Italiano fará palestra no dia 6 de novembro, dento do Ciclo de debates – Emergência climática, ecologia integral e o cuidado da nossa casa comum, evento online, promovido pelo IHU
Os tempos são pandêmicos e nebulosos, mas mesmo em meio a tamanha tempestade é possível perceber pequenas aberturas de céu azul. Se a pandemia provocada pela Covid-19 parou o mundo, também evidenciou a emergência de mudanças de paradigmas que há tempos sustenta as relações humanas e com o planeta. É nesse mesmo sentido que, já desde a publicação da Encíclica Laudato’ Si, em junho de 2015, o Papa Francisco vem alertando sobre a necessidade de rever o modo como temos ‘usado’ o planeta. Perspectiva que é agora reforçada com a ideia de que ‘todos somos irmãos’ e que juntos precisamos construir saídas na recente Encíclica Fratelli tutti, publicada agora em outubro. Para Francisco, rever o paradigma econômico é necessário e pode ser uma saída não só para um mundo mais fraterno, mas que também respeite os limites da natureza. Perspectiva que se associa com a visão do economista italiano Stefano Zamagni, que volta ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU para discutir esse tema.
Zamagni (Foto: Universidade Católica da Ucrânia)
Zamagni é um dos conferencistas do Ciclo de debates – Emergência climática, ecologia integral e o cuidado da nossa casa comum, que vai de 15 de outubro a 6 de novembro, data que ocorre a sua palestra, a partir das 10 da manhã. Professor de Economia na Universidade de Bolonha, na Itália, e presidente da Pontifícia Academia das Ciências Sociais, é um dos grandes nomes que se associa a perspectiva que inspira o evento “The Economy of Francesco”, promovido pelo Vaticano. Atendendo a convite do Papa Francisco, economistas do mundo devem se reunir para debater uma outra concepção econômica que tem como inspiração a experiência de Francisco de Assis e sua visão fraterna e sistêmica da humanidade na sua relação com o planeta.
Este tema não é novo para Zamagni que, ainda em 2011, em outra palestra no IHU, defendia a associação de princípios como reciprocidade, fraternidade e justiça como meios de promover uma nova concepção de economia. Na última década, ele tem sido uma voz lúcida ao propor uma reflexão substancial sobre a necessidade de colocar a categoria de bem comum no centro da ação econômica, restituir o princípio da gratuidade na esfera pública e pensar a caridade e a fraternidade como marcas fundamentais da condição humana.
No ensaio "Civilizar a economia: o amor e o lucro após a crise econômica", publicado nos Cadernos IHU ideias nº. 155, em 2011, ele chama a atenção para a conceito de dom na economia e lança o seguinte questionamento: “Há lugar para a categoria do dom como gratuidade no âmbito do discurso e da prática da economia? Ou esta última está 'condenada' a falar a linguagem e, por isso, a ocupar-se somente de eficiência, lucro, competitividade, desenvolvimento e, no máximo, de justiça distributiva?" O dom, afirma, "deve poder encontrar espaço de expressão seja onde for, em qualquer âmbito do agir humano, aí incluída a economia e a política. A mensagem central é, portanto, a de pensar a caridade e, por conseguinte, a fraternidade como marca da condição humana, vendo no exercício do dom gratuito o pressuposto indispensável a fim de que Estado e o mercado possam funcionar tendo em vista o bem comum”.
Em "Democracia, liberdade positiva, desenvolvimento", publicado nos Cadernos IHU ideias nº. 157, também em 2011, Zamagni discorre sobre a complicada relação entre economia e democracia na época da globalização, e expõe argumentos em defesa da democracia deliberativa e de uma democracia econômica. “O ponto a sublinhar é que não existe somente o voto político como instrumento de democracia. Existe também o voto econômico, cujo sentido é o de conduzir para a arena do mercado o exercício da opção voice (no sentido de Hirschman). A democracia econômica postula que os consumidores possam induzir, com suas decisões de despesa, empresas e instituições a operarem para a prossecução de fins socialmente legitimados. Nisto está o sentido profundo da subsidiaridade fiscal e das práticas de 'administração compartilhada'”, assegura.
Ao dialogar com as principais matrizes da filosofia política, a liberal-individualista, defendida por Nozick e Hayek, a comunitarista, representada por Etzioni, Sandel e Walzer, e a neocontratualista, advogada por Rawls, Gauthier e Buchanam, o economista italiano é categórico: “Elas demonstram não estar à altura dos desafios vigentes". Segundo ele, "não porque estejam erradas – ao contrário, todas contêm grumos importantes e relevantes de verdade –, mas porque elas têm sido reducionistas. De fato, não conseguem conceituar ou conceber uma ordem social na qual encontrem aplicação simultaneamente o princípio da permuta de equivalentes, que está na base do contrato e ao qual se requer a eficiência; o princípio de redistribuição, ao qual é requerida a satisfação de níveis decentes de equidade para a cidadania; e o princípio de reciprocidade, cuja missão específica é favorecer a difusão da cultura da fraternidade”.
Para ele, "da Doutrina Social da Igreja vem hoje uma grande mensagem de esperança que se endereça especificamente a todos aqueles que não se reconhecem na 'cultura' do piagnisteu para a catástrofe incumbente, nem se inclinam para o otimismo desencantado de quem vê na globalização uma espécie de marcha triunfal da humanidade para sua completa realização".
Papa Francisco com Stefano Zamagni. Foto: Vatican Media
Zamagni também fixa-se sobre a ética católica em sua relação com o espírito do capitalismo a fim de dar uma resposta a três questionamentos: "Em que sentido preciso se pode sustentar que a ética católica é válida para nutrir e informar por si o espírito do capitalismo? Que significado (e que valor) atribuir ao amplo e vivaz debate a propósito da tese de Max Weber sobre o nexo entre ética protestante e espírito do capitalismo? Por que, em tempos recentes, readquiriu atualidade a pesquisa, tanto histórica como econômica, que se ocupa em mensurar a relevância da cultura na obtenção dos resultados econômicos e, mais especificamente, em estudar o impacto das crenças religiosas sobre o progresso civil e econômico de um país ou de uma comunidade?" Algumas respostas a essas questões são oferecidas em "A ética católica e o espírito do capitalismo", publicado no Cadernos IHU ideias nº. 159, de 2011.
Em "A Europa e a ideia de uma economia civil", publicado nos Cadernos IHU ideias nº. 183, de 2013, ao refletir sobre a identidade e o futuro da Europa, o economista propõe alguns conceitos básicos que deveriam influenciar o discurso público: pessoa humana, democracia e fraternidade, os quais são retomados com frequência pelo Papa Francisco em seus discursos e, mais recentemente, na Encíclica Fratelli Tutti. Nesse artigo, Zamagni também menciona a necessidade de um novo humanismo em decorrência das transformações da sociedade industrial para a pós-industrial, da modernidade para a pós-modernidade. “Globalização, financeirização da economia, novas tecnologias, multiculturalismo, aumento das desigualdades sociais, conflitos de identidade; questões ambientais – estes são apenas alguns dos problemas que, para usar o título de um dos livros mais famosos de Sigmund Freud, fazem surgir 'o mal-estar na cultura' de hoje. Face a estes novos desafios, simplesmente atualizar formas antigas de pensar ou recorrer a formas coletivas de tomar decisões, por mais refinadas que sejam, simplesmente não vai resolver o problema. Precisamos ser mais ousados, apresentar soluções mais inovadoras”, diz.
Imagem: IHU
Em busca dessas soluções para enfrentar os problemas da nossa época,Zamagni também direciona sua reflexão para investigar os elementos fundamentais que devem constituir a identidade e a missão das universidades católicas nos dias de hoje, e retoma três elementos fundamentais que perpassam a sua produção intelectual: geratividade, reciprocidade e o princípio do dom como gratuidade. Em "A identidade e a missão de uma universidade católica na atualidade", publicado nos Cadernos IHU ideias nº. 185, de 2013, o economista lembra que não é a falta de recursos que torna nossa vida problemática, e sim a falta de pensamento; o mundo hoje sofre por causa da escassez de pensamento. “Há dois tipos de pensamentos: o pensamento que calcula e o pensamento que pensa. O pensamento que calcula é o pensamento de Ulisses. Nas últimas décadas, demos atenção demais ao pensamento calculante e atenção insuficiente ao pensamento pensante. O pensamento pensante é aquele que nos indica o caminho, a senda em que devemos caminhar. É urgente estabelecer um equilíbrio entre os dois tipos de pensamento”, menciona.
Para Zamagni, a sociedade está diante de dois tipos de crises sistêmicas, que revelam uma crise ainda mais profunda: a crise de sentido. No artigo que tem como título esta temática, "Uma crise de sentido, ou seja, de direção", publicado nos Cadernos IHU ideias nº. 242, em 2016, o economista italiano explica as diferenças entre as crises dialética e a antrópica e apresenta algumas estratégias para enfrentá-las. “Dialética é a crise que nasce de um grave conflito de interesses que se forma dentro de uma dada sociedade, que não consegue, por uma razão ou outra, se constituir. Essa crise contém em si as causas ou forças para a sua superação. São exemplos históricos e famosos de crises dialéticas a Revolução Americana, a Revolução Francesa e a Revolução de Outubro na Rússia, em 1917. Entrópica, por sua vez, é a crise que se origina a partir de um sério conflito de valores ou de um conflito de identidade. Ela tende a criar o colapso do sistema, por implosão, sem que da própria crise possam derivar indicações sobre o caminho a tomar. Este tipo de crise se desenvolve sempre que a sociedade perde o sentido – isto é, literalmente, a direção – do seu próprio caminho. A história nos oferece exemplos notáveis deste tipo de crise: a queda do Império Romano; a transição do feudalismo para a modernidade; a queda do Muro de Berlim e o subsequente colapso do império soviético e tantos outros”. A crise de sentido está relacionada a uma tríplice separação que ocorreu no último quarto de século: “a separação entre a esfera econômica e a esfera social; o trabalho separado da criação de riqueza; o mercado separado da democracia”, reforça.
O Ciclo de debates – Emergência climática, ecologia integral e o cuidado da nossa casa comum reúne, além de Stefano Zamagni, professores do Brasil e do mundo que têm refletido a concepção de uma outra economia, que não esteja à serviço da produção, do lucro e do consumo, mas do bem comum de todas as formas de vida do planeta, a partir do princípio da ecologia integral. Inteiramente online, o evento será transmitido pelo Canal do Instituto Humanitas Unisinos – IHU no YouTube e também pela plataforma Microsoft Teams. Acesse aqui para saber detalhes sobre inscrição na atividade.
A conferência de abertura será com o Prof. Dr. Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo – IEA USP, na semana que vem, 15 de outubro, às 17h30min, em que tratará “Urgência Climática e os riscos para o Brasil”. No dia 21 de outubro, o debate da renda básica universal entra na discussões com a conferência do Prof. Dr. Andrea Fumagalli, da Università di Pávia, na Itália. O professor refletirá sobre a renda básica a partir da ideia de novos modelos econômicos para se assegurar a proteção social e reapropriação do comum. A palestra será às 10h da manhã.
No dia 22 de outubro, às 10h da manhã, o tema será o Sínodo Pan-Amazônico e as questões que levanta para pensarmos numa economia do comum. O conferencista será o Prof. Dr. Paulo Suess, do Conselho Indigenista Missionário – CIMI. E no dia 26 de outubro, também às 10h, a renda básica universal volta ao debate, na conferência com o Prof. Dr. Gaël Giraud, da Georgetown University, dos Estados Unidos. No encontro, discutirá a renda universal no contexto da justiça socioambiental, e toda sua fundamentação econômica, ética e teológica.
Depois de todas as conferência, a íntegra das palestras ficará disponível no Canal do YouTube do IHU.
O Papa Francisco vem demonstrando que o uma das marcas de seu pontificado é a provocação para que juntos repensemos nossas relações sociais, econômicas e políticas, tendo como princípio o bem comum. No início de outubro, com a publicação da Carta Encíclica Fratelli Tutti, o Papa apresenta numa reflexão uma série de fatores que parecem ter nos levado para um estado de crises, que foi ainda mais escancarado pela pandemia. E mais: aponta como caminho a necessidade de, como irmãos, concebermos saídas.
A Encíclica tem relação direta com documentos anteriores e com o evento “The Economy of Francesco”, quando o Papa busca reunir jovens economistas para pensar nessas saídas, inspirados em Francisco de Assis. Aliás, era por isso que o encontro seria realizado na cidade de Assis, na Itália, agora em novembro. Mas, em razão da pandemia, ocorrerá um primeiro ciclo de debates virtuais à distância, passando o evento presencial para 2021.
No Instituto Humanitas Unisinos – IHU, essas provocações do pontífice tem norteado em série de eventos nesse segundo semestre de 2020. Além do Ciclo de debates – Emergência climática, ecologia integral e o cuidado da nossa casa comum, o IHU vem provendo discussões a partir de leituras de Fratelli Tutti. A primeira delas foi realizada ontem, um olhar franciscano sobre a Encíclica realizada com o Prof. Dr. Ildo Perondi, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC PR, e com o Prof. Dr. Luiz Carlos Susin, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC RS.
Hoje, a partir das 9h, o cardeal português José Tolentino de Mendonça, diretamente da Santa Sé, fará a sua apresentação de Fratelli Tutti. A conferência será transmitida pelo Canal do IHU no YouTube e pela plataforma Microsoft Teams. Mais tarde, ambas as conferência estarão disponíveis na íntegra no Canal do IHU no YouTube.
Além dos Cadernos IHU ideias mencionados anteriormente, no sítio do Instituto Humanistas Unisinos - IHU é possível encontrar artigos do economista italiano e também algumas entrevistas concedidas à IHU On-Line e à imprensa internacional. Entre eles, destacamos os seguintes.