07 Dezembro 2020
Encontro de Turim promovido pela Comunidade de Taizé é adiado por causa da emergência do coronavírus. O prior de Taizé, Ir. Alois, reflete sobre o sentido de fraternidade nesta época difícil e também sobre o compromisso com os migrantes e a ecologia.
A reportagem é de Anna Pozzi, publicada por Mondo e Missione, 04-12-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Devemos perguntar-nos também quanto seja sustentável um equilíbrio baseado no medo, quando de fato ele tende a aumentar o temor e a ameaçar as relações de confiança” (Fratelli tutti, n. 262)
Confiança, amizade e, obviamente, fraternidade. A experiência de Taizé sempre se articulou em torno dessas três palavras, desde que o Ir. Roger chegou há 80 anos a esta colina da Borgonha para iniciar um caminho que continua até hoje. Um caminho que encarna na vivência cotidiana dos irmãos e nas muitas atividades, especialmente com os jovens, todas as nuances que essas três palavras implicam, em termos de enraizamento no Evangelho e de possibilidade de abertura, encontro e diálogo com o outro.
Mas a experiência de Taizé, se por um lado reencontra força e vigor na nova encíclica de Francisco, Fratelli tutti, por outro tem que fazer as contas com a pandemia do coronavírus, que limitou principalmente a possibilidade de ficarmos perto uns dos outros. E assim o encontro europeu, etapa anual da “Peregrinação de Confiança através da Terra”, que devia se realizar até o fim do ano em Turim, foi adiado e, pela primeira vez em 45 anos, será realizado em Taizé, mas com um número muito limitado de pessoas.
Mas muitos jovens de diversos continentes poderão participar dele virtualmente: por meio da internet, poderão acompanhar orações, oficinas e até se organizar em pequenos grupos de partilha. “Durante o confinamento – testemunha o Ir. Alois, prior da comunidade desde a morte do Ir. Roger, há 15 anos – a colina de Taizé foi completamente esvaziada. Nunca imaginaríamos tal coisa! Porque a acolhida dos jovens – e não só – faz parte da nossa vocação. E, de repente, nos encontramos sozinhos.”
Como vocês viveram isso?
Foi duro, mas ao mesmo tempo nos forçou a ir ao essencial da nossa vocação e a fortalecer a vida fraterna entre nós.
Uma forma diferente de viver a fraternidade, então…
Foi como um tempo sabático, mas também de dificuldades materiais, porque vivemos do nosso trabalho, vendendo os nossos produtos em Taizé. Mas não havia mais visitantes, então tínhamos que procurar uma forma de ganhar a vida. Desde então, por exemplo, alguns de nós vão todos os sábados aos mercados da região para vender as nossas cerâmicas. O Ir. Roger, desde o início, insistiu muito no fato de que devíamos viver do nosso trabalho.
Que confiança é possível neste período de medo e de fechamento? Qual o significado dessa palavra hoje?
Este período não acabou. Ainda estamos dentro dele, e por toda a parte haverá muitas e graves consequências, não só sanitárias, mas também econômicas e psicológicas. Portanto, é um abalo enorme. Também sobre as nossas seguranças. Perdemos as nossas certezas. No entanto, penso que este momento é muito importante para que nós, cristãos, voltemos à fonte da nossa fé que é a ressurreição de Cristo.
Como isso é possível em um momento em que até mesmo a confiança em Deus vacila para muitos?
Na realidade, já era assim antes. Acima de tudo, muitos jovens perderam a fé ou a confiança na Igreja devido às dificuldades pelas quais ela está passando. Mas eles também têm muita sede de experiências de comunhão, além das relações pessoais. E este é um momento propício para ter encontros de aprofundamento, mesmo que seja preciso manter a distância física. Existe realmente uma grande sede de relações humanas. Constatamos isso nos últimos meses em Taizé. Alguns jovens voltaram: acolhemos 400-500 deles durante o verão e o início do outono. Agora, veremos. Percebemos que os encontros virtuais oferecem possibilidades concretas que não conhecíamos antes, mas não são suficientes. Nós os fizemos e continuamos a fazê-los. Muitos os acompanharam. E foi uma bela oportunidade principalmente para aqueles que vivem longe, como na África, América Latina ou Ásia. Mas há tanta necessidade de voltar a se encontrar pessoalmente. Por enquanto, porém, ainda é muito difícil.
No carisma de vocês, há também o caminhar, a peregrinação e, justamente, o encontro. Como vocês fazem isso agora?
Para nós, os encontros – não só em Taizé, mas também nos diversos continentes – sempre foram momentos muito bonitos e significativos. No ano passado, fizemos um deles na Cidade do Cabo, com cerca de 2.000 jovens de vários países, acolhidos nas famílias. Brancos na casa de negros, negros na casa de brancos, todos misturados. Foi realmente um grande sinal de reconciliação na África do Sul. Há dois anos, isso aconteceu em Hong Kong, onde participaram jovens de diversos países asiáticos e 700 provenientes da China continental. Esses encontros permitem superar as fronteiras e fazer com que os jovens se conheçam além das fronteiras não apenas políticas, mas também culturais e linguísticas, para descobrir a beleza da Igreja universal. Isso pode ajudar a aprofundar a fé. Os corações se abrem e entendem o sentido do Evangelho, que é a fraternidade para além das fronteiras. Este é um dos nossos compromissos: abrir as fronteiras.
O encontro europeu do ano passado, em Wroclaw, na Polônia, também foi também um sinal importante para o nosso continente…
É preciso criar, também através da Europa, contatos pessoais em um período em que a desconfiança entre os países se torna maior. Esperemos que também possa nascer uma forte solidariedade dentro da União Europeia.
Nesse sentido, o coronavírus pode ser um fator de abertura ou de mais fechamento?
No início, houve mais fechamento, depois alguns políticos viram que é necessária a solidariedade entre os países. Espero que se possa descobrir e acentuar essa solidariedade, porque não podemos encontrar uma solução cada um para si. A Covid-19 não conhece fronteiras. Mas o Evangelho também não conhece fronteiras. Então, é importante construir solidariedade entre os países da Europa e também em outros lugares.
E entre as pessoas?
Eu acho que há a esperança de que as pessoas entendam que o medo torna a vida mais difícil, e o confinamento aumenta o isolamento. Hoje, existe uma maior consciência disso. Mas a Igreja também deve fazer a sua parte e ajudar a aumentar essa tomada de consciência e essa solidariedade. As pessoas precisam poder expressar os seus medos, as suas inquietações, precisam ser ouvidas. O ministério da escuta, para nós, sempre foi uma prioridade absoluta. E acho que deve ser uma prioridade para toda a Igreja. Os jovens precisam encontrar escuta na Igreja. Mesmo que agora, com a pandemia, tudo fique mais difícil e devamos pensar em novas modalidades.
Quais são as perguntas das pessoas que vocês “interceptaram” neste tempo difícil?
Basicamente, elas se articulam em duas dimensões. A primeira diz respeito àquilo que nos permite resistir em um mundo tão imprevisível. O que há de sólido nas nossas vidas? Diante dessas perguntas, é importante que as pessoas possam descobrir a Igreja como um lugar de amizade, onde cada um pode se sentir em comunhão. É um aspecto que afeta particularmente os jovens quando passam uma semana em Taizé: eles fazem a experiência de poder se encontrar e de ir juntos às fontes da fé, que é uma busca para toda a vida. Não uma busca de certezas, mas sim um contínuo seguir em frente fazendo-se perguntas junto com os outros.
E a segunda dimensão?
Encontramo-la sobretudo nos jovens: isto é, o desejo, a necessidade de uma maior atenção à ecologia, que implica uma maior simplicidade de vida. Há alguns anos, eles nos fazem muitas perguntas sobre esses temas, às vezes com angústia. Nós, como Igreja, temos a grande responsabilidade de criar um vínculo entre essa busca e o percurso de fé, também para enfrentar a ansiedade pelo futuro. Acho que isso é muito bonito, que é um sinal de esperança que os jovens se façam essas interrogações e também se comprometam concretamente: eles querem mudar as suas vidas, prestam mais atenção também às coisas de todos os dias, como viajar, comida, água... Há dois ou três anos, alguns se lamentavam que os jovens eram apolíticos, passivos. E, em vez disso, vemos que está em curso uma mudança, um despertar de consciência. E tudo isso é muito bonito. Acho que a Igreja pode e deve acompanhar ainda mais esse percurso.
Na sua opinião, a encíclica Laudato si’ contribuiu para impulsionar a Igreja nessa direção?
Certamente! E nos impulsionou realmente a dar mais protagonismo aos jovens. Em Taizé, são sobretudo eles que animam os momentos de reflexão sobre esses temas, e às vezes ficamos realmente impressionados com as grandes competências que alguns têm nesse âmbito. Ouvindo as suas intuições, a questão da ecologia se tornou uma dimensão importante também em Taizé.
Outro tema sobre o qual vocês trabalharam muito nos últimos anos é o das migrações. Em que termos?
Com efeito, a atenção a tudo o que tem a ver com as migrações tornou-se muito importante para nós. E também nesse âmbito os jovens se demonstraram muito sensíveis. Em Taizé, sempre acolhemos migrantes e refugiados. O Ir. Roger já fazia isso nos primeiros anos da comunidade. Penso em uma família de Sarajevo, que acolhemos no nosso vilarejo depois da guerra na ex-Iugoslávia, ou em outra de Ruanda, que fugiu do genocídio de 1994. Nos últimos anos, e principalmente a partir de 2015, acolhemos muitos migrantes, especialmente africanos, de países como Sudão ou Eritreia. Agora, temos três famílias Yazidi, mães com crianças. Os pais foram mortos, porque se recusaram a se tornar muçulmanos. O extraordinário é que recebemos muitíssimo deles. Pensávamos que éramos nós que os estávamos ajudando, mas aquilo que eles nos dão tem um valor incomensurável. Porque eles abrem os nossos olhos para tantas coisas e tantas situações que não conhecemos e têm uma coragem imensa. E pela forte amizade que nos une.
O senhor também esteve no Sudão?
Eu fui visitar algumas famílias. Particularmente a de um refugiado cuja esposa havia sido morta, e o filho morava com a irmã. Conseguimos levá-lo para Taizé. Também encontrei a mãe de um jovem que chegou de Calais e morreu depois de uma semana de problemas cardíacos. Ele estava inconsolável. Mas ele disse estas palavras tão impressionantes: “Deus o deu, Deus o tirou. Louvado seja o nome de Deus!”. São praticamente as mesmas palavras de Jó na Bíblia. Eu nunca esquecerei isso! Percebi que, como o Papa Francisco costuma dizer, não se trata apenas de fazer caridade. Mas de redescobrir a nossa própria humanidade. A maioria dos migrantes que acolhemos são muçulmanos. Mas eu disse aos meus irmãos: “Cristo morreu por eles também”.
Essa dimensão internacional está sempre muito presente na experiência de Taizé?
Certamente. Temos algumas pequenas fraternidades no mundo, no Brasil, na Coreia do Sul, em Bangladesh, no Senegal e em Cuba. Para nós, é importante não viver apenas em Taizé, mas estar presentes em situações muito diferentes e muitas vezes muito duras. Com alguns missionários do Pime, especialmente em Bangladesh, também estamos fazendo um caminho juntos há anos.
E na Coreia do Norte?
É um caminho que começou há 26 anos e que continua. Na época, havia uma fome devastadora. Tínhamos recebido uma doação importante, a herança de um dos nossos irmãos, que nunca guardamos para nós. O Ir. Roger tinha pensado em enviar comida, e o governo concordou. Conseguimos levar mil toneladas de farinha de milho. Desde então, entramos em contato com a Cruz Vermelha e temos com eles um vínculo para apoiar um hospital e algumas escolas, e também fornecer leite de soja para cerca de 6.000 crianças nas salas de aula. Eu mesmo fui para Pyongyang: foi uma experiência muito forte estar lá. Esse é um compromisso que continua, mesmo que agora o país esteja completamente fechado por causa do vírus.
Há 15 anos da morte do Ir. Roger, o que resta dele em particular?
Acima de tudo, resta a importância da confiança. No fim da sua vida, era a palavra que sempre voltava aos seus lábios. Não entendida como passividade cega. Pelo contrário, a confiança desperta a criatividade, a coragem, a fé. Significa crer que mesmo as coisas que consideramos impossíveis são possíveis. O Ir. Roger deu início a esta nossa pequena comunidade na época da Segunda Guerra Mundial. Era um grande gesto de confiança. Confiança de que as fronteiras que dividiam a Europa não eram absolutas. Ele tinha 25 anos quando chegou aqui. E começou a dar um pequeno passo. Ele não tinha um projeto muito claro no início. Ele pensava em uma comunidade, mas não sabia de que tipo. Sabia que precisava dar um passo após o outro.
É aquilo que permanece hoje no DNA e no futuro de Taizé?
Acho que sim. É esse modo de fazer, sem ter necessariamente um projeto ou visão de longo prazo, que ainda nos acompanha hoje. Não fechados, mas abertos e fundamentados nessa confiança de que Cristo veio para todos os seres humanos. Para todos, sem exceção. Existe uma fraternidade entre todos que o Espírito Santo cria constantemente e que nós também podemos contribuir para descobrir e construir.
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A confiança em tempos de distância. Entrevista com o Ir. Alois de Taizé - Instituto Humanitas Unisinos - IHU