30 Novembro 2020
Meditação sobre o tema “A oração da Igreja nascente” (Leitura: At 4). A oração infunde luz e calor, o Espírito faz nascer o fervor.
A mensagem do Papa Francisco é publicada por Avvenire, 26-11-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Caros irmãos e irmãs, bom dia! Os primeiros passos da Igreja no mundo foram pontuados pela oração. Os escritos apostólicos e a grande narração dos Atos dos Apóstolos nos oferecem a imagem de uma Igreja em caminho, uma Igreja atuante, que, porém, encontra nas reuniões de oração a base e o impulso para a ação missionária. A imagem da comunidade primitiva de Jerusalém é um ponto de referência para todas as outras experiências cristãs. Lucas escreve no livro dos Atos: “Perseveraram na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações” (2,42). A comunidade persevera na oração.
Aqui encontramos quatro características essenciais da vida eclesial: primeira, a escuta do ensinamento dos apóstolos; segunda, a conservação da comunhão recíproca; terceira, a partição do pão e, quarta, a oração. Elas nos lembram que a existência da Igreja faz sentido se permanecer firmemente unida a Cristo, isto é, na comunidade, na sua Palavra, na Eucaristia e na oração. É a maneira de nos unirmos, nós a Cristo. A pregação e a catequese testemunham as palavras e os gestos do Mestre; a busca constante da comunhão fraterna preserva de egoísmo e de particularismo; a partição do pão realiza o sacramento da presença de Jesus no meio de nós: ele nunca estará ausente, na Eucaristia é ele mesmo. Ele vive e caminha conosco. E por fim a oração, que é o espaço de diálogo com o Pai, por meio de Cristo no Espírito Santo. Tudo o que cresce na Igreja fora dessas "coordenadas" é desprovido de fundamento. Para discernir uma situação, devemos nos perguntar como, em tal situação, existem estas quatro coordenadas: a pregação, a busca constante da comunhão fraterna - a caridade -, a partição do pão - isto é, a vida eucarística - e a oração. Qualquer situação deve ser avaliada à luz dessas quatro coordenadas. O que não entra nessas coordenadas é desprovido de eclesialidade, não é eclesial. É Deus quem faz a Igreja, não o clamor das obras. A Igreja não é um mercado; a Igreja não é um grupo de empresários que levam à frente esse novo empreendimento. A Igreja é obra do Espírito Santo, que Jesus nos enviou para nos reunir. A Igreja é precisamente a obra do Espírito na comunidade cristã, na vida comunitária, na Eucaristia, na oração, sempre. E tudo o que cresce fora dessas coordenadas é desprovido de fundamento, é como uma casa construída na areia (cf. Mt 7, 24-27). É Deus quem faz a Igreja, não o clamor das obras. É a palavra de Jesus que dá sentido aos nossos esforços. É na humildade que se constrói o futuro do mundo.
Às vezes, sinto uma grande tristeza quando vejo alguma comunidade que, com boa vontade, segue o caminho errado porque pensa que está fazendo Igreja nas reuniões, como se fosse um partido político: a maioria, a minoria, o que pensa este, aquele, o outro ... “Isso é como um Sínodo, um caminho sinodal que devemos percorrer”. Eu me pergunto: onde está o Espírito Santo aí? Onde está a oração? Onde está o amor da comunidade? Onde está a Eucaristia? Sem estas quatro coordenadas, a Igreja torna-se uma sociedade humana, um partido político – maioria, minoria -, as mudanças são feitas como se fosse uma empresa, por maioria ou por minoria ... Mas aí não está o Espírito Santo. E a presença do Espírito Santo é garantida por essas quatro coordenadas. Para avaliar uma situação, se é eclesial ou não, perguntemo-nos se existem estas quatro coordenadas: a vida comunitária, a oração, a Eucaristia ... [a pregação], como se desenvolve a vida nessas quatro coordenadas. Se faltar isso, falta Espírito, e se falta o Espírito seremos uma bela associação humanitária, de caridade, muito bom, bom, até um partido, por assim dizer, eclesial, mas não há Igreja. E por isso a Igreja não pode crescer por essas coisas: não cresce por proselitismo, como qualquer empresa, cresce por atração. E quem move a atração? O Espírito Santo. Nunca esqueçamos estas palavras de Bento XVI: “A Igreja não cresce por proselitismo, mas por atração”. Se falta o Espírito Santo, que é o que atrai para Jesus, não há Igreja ali. Tem um clube bacana de amigos, enfim, com boas intenções, mas não tem Igreja, não tem sinodalidade.
Lendo os Atos dos Apóstolos, descobrimos então como o poderoso motor da evangelização são os encontros de oração, onde quem participa experimenta ao vivo a presença de Jesus, e é tocado pelo Espírito. Os membros da primeira comunidade - mas isso é sempre verdade, também para nós hoje - percebem que a história do encontro com Jesus não parou no momento da Ascensão, mas continua em sua vida. Ao contar o que o Senhor disse e fez – a escuta da Palavra -, ao orar para entrar em comunhão com Ele, tudo ganha vida. A oração infunde luz e calor: o dom do Espírito faz nascer neles o fervor. A esse respeito, o Catecismo tem uma expressão muito densa. Diz assim: “O Espírito Santo [...] recorda a Cristo à sua Igreja orante, também a conduz para a verdade integral e suscita formulações novas que exprimirão o insondável mistério de Cristo operante na vida, sacramentos e missão da Igreja” (n. 2625). Aqui está a obra do Espírito na Igreja: lembrar Jesus. O próprio Jesus disse: Ele vos ensinará e vos lembrará. A missão é lembrar Jesus, mas não como um exercício mnemônico. Os cristãos, percorrendo os caminhos da missão, lembram-se de Jesus tornando-o novamente presente; e dele, do seu Espírito, eles recebem o "impulso" para ir, para anunciar, para servir. Na oração o cristão mergulha no mistério de Deus, que ama cada ser humano, aquele Deus que deseja que o Evangelho seja pregado a todos. Deus é Deus para todos e em Jesus toda parede de separação ruiu definitivamente: como diz São Paulo, Ele é a nossa paz, isto é, "o qual de ambos os povos fez um" (Ef 2,14). Jesus fez a unidade. Assim, a vida da Igreja primitiva é pontuada por uma sucessão contínua de celebrações, convocações, momentos de oração comunitária e pessoal. E é o Espírito quem dá força aos pregadores que se colocam em viagem, e que por amor de Jesus navegam os mares, enfrentam os perigos, se submetem a humilhações.
Deus doa amor, Deus pede amor. Esta é a raiz mística de toda vida de fé. Os primeiros cristãos em oração, mas também nós, que viemos vários séculos depois, vivemos todos a mesma experiência. O Espírito anima tudo. E todo cristão que não tem medo de dedicar tempo à oração pode assumir para a sua vida as palavras do apóstolo Paulo: “A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim" (Gl 2,20). A oração nos torna ciente disso. Somente no silêncio da adoração é que toda a verdade dessas palavras é experimentada. Devemos retomar o senso da adoração. Adorar, adorar a Deus, adorar Jesus, adorar o Espírito. O Pai, o Filho e o Espírito: adorar. Em silêncio. A oração da adoração é a oração que nos faz reconhecer Deus como início e fim de toda a história. E esta oração é o fogo vivo do Espírito que dá força ao testemunho e à missão. Obrigado.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Francisco: a Igreja? Nem mercado nem partido - Instituto Humanitas Unisinos - IHU