horas. Não temos nada ao alcance que possa ser comparado em termos de densidade energética, facilidade de transporte, facilidade de carga e estabilidade. O petróleo é tremendamente conveniente para mover máquinas autônomas, ou seja, aquelas que não estão conectadas a nada. Não encontramos nada que se assemelhe a ele. E, por fim, já conhecemos muito bem todos os tipos de energia que existem.
Embora não tenha a mesma potência, talvez seja possível superar este inconveniente com mais inovação. Estão sendo criados modelos elétricos de máquinas que hoje em dia funcionam com petróleo.
A eletricidade serve para muitas coisas, mas não para tudo. Os governos costumam se esquecer disso. Nos países desenvolvidos, 80% da energia que utilizamos não é elétrica. A fabricação de aço, por exemplo, não é eletrificável. É um processo fisioquímico para o qual é necessário carvão. No caso do cimento, a situação é parecida. E estes são apenas dois exemplos de materiais absolutamente necessários para a construção.
Depois, há outras coisas que são eletrificáveis, mas cuja eletrificação não faz muito sentido: para fazer um caminhão elétrico que ande a 80km/hora com um mínimo de autonomia, seria necessária uma bateria que ocuparia mais da metade do caminhão. Seria possível conectá-lo à rede elétrica para não ter que recorrer a estas superbaterias, mas isto já existe: é o trem.
O que você me diz dos carros elétricos? Já foram lançados no mercado dezenas de modelos elétricos ou híbridos, todas as grandes marcas têm e cada vez surgem mais...
Vende-se muito a ideia de que todo mundo que possui um carro, agora, poderá ter um carro elétrico amanhã. No entanto, há fatores que fazem pensar que isto não acontecerá e que só uma pequena minoria terá ao seu alcance um carro assim. É ilusório pensar que poderemos eletrificar o parque automobilístico. Há muitas limitações na infraestrutura necessária, na carga e nos materiais das baterias. Dos 80 milhões de carros que foram fabricados no mundo, durante 2019, só 2,6% foram elétricos ou híbridos. E, destes, só um terço é puramente elétrico. Está muito longe de ser uma realidade generalizada.
Mas, se prestarmos atenção na prioridade que as marcas estão dando em sua publicidade ou os auxílios como o plano MOVES do Governo espanhol, parece que a aposta está em que se avance.
O carro elétrico não é um produto ruim. As automobilísticas acreditam neles de verdade. Mas é um produto dirigido a pessoas ricas, um produto de luxo. O ideal seria que o veículo elétrico se impusesse, mas a essa altura, as limitações para poder implementá-lo estão muito interiorizadas.
De fato, um dos cenários de futuro trabalhado pelas empresas automobilísticas é o de uma contração de 95% do mercado, nos próximos 10 a 20 anos. Esse é o cenário de referência. E estão se preparando. Quase não fabricam mais a diesel, falam cada vez mais do carsharing e tendem à concentração empresarial, porque não resta mercado. No entanto, este diagnóstico não é público, porque precisam vender otimismo. Caso contrário, suas ações na bolsa despencam.
Seja como for, o caso é que neste momento temos outras necessidades. Como substituiremos caminhões, tratores e barcos? Com eletricidade não funcionarão. O debate público está se centrando no acessório - os carros de uso pessoal -, mas não se fala do fundamental para o funcionamento da sociedade, como a maquinaria pesada. E é sobre isto que se deveria falar.
Quais são os problemas da energia eólica? Não poderia ser ‘o novo petróleo’?
Para começar, existe o problema que comentávamos antes. [Da energia eólica] você só vai conseguir eletricidade. Outra coisa é o potencial. Eu mesmo havia realizado algumas previsões otimistas sobre o máximo de energia que poderíamos chegar a gerar, mas as novas aproximações destacam que, se você instala muitos sistemas, ocorre o efeito floresta.
Quando você está dentro de uma floresta, há menos vento, porque é mais fácil ele passar por lugares com menos árvores. Se você instala muitos sistemas de aerogeradores em pouco espaço, acontece a mesma coisa: acaba desviando os fluxos de ar da atmosfera e não consegue extrair toda a energia que esperava.
Segundo os cálculos do Grupo de Energia, Economia e Dinâmica de Sistemas da Universidade de Valladolid (GEEDS), uma referência neste campo, o máximo que podemos atingir é aproximadamente 6% do total da energia que se consome atualmente.
A energia solar conta com perspectivas melhores?
Do ponto de vista do potencial máximo, as possibilidades são maiores do que na eólica: até 20% ou 25% da energia que consumimos. O principal inconveniente da energia solar é que tem um rendimento especialmente baixo. Isto significa que se você compara a quantidade de energia que é necessária para efetivá-la com a energia que devolve, o balanço não resulta muito satisfatório. Estamos em um rendimento de 2 a 1, ou de 3 a 1. Pode parecer que é muito, mas não.
Calcula-se que para sustentar sociedades complexas – com indústria, escolas e hospitais -, é preciso um rendimento de, ao menos, 10 a 1. Se você consome muita energia só para sustentar o próprio sistema energético, ao final, não há energia suficiente para o restante das coisas. A solução não está em instalar mais sistemas para captar mais energia, porque, então, existem outras limitações que impedem o crescimento, como os materiais disponíveis ou a ocupação de território. Neste caso, falo, sobretudo, da escassez de prata.
Então, não é preciso construir mais parques eólicos ou de energia solar?
A pergunta é para quê. Na Espanha, nesse momento, temos 110 GW de potência elétrica instalada, muito mais do que usamos. O máximo de consumo de eletricidade foi de 45 GW, em julho de 2008, e desde então foi caindo. Caso se instalemos mais parques eólicos e solares, aumentaremos a capacidade de produzir energia elétrica, mas se não consumimos mais eletricidade, para que serve?
Este é o ponto central do debate: está se fazendo acreditar que a questão gira entorno da instalação de mais sistemas de energias renováveis, mas o fato é que nós precisamos de fontes de energia que não são elétricas. A eletricidade representa pouco mais de 20% da energia final que consumimos, mas o restante [de energia que consumimos] não é elétrica, e é muito difícil ou impossível eletrificar. Para que queremos mais eletricidade?
Como seria possível utilizar as energias renováveis, para além do uso na geração de eletricidade?
Por exemplo, em uma comunidade, faz mais sentido produzir água quente no telhado do que colocar uma placa fotovoltaica. O rendimento energético é muito mais alto e a tecnologia muito mais simples: um painel preto que absorva o sol e aqueça uma cisterna de água. Você produz algo que precisa – água quente – e, certamente, deixa de consumir gás natural.
No campo industrial, é possível realizar ações semelhantes para aproveitar energia. Mas são modelos que vivem com a intermitência do ciclo da natureza, não estão adaptados ao crescimento constante do consumo de energia que caracteriza o nosso sistema econômico.
No livro, você também fala sobre a economia e a eficiência energética. Durante a vida toda, escutamos que quando saímos de um quarto, precisamos apagar a luz para economizar energia. Isto também não está correto?
Falar em economia e eficiência não é um enfoque errado. No futuro, necessariamente, a solução passará por aí. Mas não é possível economizar no modelo atual! Nesse momento, quando você economiza, a energia que você deixou de gastar, outro gasta. Como sociedade, consumimos energia sem o objetivo de desperdiçá-la. Nós a desperdiçamos porque gastar gera valor econômico.
Foi comprovado que na medida em que são criados sistemas mais eficientes, o consumo não diminui, mas aumenta, de modo que se gera um efeito rebote e se acaba gastando mais. Isto acontece porque são habilitados novos usos para a energia, quando o sistema era menos eficiente, não eram possíveis.
Este fato vem sendo comprovado desde o século XIX e se chama Paradoxo de Jevons. Algo muito diferente é que você estabeleça medidas de economia e eficiência e que, ao mesmo tempo, legisle para penalizar o hiperconsumo de energia. Então, sim, se torna útil a economia. Mas em um mercado de crescimento infinito, baseado no capitalismo financeiro, não serve para nada ganhar eficiência.
Então, para onde devemos nos dirigir? Além de decrescer, há alguma receita mais concreta?
Uma das coisas mais importantes para começar é o cancelamento da dívida e uma reforma do sistema financeiro. As dívidas atuais são impagáveis e conduzem a este crescimento absurdo. Além disso, seria necessário se inclinar à relocalização. Temos que tentar alcançar as necessidades da população com uma produção o mais local possível. E do ponto de vista técnico, também há muitíssimas coisas que podem servir, como uma mudança de desenhos para favorecer o conserto de objetos.
E caso acompanhemos isso com uma mudança dos modelos de uso, melhor. Talvez não seja necessário que haja uma máquina de lavar em cada casa. Seria suficiente duas ou três para toda uma quadra. Os objetos podem ter muito mais usuários porque não os utilizamos o tempo todo. Assim gastaríamos menos recursos. Indo além, e se em vez de comprar máquinas de lavar, alugássemos o direito de utilizar uma? O fabricante logo se encarregaria de colocar fim à obsolescência programada, porque não lhe conviria. Com mudanças assim, poderíamos ser mais resilientes ao que está por vir.
O Estado espanhol acaba de investir muito dinheiro em hidrogênio. Pode fazer parte da solução?
O hidrogênio não é uma fonte de energia. É possível ser utilizado como vetor energético, como lugar para armazenar energia. Sim, pode ser uma parte da solução, mas serve para coisas muito específicas, como mover maquinário pesado localmente. O grande problema do hidrogênio é que não é fácil de ser manipulado, nem de ser transportado. Possui a tendência de escapar porque é uma molécula muito pequena. Além disso, corrói tubos convencionais.
Portanto, é preciso ser armazenado com muita precaução. Também não tem um grande rendimento. Pensar que com o hidrogênio podemos substituir tudo é uma utopia. Não tem as características para que possa ter um uso massivo. Temos que evitar cair na armadilha das falsas promessas tecnológicas.
Se levamos em conta o Governo francês, quem nos salvará são os reatores das centrais nucleares!
As centrais nucleares apresentam muitos problemas do ponto de vista ambiental, como a gestão dos resíduos. Mas, além disto, que não se pode ignorar, existe o inconveniente de que o urânio também acabará. A produção de urânio chegou ao máximo em 2016 e já está caindo. Prevê-se um desequilíbrio importante entre a demanda e a oferta disponível de urânio até 2025. Até agora, é imperceptível porque está sendo reaproveitado o urânio de bombas atômicas que estão se desarmando, mas a França já tem 40% das centrais nucleares paradas e, como consequência, problemas para obter urânio.
Por outro lado, estão as eternas promessas dos reatores nucleares de quarta geração, que não precisariam de urânio, e a promessa da fusão nuclear. A questão é que estão há mais de 60 anos experimentando e ainda não encontraram a fórmula. Estão vendendo a ideia como se estivesse próxima, quando ainda está em uma fase muito experimental e com dificuldades técnicas que talvez não serão superadas. Uma brincadeira muito típica no setor de energia é que sempre restam 50 anos para alcançar a fusão nuclear. Mesmo que as dificuldades sejam superadas, não temos margem de 50 anos para reagir diante da crise energética: [encontrar uma solução] é muito mais urgente. E voltamos à questão de antes: isto só produziria eletricidade!
Quando considera que começaremos a notar a crise energética?
Esperava ver isso quando fosse velho, mas não acredito que seja assim. [Ri]. Com a pandemia tudo se acelerou muito. Acredito que os problemas densos chegarão antes de 2025. O último relatório da Agência Internacional de Energia também aponta nesta direção em um dos quatro cenários de futuro. Prevê-se uma queda de 50% da produção de petróleo, em menos de cinco anos. Pode ser que os estados intervenham com medidas de racionamento ou que nacionalizem empresas para continuar produzindo petróleo. Neste caso, a queda seria menor, mas mesmo assim, muito considerável.
É preciso levar em consideração que, durante a crise de 2008, o consumo de petróleo só caiu 4%. Daqui até 2025, enfrentaremos uma crise econômica que fará com que a de 2008 pareça uma brincadeira. Muitas matérias-primas são extraídas com petróleo, tudo se transporta com caminhões que funcionam com petróleo. Quando começar a diminuir, tudo se verá afetado. Por exemplo, em cidades, como Barcelona, o que acontecerá com a distribuição de alimentos? Eu não esperava esta aceleração. O que, sim, parece claro, é que se existe um problema que não se revolve, ao final, tudo ganha uma dimensão maior. A produção de petróleo cru atingiu o seu pico em 2005. Olhamos para outra direção durante 15 anos. Fizemos remendos, mas não resolvemos nada.
Não há lugar para o otimismo?
Acredito que há cenários melhores que este, sim. Não se trata de insistir em como as coisas podem caminhar tão mal. Para mim, a questão é fazer compreender que estamos em um ponto de inflexão e que precisamos buscar uma saída o máximo negociada e democrática possível. É complicado, porque as empresas têm sua própria agenda e dependemos muito delas para fornecer serviços básicos. Se de repente Iberdrola ou Repsol desaparecem, podemos ter um grande problema. É preciso saber geri-lo para não chegar ao desastre.
Mas se tudo é tão iminente, por que os poderes políticos e econômicos não reagem de maneira diferente?
Pouco a pouco, este discurso vai penetrando, mas ninguém está sabendo integrá-lo dentro do discurso político geral. Entendo que é complicado, porque é preciso muita pedagogia. No entanto, consta-me que há pessoas próximas aos governos que estão acompanhando com muita atenção e estão pressionando na boa direção. No Ministério de Transição Ecológica há pessoas que compreendem muito bem qual é a situação.
Por fim, possuem dados tão bons como os nossos, ou até mesmo melhores! O problema é a dificuldade em lutar contra as pessoas da Economia e da Fazenda. Os poderes econômicos, no entanto, não estão à altura dos problemas que estamos vendo. As pessoas que tomam decisões estratégicas – e que envolvem muito dinheiro! – possuem todas as informações e meios para agir, mas têm medo. Estão agindo de modo muito infantil.
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“Temos que evitar cair na armadilha das falsas promessas tecnológicas”. Entrevista com Antonio Turiel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU