07 Janeiro 2021
"Dada a configuração plural de nossas sociedades atuais, toda celebração deve procurar 'dirigir-se efetivamente ao maior número possível de pessoas' em sua situação concreta de vida e com suas convicções fundamentais, religiosas ou não, no que diz respeito ao sentido a lhe ser dado. Certamente não é uma tarefa fácil, que exige atenção e sensibilidade – mesmo na organização de detalhes aparentemente formais da celebração pública (quem preside? como dar representação aos familiares e amigos das vítimas? como orquestrar a coparticipação de diferentes religiões? e assim por diante)", escreve o teólogo e padre taliano Marcello Neri, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, ao comentar o Subsídio para as celebrações litúrgicas, ecumênicas e inter-religiosas publicado pela Conferência Episcopal da Alemanha, em artigo publicado por Settimana News, 06-01-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
A Conferência Episcopal alemã publicou recentemente um Subsídio para as celebrações litúrgicas, ecumênicas e inter-religiosas, após eventos catastróficos para a sociedade. Um texto conciso e bem feito, que se estrutura em torno das perguntas que uma comunidade deve responder para a organização das liturgias vinculadas a eventos que causaram um luto público: lugares, formas, símbolos, músicas, gestos, textos e palavras que podem acompanhar as pessoas e uma comunidade civil diante do drama de uma catástrofe (natural ou não), a fim de oferecer um ponto de apoio em vista de uma elaboração partilhada do luto.
Foto: Reprodução Settimana News
Diante de catástrofes naturais, atos de terrorismo ou violência, igrejas e religiões são frequentemente consultadas pelas autoridades civis para se encarregarem da parte ritual de lembrança, comemoração, celebração, do que aconteceu e, sobretudo, das pessoas que foram vítimas do evento.
Dada a configuração plural de nossas sociedades atuais, toda celebração deve procurar "dirigir-se efetivamente ao maior número possível de pessoas" em sua situação concreta de vida e com suas convicções fundamentais, religiosas ou não, no que diz respeito ao sentido a lhe ser dado. Certamente não é uma tarefa fácil, que exige atenção e sensibilidade - mesmo na organização de detalhes aparentemente formais da celebração pública (quem preside? como dar representação aos familiares e amigos das vítimas? como orquestrar a coparticipação de diferentes religiões? e assim por diante).
O Subsídio parte da consciência do próprio limite necessário, que é respeitar que toda "celebração do luto exige preparação e execução específicas, de forma a corresponder ao evento" que marcou a vivência de uma comunidade civil e de uma sociedade. É este ponto nevrálgico que organiza o texto sob a forma de perguntas destinadas a verificar a devida sensibilidade humana, social e religiosa que deve distinguir as celebrações desse tipo.
Cada pequeno detalhe deve ser levado em devida consideração: o tempo decorrido entre o evento catastrófico e a celebração, as condições dos sobreviventes e familiares (estado de espírito e condição física dos socorristas), o estado de progresso no esclarecimento das causas do evento, o lugar e a forma como o luto público é celebrado.
A celebração terá, portanto, que encenar uma dramaturgia adequada, capaz de reunir os sentimentos das pessoas diretamente envolvidas e da sociedade que participa do luto causado pelo ocorrido - atentando para as formas midiáticas de participação e envolvimento da mídia na própria celebração.
Em qualquer caso, cada escolha deve ser de forma a "proteger" as pessoas mais diretamente envolvidas: dos sobreviventes aos familiares das vítimas e socorristas - oferecendo-lhes, ao mesmo tempo, um espaço/tempo simbólico no qual sentir que são acompanhados nesse seu luto muito pessoal por toda uma comunidade que se reúne junto com eles.
O sentido religioso dessas celebrações é "oferecer um espaço ritual de luto e consolação" das pessoas envolvidas e da comunidade civil em geral - que comporta um extremo rigor em manter sob controle todas as formas de protagonismo confessional durante elas. De fato, em casos como estes, “as comunidades religiosas e as igrejas devem assumir uma atitude de serviço para o apoio ritual de uma comunidade pública plural e multirreligiosa, que passou a se sentir insegura pelo acontecido”.
Trata-se, portanto, de celebrações que devem proteger e, ao mesmo tempo, possibilitar uma partilha real e sincera do luto. Um papel particular, nisso tudo, é atribuído à música e aos símbolos "que, pela sua imediatez e profundidade emocional, têm uma eficácia maior do que as palavras e os textos lidos".
Tratando-se de celebrações confiadas às comunidades religiosas, precisamente pela sua especificidade, devem ter uma forma gestual e textual que permita uma apreciação dos aspectos ligados à fé também por aqueles que não a partilham ou não a conhecem; que, por outro lado, nunca deve ser sentidos como violência ou inadequados pelas pessoas que foram mais diretamente atingidas pelo evento catastrófico.
Para além do contexto imediato para o qual o Subsídio quer oferecer sugestões pastorais e litúrgicas, justamente o de catástrofes inesperadas, ele toca um nó central no sentimento generalizado de nossas sociedades atormentadas pela pandemia da Covid-19: o da celebração compartilhada e pública de luto, da perda, da vida em seus meandros mais dramáticos e desumanos. Lugar de custódia de uma dignidade última da pessoa humana, da qual as religiões e as crenças deveriam assumir um cuidado muito particular.
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Catástrofes, luto, celebração. Artigo de Marcello Neri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU