16 Dezembro 2020
Durante as viagens papais, que na história contemporânea começam com Paulo VI (Terra Santa - 1964), um dos pouquíssimos países não visitados por um Papa é o Iraque. Portanto, se no início de março se realizará a viagem papal conforme anunciado há poucos dias, faltam cerca de 80 dias. E será um acontecimento histórico, pois Francisco carrega consigo e no seu magistério a memória dos seus antecessores tão esperados, mas impossibilitados de ir.
A reportagem é de Maria Grazia Moretti, publicada por Il sismografo, 15-12-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Vinte anos atrás João Paulo II tentou, na perspectiva do grande Jubileu de 2000, mas no final a resposta negativa de Saddam Hussein - em severo conflito com os Estados Unidos e o Ocidente em geral - fechou definitivamente as portas para a realização da visita e o Papa Wojtyla teve que aceitar fazer uma "peregrinação ideal" à Ur dos Caldeus, a terra de Abraão, pai do monoteísmo, a quem dedicou a Catequese da Audiência Geral de 16 de fevereiro de 2000 (Catequese - Nos passos de Abraão) e a homilia de 23 de fevereiro de 2000 (Abraão, Pai de todos os crentes).
No caso do Papa Bento XVI, os acontecimentos, após a prisão, processo e execução de Saddam Hussein (2003-2008), levaram aos anos de terror do ISIS (Daesh) que controlava militarmente um grande território do Iraque e da Síria, bloqueando qualquer possibilidade de peregrinação pontifícia, e a questão foi definitivamente retirada da agenda internacional. O fim do ISIS, em particular sua derrota militar e o pontificado de Jorge Mario Bergoglio contribuíram, juntamente com outros eventos internacionais, para repropor a possibilidade da peregrinação do Pontífice.
Agora sabemos que o Papa Francisco visitará o Iraque de 5 a 8 de março de 2021. O anúncio foi feito pelo diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Matteo Bruni, no dia 7 de dezembro passado. Enquanto se aguarda a publicação do programa detalhado, já se sabe que Francisco visitará Bagdá, a planície de Ur, a cidade de Erbil, bem como Mossul e Qaraqosh na planície de Nínive.
Um dos temas de que fala a imprensa iraquiana é o possível encontro entre o Papa Francisco e o grande aiatolá Al-Sistani, encontro almejado por numerosos intelectuais e religiosos iraquianos e considerado por muitos um acontecimento relevante não só para o país, mas também para as relações com o Islã em geral.
Mapa Iraque (Fonte: nationsonline.org)
Sayyed ʿAli Hoseyni Sistāni é o atual Aiatolá maior ou Grande Aiatolá, guia espiritual e político do Iraque, referência para milhões de fiéis xiitas dentro e fora do país e diretor da "Hawza" (NdR: seminário religioso) da cidade de Najaf.
O termo Aiatolá significa "sinais de Alá" ou "sinais de Deus". O Aiatolá é uma figura importante no sistema clerical xiita e este título só pode ser obtido após um número considerável de anos de estudo em uma Hawza, sob a orientação constante de um sábio e somente graças ao consenso dos outros aiatolás, como reconhecimento das suas autoridades como guia espiritual e seu saber.
Apenas alguns dos aiatolás mais importantes são reconhecidos como Grandes Aiatolás, ou seja, como "fonte de emulação". Normalmente, isso acontece quando os seguidores de um aiatolá se referem a ele em muitos casos e depois lhe pedem que publique um texto jurídico-religioso que possa servir de código de conduta para os casos mais comuns na vida de um muçulmano.
Nascido em Mashhad, no Irã, em 4 de agosto de 1930, Al-Sistani foi criado em uma família conhecida por sua importância religiosa. Seu avô foi um grande estudioso xiita, cuja biografia está registrada no livro 'Tabaqaat Al-a'laam Al-Shi`a (Categorias de estudiosos xiitas). Depois de completar a primeira fase de estudos em Mashhad, ele se mudou para o Iraque na cidade de Najaf para continuar seus estudos superiores. Aqui, ele frequentou as aulas de jurisprudência e filosofia e, com o título de Grande Aiatolá, foi-lhe reconhecido o direito de "ijtihād" (ou seja, o direito de proclamar interpretações independentes que serão adotadas por seus respectivos seguidores).
Discípulo do Aiatolá Khou'i, que já em 1960 o havia elevado ao grau de mujtahid - isto é, de autoridade religiosa e legislativa islâmica que sabe e pode expressar interpretações originais da lei islâmica, em vez de aplicar sentenças anteriores já estabelecidas - Al-Sistani assumiu como diretor do seminário religioso de Najaf (Hawza de Najaf).
Na biografia detalhada publicada em seu site oficial é possível até ler uma descrição de sua personalidade com uma lista de suas qualidades morais.
Embora hostil a ingerências do establishment religioso no âmbito político, Al-Sistani desempenhou um papel de destaque nas últimas décadas, uma espécie de deus ex-machina capaz de propiciar mudanças significativas e superar linhas divisórias profundas e sedimentadas. Cada administração governamental formada pela invasão dos Estados Unidos em 2003, que removeu o regime de Saddam Hussein, buscou a bênção e a aprovação de Al-Sistani. Durante os períodos de crise, o Grande Aiatolá apelou consistentemente à unidade nacional, ao compromisso e que os representantes eleitos ouvissem a vontade do povo.
Seu papel foi decisivo em 2014, quando ele chamou todos os xiitas para lutar contra o ISIS, revertendo a situação do conflito na Síria. Em 2019, o primeiro-ministro Adel Abdel Mahdi foi obrigado a renunciar após o pedido de retirada do apoio ao governo pelo líder espiritual Al-Sistani e após a condenação do mesmo pela morte de 420 manifestantes antigovernamentais.
O encontro com Al-Sistani seria o primeiro gesto relevante do Papa com a parte xiita do Islã e não haveria melhor ocasião para abrir uma passagem nessa frente. No passado, o Papa se reuniu com religiosos xiitas iranianos, mas este seria o primeiro encontro com um líder religioso não sunita do mais alto nível e carisma. Não só isso. Trata-se de um líder religioso muito idoso e doente que, no entanto, ainda exerce grande influência moral, espiritual e política, principalmente devido à personalidade de Al-Sistani.
Os iraquianos são oficialmente predominantemente muçulmanos (99% da população). Especificamente, cerca de 62,5% da população é de fé muçulmana xiita e 34,5% é de fé muçulmana sunita.
Além do Irã, onde o islamismo xiita tem maioria absoluta, é predominante no Iraque, no Azerbaijão e no Bahrein; altos porcentuais de xiitas se encontram no Líbano, no Iêmen (zayditas) e no Kuwait.
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Francisco no Iraque de 5 a 8 de março de 2021: o Papa encontrará o líder xiita Al-Sistani? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU