04 Dezembro 2020
Michel Lejoyeux, chefe do Departamento de Psiquiatria do Hospital Bichat, de Paris, descreve as consequências da pandemia na psique e sugere maneiras de prevenir transtornos.
A entrevista é de Sandrine Cabut, publicada por Le Monde, 26-11-2020. A tradução é de André Langer.
O professor Michel Lejoyeux é chefe do Departamento de Psiquiatria e Adictologia do Hospital Bichat (AP-HP & GHU Paris psychiatrie & neurosciences). Ele é o autor de Les Quatre Temps de la Renaissance (Os quatro tempos do renascimento, JC Lattès, 198 p., 19,90 euros), publicado em outubro. Segundo o psiquiatra, os métodos destinados a preservar a mente tornaram-se necessários.
O que mais o impressiona nessa epidemia?
A epidemia é, acima de tudo, uma crise infecciosa e médica, mas que foi imediatamente colocada sob o selo da emoção, levantando a questão de como se adaptar e resistir psicologicamente a esta situação sem precedentes. No hospital, a psiquiatria apareceu como um elemento essencial do sistema para apoiar as equipes, o que fazíamos na Assistência Pública, graças a uma linha direta, mas de forma mais ampla para participar de uma reflexão sobre a resistência emocional. Isso me parece bastante novo. Durante as epidemias de gripe, provavelmente nunca houve qualquer questionamento sobre essas questões. Até agora, os métodos de proteção da mente pareciam abordagens de conforto; hoje, eles se tornaram uma necessidade.
Essa nova doença é uma fonte de psicotraumas, como uma catástrofe natural ou um atentado?
Verdadeiros transtornos de estresse pós-traumático, caracterizados por um estado de alerta permanente, pesadelos recorrentes e esquivamento de situações semelhantes a traumas, de fato foram descritos nesta pandemia. Houve casos, por exemplo, em cuidadores que enfrentaram uma situação particularmente dolorosa e em “pacientes com Covid”, especialmente após longas semanas de reanimação. Os riscos também aumentam em pessoas enlutadas de forma brutal ou traumática e que não puderam comparecer aos últimos momentos ou ao funeral de seus entes queridos.
Mas, para a maioria das pessoas, essa crise e a quarentena levaram principalmente a situações de estresse agudo e, para alguns, crônico. Devemos distinguir duas populações. Todos aqueles que até então estavam indo bem psicológica, social e emocionalmente... podem mobilizar capacidades de resiliência. Aqui, estamos mais no campo da saúde e da prevenção do que do tratamento. A situação é muito diferente para quem já teve problemas psicológicos ou psiquiátricos e que a crise fragilizou ainda mais. Estes devem ser identificados e acompanhados por profissionais.
Eu constato dois fenômenos específicos: primeiro, uma taxa elevada de depressão pós-infecciosa em pacientes com Covid-19. E, além disso, um aumento de comportamentos aditivos, com raciocínios do tipo “estamos em quarentena, portanto devemos beber”. O álcool é usado aqui como um medicamento ansiolítico, mas existem outras maneiras de lidar com as emoções negativas.
Você convida para se apoiar sobre o passado para gerir melhor as situações estressantes.
Diante de situações angustiantes como a que estamos vivenciando com o vírus, algumas pessoas tentam esquecer ficando caladas, enquanto outras, ao contrário, continuam falando sobre isso. Estas duas atitudes não são patológicas em si mesmas; o importante é estar relativamente em paz com o seu passado para abordar o presente e o futuro.
Para ajudar a digerir antigas tensões e enfrentar as que virão, ofereço técnicas de terapia comportamental e cognitiva, que foram validadas em estados de estresse pós-traumático e que adaptei para que possam ser usadas por cada um de nós, de forma simples, para fins de prevenção. É o caso da escrita expressiva, cujo princípio é anotar cada dia, durante cerca de quinze minutos, as memórias e as emoções associadas. Fazer este exercício durante vários dias consecutivos permite que você se distancie gradualmente de eventos difíceis do passado.
Escrever não é natural para todos. Como facilitar o processo?
Em primeiro lugar, é necessário criar um espaço real de tranquilidade para este encontro consigo mesmo, definindo as condições que nos são mais favoráveis em termos de hora do dia, cenário… Para facilitar a escrita, eu aconselho a usar palavras “gatilho”, que são fonte de inspiração.
No mesmo espírito da escrita expressiva, a cada dia você pode selecionar três memórias “quentes”, ou seja, associadas a uma emoção – seja ela positiva ou negativa –; e confrontar três memórias “frias”, que correspondem a momentos que passamos com uma espécie de neutralidade emocional. O exercício para identificar esses diferentes tipos de memórias ajuda a tolerar melhor as emoções desagradáveis.
Você também elogia a nostalgia, que seria um fator de proteção contra o estresse...
Estudos psicológicos recentes realizados na França mostraram que as pessoas nostálgicas, ou seja, que sentem um pouco de remorso pelo tempo passado, estão em algumas das situações mais resilientes. Reconectar-se a uma parte antiga de si mesmo ajuda a se proteger psicologicamente quando você está passando por um período difícil. Portanto, esta é uma dimensão comportamental que pode ser cultivada. Em todo caso, encoraja-nos a ser vigilantes e a guardar os vestígios do seu passado. Esta crise provavelmente não é uma boa hora para fazer uma grande limpeza e se livrar de coisas velhas.
A pandemia nos obriga a lidar com grandes incertezas em relação ao futuro. Como desenvolver essa capacidade?
Em uma situação normal, as pessoas que estão constantemente em busca de novidades, de aventura, de sensações ficam mais em desvantagem, porque muitas vezes são instáveis emocional e profissionalmente... No plano neurobiológico, isso está relacionado a um alto índice de dopamina em certas áreas do cérebro, no nível do circuito da recompensa.
Como adictologista, há muito tempo aconselho meus pacientes a controlar mais os riscos e, obviamente, não vou encorajá-los a se intoxicar. Mas, paradoxalmente, parece que algumas pessoas em busca de sensações são menos vulneráveis em tempos de crise. Quando temos desejo de aventura, o que a atualidade nos impõe com incertezas parece menos insuportável. Podemos, portanto, embora permanecendo razoáveis, multiplicar pequenas experiências de novidade. Experimentar, por exemplo, algo que se diz como “não é o meu estilo”, no campo da alimentação, da leitura, da música... Internalizar a novidade permite que ela se torne menos ameaçadora.
Da mesma forma, para acostumar-se com a incerteza e tornar-se mais resiliente, podemos proceder a algum tipo de dessensibilização, fazendo experiências benignas de incerteza. Na prática, isso consiste em se colocar em situações sobre as quais temos um pouco menos de controle, como concordar em delegar uma tarefa, etc.
Você mencionou três fatores principais para fazer o bem em tempos de crise. Qual é este kit de sobrevivência?
Trata-se de ideias e atividades simples que foram identificadas por pesquisadores do King’s College de Londres ao revisar a literatura sobre o impacto psicológico das quarentenas. O primeiro fator de proteção é a diversão e o combate ao tédio: qualquer coisa que nos distraia contribui para a resiliência. O segundo tem a ver com a informação: é o equilíbrio certo entre recusar-se a saber – que no caso de uma doença infecciosa como a Covid pode ser perigoso – e o consumo constante de informações, que provoca muita ansiedade. Finalmente, o terceiro elemento do kit de sobrevivência é o altruísmo: ao cuidar dos outros, também cuidamos de nós mesmos.
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Covid-19: “Esta crise levanta a questão de como se adaptar e resistir psicologicamente” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU