24 Setembro 2020
Enquanto a perda de biodiversidade e as pressões que contribuem para esse declínio aumentam a uma velocidade sem precedentes, em escala planetária, ainda são insuficientes e fragmentados os esforços para deter esse processo que coloca em xeque o futuro da própria humanidade. Essa é uma das principais mensagens expressas na quinta edição do Panorama da Biodiversidade Global (GBO-5, na sigla em inglês), lançado pelo Secretariado da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), na terça-feira, dia 15. O relatório confirma que os países signatários desse acordo internacional não conseguiram alcançar, totalmente, nenhuma das 20 Metas de Aichi, vinculadas ao Plano Estratégico para a Biodiversidade 2011-2020, acordado em 2010, no Japão, justamente para o enfrentamento desse grande problema global.
A reportagem é de Elizabeth Oliveira, publicada por ((o))eco, 21-09-2020.
O resultado levou ao alerta no GBO-5 sobre ameaças ao alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), ressaltando que a agenda da CDB tem interface não somente com os objetivos específicos de proteção da diversidade biológica marinha e terrestre, da Agenda 2030, como ampla interdependência com outros, dentre os quais, garantia de segurança alimentar e de acesso à água potável.
Além disso, o relatório lançou reflexões sobre o papel-chave desempenhado pela conservação da biodiversidade para o cumprimento de metas do Acordo de Paris, vinculado à Convenção do Clima. Ou seja, o desempenho aquém das expectativas no âmbito da CDB, em pleno fechamento da Década das Nações Unidas para a Biodiversidade (2011-2020), pode ter efeito negativo em cascata em outros pactos estabelecidos pela ONU para o horizonte de 2030, tendo em vista que essas agendas são interdependentes, embora tratadas em acordos distintos.
A questão florestal tem importância fundamental nesse debate e remete ao papel do Brasil, sobretudo pela extensão e relevância socioambiental da Amazônia, a maior floresta tropical do mundo. O país é mencionado no documento por ter conseguido resultados positivos com políticas de prevenção e combate ao desmatamento na região – caiu 84% entre 2004 a 2012–, embora as estratégias não tenham se sustentado nos últimos anos, conforme pontuado. Em 2019, alcançou 10.129 quilômetros quadrados, a maior alta desde 2008. Por outro lado, é destacada como bem-sucedida a experiência desenvolvida pelo Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, iniciativa formada por cerca de 300 organizações da sociedade civil que já restaurou 740 mil hectares no bioma, desde 2009, e pretende alcançar um milhão de hectares, até o final de 2020.
Na década passada, o Brasil teve um grande avanço na criação de áreas protegidas terrestres, reconhecido internacionalmente, embora com ênfase na Amazônia e pouca representatividade em outros biomas. Acima, a Estação Ecológica Alto Maués, criada em 2014, no Amazonas. (Foto: ICMBio)
Em relação aos obstáculos ao alcance das Metas de Aichi foram reconhecidos, no GBO-5, fatores relacionados tanto às pressões provocadas pelos processos de produção e consumo como às prioridades econômicas globais. Nesse contexto se destacou que subsídios da ordem de US$ 500 bilhões impulsionaram atividades que ameaçam os ecossistemas e a diversidade biológica, como a agricultura e a pesca, além dos combustíveis fósseis. Enquanto isso, a disponibilidade de recursos financeiros públicos e privados internacionais para a agenda da biodiversidade variou de US$ 78 bilhões a US$ 91 bilhões, por ano. Embora esses valores tenham se ampliado em relação ao fluxo de financiamento da década anterior, sendo avaliados positivamente na publicação, foram considerados insuficientes diante desse cenário.
Os resultados insuficientes foram causados, ainda, “pela falta de ambição” dos signatários do acordo – 193 países e a União Europeia – e por problemas de ordem operacional, incluindo medidas inadequadas. Nesse sentido, se destacou no relatório, por exemplo, que somente 23% das metas nacionais estavam adequadamente alinhadas às Metas de Aichi.
Diante de tantos dilemas, somente seis metas foram cumpridas, parcialmente, como ocorreu com a 11, relacionada às áreas protegidas. Esse foi um dos principais temas de negociações da Décima Conferência das Partes da CDB (COP-10), realizada em 2010, em Nagóia, capital da província japonesa de Aichi. Nesse evento, foi acordado que até 2020, os signatários deveriam alcançar pelo menos 17% de cobertura de áreas protegidas terrestres e 10% de marinhas e costeiras. Ainda que não tenha se cumprido o esperado, o resultado atingido foi considerado um dos melhores no GBO-5. Essas áreas foram ampliadas de aproximadamente 10% para 15% (terrestres) e de cerca de 3% para 7% (marinhas), entre 2000 e 2020. Quanto a esse compromisso, o destaque brasileiro foi para o avanço de 1,5% para 25% de áreas marinhas criadas no período, embora não tenha avançado igualmente nas terrestres.
As análises apresentadas no GBO-5 se apoiaram em um conjunto de informações, sobretudo, dos Sextos Relatórios Nacionais. Esses documentos oficiais, entregues à CDB pelos países signatários, indicam o nível de implementação das diretrizes estabelecidas por consenso na convenção e limitações enfrentadas nesse processo. Foram considerados para esta quinta edição, os dados da década, sistematizados até 2018. A publicação também incorporou resultados das quatro publicações anteriores da série GBO, além de estudos científicos de referência internacional, especialmente os inseridos na Avaliação Global de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na sigla em inglês), que em 2019 já havia sinalizado a existência de aproximadamente um milhão de espécies de animais e plantas ameaçadas de extinção, assim como outros indicadores existentes sobre o estado da biodiversidade.
– 51% têm progressos, porém insuficientes;
– 34% estão a caminho de serem cumpridas;
– 11% não mostram progressos;
– 3% podem ser até ultrapassadas;
– 1% está fora de direção.
– Cerca de 100 países incorporaram os valores da diversidade biológica aos sistemas de contas nacionais (Meta 2);
– O desmatamento global diminuiu em cerca de um terço, nos últimos cinco anos do período analisado, em relação a 2010 (Meta 5);
– 200 casos de erradicação de espécies invasoras foram destacados (Meta 9);
– As áreas protegidas foram ampliadas de aproximadamente 10% para 15% (terrestres) e de cerca de 3% para 7% (marinhas), entre 2000 e 2020 (Meta 11);
– Aumento de 29% para 44% de áreas de particular importância para a biodiversidade em igual período. (Meta 11);
– O Protocolo de Nagóia entrou em vigor em pelo menos 87 países (Meta 16);
– Os recursos financeiros internacionais dobraram na década (Meta 20).
Os principais resultados do GBO-5 já eram esperados, segundo quatro especialistas brasileiros que acompanham a agenda da CDB e seus desdobramentos nacionais, consultados pela reportagem de ((o))eco. Tendências nesse sentido foram sinalizadas no relatório GBO-4, avaliação intermediária de desempenho dos países sobre o Plano Estratégico para a Biodiversidade 2011-2020 que foi publicada em 2014. Poucas surpresas sobre a quinta edição do relatório e algumas recomendações foram compartilhadas pelos entrevistados, principalmente, para que o Brasil consiga enfrentar atuais retrocessos socioambientais e se preparar para o próximo ciclo de negociações e deliberações no chamado Pós-2020 desse esforço da CDB.
Do ponto de vista global, o consultor Cláudio Maretti, pós-doutorando em Geografia, na Universidade de São Paulo (USP), avaliou os avanços alcançados em relação à meta 11 como o resultado mais expressivo do GBO-5, ainda que de forma parcial e apesar de perceber uma divisão de opinião do mundo, sobre a temática de áreas protegidas. Para ele, a criação e gestão desses espaços continuam representando estratégias eficazes de resistência ao desmatamento e à perda de espécies.
“O problema é que grande parte da sociedade não apoia essa solução, embora muitas pessoas estejam envolvidas na visitação de parques nacionais e outras áreas protegidas na Ásia, Europa e nos Estados Unidos”, opina o ex-presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Ele tem se dedicado ao debate sobre o tema em fóruns internacionais, como a Comissão Mundial de Áreas Protegidas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) para a América do Sul, da qual é vice-presidente.
Caso o Parque Nacional das Emas (acima) não existisse, possivelmente quase toda sua extensão hoje em dia seria dominada por imensos campos de soja ou pasto. (Foto: Katia Kopp/Wikiparques)
Em relação ao Brasil, o especialista observa que “existe certa facilidade para criar unidades de conservação e, comparativamente, relativa dificuldade de dotar essas áreas de pessoal, orçamento e infraestrutura.” E acrescenta que o país “não cresceu no fortalecimento das instituições de forma consistente e adequada”. Todas essas limitações acabam gerando dificuldades de gestão para o alcance dos objetivos de proteção da natureza, questão que também divide a sociedade brasileira. Apesar desses dilemas, ele reitera os argumentos de que as áreas protegidas são os melhores instrumentos dirigidos à agenda da biodiversidade e têm que continuar sendo apoiadas nas decisões futuras da CDB.
Quanto a resultados inesperados, Maretti considerou surpreendente a informação de que mundialmente houve uma redução de desmatamento em 33%, tendo como base os últimos cinco anos de análise, em relação a 2010. Ele afirma que esperava menos, tendo em vista a situação negativa do Brasil, nos últimos anos, quando se ampliou o desmatamento da Amazônia, depois de um período de medidas bem-sucedidas para o enfrentamento dessa problemática, reconhecidas internacionalmente. Observa, ainda, que essas estatísticas globais costumam ser um pouco defasadas, mas opina que os dados de 2019 deveriam ter sido contabilizados, justamente pela mudança de cenário brasileira e sua relevância nesse contexto.
Já o avanço na identificação e manejo de espécies invasoras foi um aspecto positivo anunciado pelo GBO-5 que surpreendeu o biólogo Fabio Scarano, professor de Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “A surpresa negativa é que mesmo com os fluxos financeiros para a implementação da agenda da convenção tendo dobrado nos últimos dez anos, os graus de ameaça, risco e extinção de espécies aumentaram significativamente, desde então, a ponto de termos hoje um milhão de espécies ameaçadas”, analisa.
Fragmentos de floresta em áreas desmatadas para expansão do cultivo de soja na Amazônia mato-grossense. (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Quanto às leituras possíveis sobre a situação do Brasil, considerando os principais resultados do relatório, Scarano afirma: “No caso brasileiro, nenhum avanço, só perdas e retrocessos”. Alguns exemplos são mencionados para justificar a sua visão crítica sobre o desempenho mais recente do país, dentre os quais, o aumento do desmatamento contrariando a tendência global de redução, apresentada no relatório da CDB. Destaca, ainda, a falta de plena implementação do Protocolo de Nagóia de acesso e repartição de benefícios decorrentes da utilização da biodiversidade, ao contrário do que já vem ocorrendo em outros 87 países, desde que esse acordo foi pactuado, em 2010, também como resultado importante da COP-10.
Há de se recordar que, nesse caso, o país demonstrou não ter priorizado a sua ratificação, tendo oficializado esse acordo em nível nacional somente em 2020, em um cenário de turbulências envolvendo danos de imagem frente à opinião pública internacional, com sinalizações de prejuízos econômicos pelos riscos socioambientais associados ao seu modelo de produção de principais commodities.
Sobre o aumento global de áreas protegidas, nesta década, ele ressalta que “aqui não se verificou na maior parte dos biomas terrestres.” Acrescenta que. “na área marinha e costeira se deu, porém, predominantemente sobre áreas que não eram prioritárias”. Scarano analisa, ainda, que o panorama nacional adverso à pauta da biodiversidade é perpassado pelo processo em curso de “desmanche da estrutura federal” de condução das políticas públicas e da estrutura de governança envolvendo a implementação dessa agenda no âmbito do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Sobre essa questão, Cláudio Maretti recorda que, na década passada, o Brasil teve um grande avanço na criação de áreas protegidas terrestres, reconhecido internacionalmente, embora com ênfase na Amazônia e pouca representatividade em outros biomas. Ainda que na década que se encerra, o destaque brasileiro tenha sido para a criação de grandes áreas marinhas, em 2018, ele acrescenta que “nada foi feito” desde então. Ou seja, o processo de implementação não tem evoluído como deveria. “Infelizmente, nós entramos numa fase negativa”, lamenta o pesquisador, ao refletir também que nesse contexto de retrocessos, verificado principalmente nos últimos dois anos, tem havido “um crescimento do estímulo ao ataque às áreas protegidas”.
Diante dos resultados do relatório GBO-5 e do atual cenário político-institucional brasileiro de claros retrocessos em relação à agenda da biodiversidade, o biólogo e professor da UFRJ, Fabio Scarano, listou, a pedido da reportagem, os principais desafios a serem enfrentados para que essa temática seja reconhecida como prioritária pelo Brasil. Sua experiência em relação a esse debate envolve, além de uma ampla vivência acadêmica, a passagem por cargos de liderança em instituições de referência como o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, a organização ambientalista Conservação Internacional e a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS).
“A lista é longa, porém simples e realizável”, afirma. Ao governo federal e ao Congresso sugere: 1) “Fazer com que a Constituição e as leis sejam cumpridas” e menciona a Lei de Proteção da Vegetação Nativa e a Lei da Mata Atlântica como arcabouços nacionais importantes. 2) “Não incentivar o oposto a isso”, considerando como exemplos, nesse sentido, discursos que expressam “ignorância e ódio” aliados à falta de ações dirigidas ao combate ostensivo a atividades ilegais como exploração de madeira, grilagem e tráfico internacional de animais. O cumprimento das leis vigentes também deve ser aplicado ao exercício de atividades na gestão pública. 3) “Temos como ministro de Meio Ambiente um cidadão condenado em primeira instância por crime ambiental”, ressalta. “Que seja julgado por esse e, também, por crimes atuais de responsabilidade contra a Constituição e o povo brasileiro”, defende. Para esses segmentos ainda recomenda: 4)“Implementar os recursos do Fundo Amazônia para seus fins, bem como outros recursos orçamentários para a conservação da natureza, hoje não executados”.
Em relação ao setor privado, Scarano considera que “não basta cobrar do governo, tem que dar exemplo com iniciativas de escala, visibilidade e impacto que estejam ao seu alcance”. Menciona algumas soluções como exemplos: 5)“Investir em reservas privadas e adotar políticas de balanço líquido positivo de biodiversidade”. À sociedade civil organizada e aos movimentos sociais, ele recomenda: 6)“Não se calar, superar o cansaço, denunciar e também construir soluções junto aos atores locais”.
Sobre a academia reflete, criticamente, a partir de uma longa trajetória de atuação: 7) “Ser ator na construção de soluções envolve ser mais inter e transdisciplinar do que tradicionalmente somos”. Por fim, do ponto de vista individual, reconhece demandas fundamentais que perpassam, desde estilos de vida, às escolhas democráticas em termos de representatividade política: 8) “Rever nossos hábitos de consumo, incluir na nossa rotina e na de nossas famílias o contato regular com a natureza e, especialmente, refletir acerca de como votamos.”
Para enfrentar a perda de biodiversidade e reduzir as pressões sobre os ecossistemas, sobretudo em cenários de agravamento da crise climática, o relatório GBO-5 defende uma transição ecológica com base em alguns eixos centrais que demandam, principalmente, transformações socioeconômicas. “Enquanto não se conseguir promover uma mudança profunda de paradigma, a gente vai continuar enxugando gelo”, analisa o biólogo Carlos Alberto de Mattos Scaramuzza, diretor do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS). O especialista já atuou em posições de liderança na agenda da biodiversidade na organização ambientalista WWF-Brasil e no MMA, entre outras instituições.
Ao comentar sobre os desafios relacionados às mudanças no modelo de produção e consumo de alimentos, recomendada pelo relatório da CDB, como eixo central da transição desejada, Scaramuzza mencionou a repercussão recente sobre um debate no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) que sinaliza o encaminhamento brasileiro em sentido contrário a essa orientação. O Mapa está discutindo uma proposta de revisão do Guia Alimentar para a População Brasileira, por discordâncias envolvendo críticas aos alimentos industrializados nessa publicação do Ministério da Saúde. Organizações da sociedade civil estão se articulando contra essa possibilidade, dentre as quais, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) que já solicitou esclarecimentos ao MAPA.
As deliberações sobre os possíveis desdobramentos das Metas de Aichi ocorrerão durante a Décima Quinta Conferência das Partes da CDB (COP-15), anunciada para maio de 2021, em Kunming, na China. O evento que seria realizado em outubro de 2020 foi cancelado em função da pandemia de Covid-19. O biólogo Renato Crouzeilles, gerente sênior do IIS, acredita que pode ocorrer alguma mudança nessa agenda, considerando o panorama global, ainda marcado por incertezas em relação à crise sanitária.
A CDB divulgou, em janeiro deste ano, um rascunho, disponível em inglês, que servirá de base para negociações, envolvendo os países signatários, sobre a chamada Estrutura Global de Biodiversidade Pós-2020. Esse esboço sinaliza a urgência de se avançar para um nível mais ambicioso de proteção da biodiversidade e, ainda, de integrar essa agenda a outras convenções e pactos da ONU. As sugestões que serão debatidas a partir desse rascunho zero têm como objetivo conter os fatores de pressão sobre a biodiversidade, até 2030, e assegurar a recuperação de ecossistemas naturais, até 2050. Os avanços serão cruciais para seguir as diretrizes da Visão 2050, amplamente mencionadas no relatório GBO-5 como inspiração para guiar a humanidade rumo a uma convivência mais harmoniosa com a natureza, considerando que essa é também uma condição central para o enfrentamento da crise climática.
A expectativa dos especialistas entrevistados é de que se discutam, na COP-15, medidas para ampliar não somente a quantidade de indicadores, mas a qualidade das análises, realizadas a partir dessas ferramentas. A falta de indicadores representa uma lacuna que tem dificultado o êxito dos últimos acordos da CDB. Com as Metas de Aichi não foi diferente. “Poucas metas eram quantificáveis”, observa Scaramuzza ao comentar que tal problema facilita respostas genéricas dos países. Por outro lado, “respostas quantitativas favorecem a conservação”, opina. Para ele, um grande avanço nos próximos passos da CDB seria ampliar as metas numéricas e torná-las mais integradas, como se propõe nos debates das chamadas “metas smart”.
Em relação a esse aspecto, Maretti acrescenta que, para além do monitoramento das estatísticas de desmatamento, por exemplo, é preciso criar indicadores capazes de medir a perda de habitat (meta 5), atrelando os impactos das atividades econômicas às análises. Ele argumenta que essa grande ameaça às espécies tem sido intensificada pelo modelo econômico vigente em níveis nacional e global, não sendo mais possível deixar de fazer uma leitura crítica do problema dessa forma mais ampla e sistêmica.
Ao comentar sobre a referência do GBO-5 ao Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, do qual o IIS é parceiro, Renato Crouzeilles ressaltou que um dos fatores de êxito dessa iniciativa envolveu a definição de indicadores que têm permitido monitorar e reportar os resultados mensurados. Para ele, isso confere mais clareza aos avanços obtidos, em relação às metas estabelecidas de recuperação de áreas de florestas nativas, enfoque dessa iniciativa brasileira.
Produção de mudas de espécies nativas. (Foto: Divulgação/Pacto pela Restauração da Mata Atlântica)
Tendo participado da produção do Relatório Temático Restauração de Paisagens e Ecossistemas, referência lançada em 2019 que sinaliza para as vantagens ambientais e socioeconômicas dessa iniciativa, Crouzeilles está confiante de que a partir da COP-15 haja mais apoio às ações e restauração. A Década sobre Restauração de Ecossistemas, declarada pela ONU para o período 2021-2030, pode contribuir para isso. Ele conta que suas expectativas positivas se apoiam, também, nas inúmeras lições aprendidas sobre o tema, tanto globalmente como no Brasil, sobretudo no âmbito do Pacto. Por fim, destaca que a convergência de agendas globais, já sinalizada no âmbito da CDB, pode contribuir para que o papel de proteção e recuperação de ecossistemas também seja cada vez melhor compreendido para avanços no equilíbrio climático.
Como mensagem para que o Brasil consiga se alinhar ao restante do mundo nos esforços da agenda da biodiversidade, ele afirma que é preciso recuperar o papel de protagonismo brasileiro, a partir da implementação de leis e políticas públicas existentes, dentre as quais, a Lei de Proteção da Vegetação Nativa, também conhecida como Novo Código Florestal. Defende, ainda, que sejam consideradas as recomendações científicas sobre essa temática. “O Brasil tem excelência científica reconhecida internacionalmente”, observa ao opinar que esse tipo de avanço conquistado não pode ser menosprezado nos processos de tomada de decisão.
O GBO-5 sinaliza para outros aspectos que desafiam o Brasil e o mundo. Nesse sentido, defende a intensificação de esforços para lidar com fatores impulsionadores de perdas diretas e indiretas de biodiversidade. Para isso, serão necessários processos de planejamento e implementação integrados pelos países, além de maior interação entre ministérios e órgãos governamentais, setores econômicos e sociedade em geral. Menciona, ainda, o papel dos povos indígenas e comunidades locais para a conservação da biodiversidade, indicando ser fundamental fortalecer o nível de participação desses segmentos sociais nos processos de tomada de decisão dos signatários da CDB.
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