14 Setembro 2020
Seguindo a dinâmica utilizada durante os três dias do Seminário Virtual sobre Vida Religiosa e Amazônia, que a CLAR organizou de 9 a 11 de setembro, com o tema: "A Amazônia: Novos caminhos para a Vida Religiosa e uma Ecologia Integral", o último dia, centrado no agir, foi um momento para aprofundar em possíveis caminhos, em horizontes concretos, em como avançar com um olhar esperançoso como vida religiosa na Amazônia.
Os palestrantes foram o presidente do CELAM, Dom Miguel Cabrejos, a presidenta da CLAR, Gloria Liliana Franco, o coordenador da REIBA, Pablo Mora, e Mauricio López, Secretário Executivo da REPAM. Dom José Luis Azuaje, presidente da Cáritas da América Latina, não pôde estar presente devido aos cortes de energia que a Venezuela sofre.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
Tudo está relacionado e o autêntico cuidado de nossa própria vida e de nossas relações com a natureza é inseparável da fraternidade, da justiça e da fidelidade aos outros. Foi com estas ideias que Dom Miguel Cabrejos iniciou sua reflexão, sublinhando que "o Papa Francisco insiste em aprender dos povos originários a contemplar a Amazônia, a amá-la e não apenas a usá-la". O presidente do CELAM insistiu que "todos nós vivemos em grande parte graças aos múltiplos serviços que este bioma nos oferece".
O Jubileu, que é como o Papa Francisco vê o Tempo da Criação, é para o Arcebispo de Trujillo, Peru, "um tempo para dar liberdade aos oprimidos e a todos aqueles que estão acorrentados às várias formas de escravidão moderna, como o tráfico humano e o trabalho infantil", que segundo Cabrejos, "revelam uma mentalidade extrativista e mercantil, que explora não só a Terra", mas também as pessoas, "transformando-as em mercadoria, à custa de maior lucro". Em nome do CELAM, ele agradeceu o trabalho que muitas congregações estão fazendo neste campo, "para libertar pessoas em condições absolutamente desumanas".
A pandemia deve nos levar a pensar criticamente sobre a nova normalidade, disse o presidente do CELAM, "somos chamados, à luz do Evangelho, a fazer o que não pode ser aceito como prática normal, que queremos manter, sem prestar atenção às questões", e a pensar "sobre nosso estilo de vida e as grandes desigualdades em nossas sociedades". Cabrejos lembrou que "o Papa Francisco nos exorta a aproveitar este momento decisivo para pôr fim às atividades e propósitos supérfluos e destrutivos, para cultivar valores, vínculos e projetos generativos". O Papa Francisco disse claramente: "Não à pilhagem, sim à partilha de uma forma justa e respeitosa", disse Cabrejos. Ele diz que do CELAM eles se oferecem para "proteger as comunidades indígenas contra as empresas", para ser uma Igreja "aliada em sua luta pelo Bem Viver em seus territórios".
Seguindo o horizonte inspirador do Seminário, que é o texto do Casamento de Caná, Cabrejos afirmou que "precisamos de alegria nestes tempos de pandemia que tem atingido muitas pessoas e famílias muito duramente, especialmente os povos originários da Amazônia", onde muitos "morreram por causa das grandes desigualdades e injustiças nos sistemas de saúde pública". Diante disso, ele enfatizou a proximidade da vida religiosa àqueles que sofrem com a pandemia, sendo chamados a oferecer razões de esperança, promovendo "uma ética de cuidado mútuo, de enfrentar os mecanismos de exclusão e de descarte".
Neste ponto, Cabrejos falou da diaconia social, "que requer a consciência de que não estamos sozinhos neste mundo", o que nos leva a desenvolver uma visão atenta e compassiva capaz de ver tantas pessoas à beira da estrada, à beira da existência. A diaconia social pede, segundo o presidente do CELAM, "nossa disponibilidade para entrar num processo de conversão pessoal e comunitária, para sermos diáconos, servos dos outros, vivendo com um olhar atento para que a outra pessoa, com suas necessidades materiais e espirituais, toque nosso coração e nos impulsione à solidariedade".
Segundo o Padre sinodal no último Sínodo, "a conversão à diaconia social deve ir de mãos dadas com a conversão ao modo sinodal de ser Igreja". Para que isso aconteça, é necessário fortalecer "uma cultura de diálogo, de escuta mútua, de discernimento espiritual, de consenso e de comunhão", o que, segundo Cabrejos, implica também "no fortalecimento da liderança da mulher na Igreja". O Arcebispo de Trujillo lembrou a dívida ecológica do Norte para o Sul, a necessidade de trabalhar em rede e a profunda transformação que nos levará a viver de um modo ecológico e sustentável, começando dentro das instituições da Igreja.
A Amazônia é o completamente diferente, o outro, a alteridade, nas palavras de Liliana Franco, que colocou o diálogo como primeira via de ação para os consagrados, sendo o mais importante "nossa disposição para escutar, para deixar que nos permeie, para nos seduzir, para nos confrontar, mas sobretudo para nos converter pela realidade, que nos transborda de possibilidades, mas também de desafios". A Amazônia nos convoca, num primeiro momento, para estarmos no território e abraçar essa realidade, segundo a presidenta da CLAR, que lembrou que ela é vista como uma bela ferida, pela apropriação e privatização dos bens da natureza, "por um sistema econômico e político, que com a cumplicidade de muitos, está sangrando e envenenando o território".
Para se aproximar da realidade amazônica, "a lógica da encarnação" é necessária, segundo a irmã Liliana, para assim ser aliada dos povos indígenas na defesa da vida, livres de qualquer atitude colonizadora. O primeiro imperativo como consagrados é estar, ser presença na Amazônia, na opinião da presidenta da CLAR, que também enfatizou a importância da "conversão sinodal, para reconhecer a diferença, que possamos validar com fatos a dignidade do interlocutor". Não é possível esquecer que "os rostos que habitam a Amazônia são variados, e cada um com sua própria cosmovisão", afirmou a religiosa, que supõe "reconhecer a multiplicidade e variedade dos interlocutores", que ao outro é reconhecida sua dignidade e seus direitos.
Juntamente com isso, a presidenta da CLAR chama para "uma profunda conversão do coração, para purificar o olhar dos estereótipos, das formas, para nos dispor ao gratuito". Trata-se, segundo ela, de "converter o olhar e transformar o coração, para nos dispor a um novo estilo relacional", optando pela sinodalidade. Para isso será necessário "fortalecer esta cultura de diálogo, de escuta recíproca, mas fundamentalmente de discernimento, que nos permita intuir estes caminhos de Deus para nós" e ser aliados do povo na defesa da vida. O Bem Viver supõe um bem fazer, que deve levar, segundo a Irmã Liliana, a "uma revisão dos estilos de vida para nos tornar mais coerentes nesta caminhada".
Em suas palavras, ela fez um convite a uma conversão ecológica na qual os modelos de consumo não estão acima dos do meio ambiente e dos direitos humanos, denunciando tudo o que é contra a vida. Fazer isso como uma exigência de fé, "sabendo que seguir Jesus tem consequências, e uma das consequências é comprometer-se com a defesa da vida, da terra e das culturas”, na opinião da religiosa. Basicamente, "o que estamos tratando é de uma vida religiosa moldada em seu rosto por três palavras: Interculturalidade, Intercongregacionalidade e Itinerância", como um caminho de fecundidade e possibilidade de futuro, concluiu a Irmã Liliana Franco.
Um dos frutos do Sínodo para a Amazônia é a Rede de Educação Intercultural Bilíngue da Amazônia - REIBA, apresentada por seu coordenador, Pablo Mora. É "uma resposta ao pedido de uma maior conversão cultural na Igreja, na Amazônia", segundo o jesuíta, que aparece como um pedido no Documento Final, em vista da articulação e do fortalecimento.
Isto está sendo iniciado pelas escolas primárias das comunidades indígenas nos Vicariatos de Ñuflo de Chaves (Bolívia), San Miguel de Sucumbíos (Equador), Puerto Inírida (Colômbia), Puerto Maldonado (Peru), Puerto Ayacucho (Venezuela), a diocese de São Gabriel da Cachoeira (Brasil) e a paróquia de Lethem (Guiana). Cada projeto é coordenado por uma equipe local e conta com educadores voluntários. A ecologia integral é constituída como uma base transversal, segundo o Padre Mora, que afirma que este é um projeto que o Sínodo quer colocar em prática. Para isso ele pede a ajuda de congregações religiosas, enviando pessoas, dada a necessidade de presença nas comunidades indígenas, tentando, como vida religiosa, ter escolas nos lugares onde o Papa quer.
A partir de sua experiência pessoal, Mauricio López definiu a REPAM como "uma porta aberta para um rosto concreto do Deus vivo, encarnado, esperançoso, crucificado e ressuscitado que mudou minha vida de tantas maneiras". Ele define a Amazônia como um lugar teológico, "onde se expressa a presença do Mistério, de um Cristo encarnado, vivo, morto, crucificado e ressuscitado, que transforma, transtoca e abre perspectivas". Isto, segundo o secretário executivo da REPAM, "é ameaçador com estruturas rígidas, com olhares auto-referenciais, seja de uma ponta ou de outra, é ameaçador porque quebra todos os moldes, os ritmos, força a pessoa a se abrir, a tirar os sapatos diante desta presença divina de Deus e a sentir que é terra sagrada".
Na REPAM, segundo seu secretário, "tentamos receber as muitas sementes que vêm de décadas" de tantas pessoas que deixaram suas vidas na Amazônia, que falam conosco de uma maneira diferente de estar. Ele lembrou que "não é por acaso que o Papa quis fazer da Amazônia um paradigma, um modelo como espelho, que nos transforma, que nos faz nos perguntarmos se outro caminho e outro modo é possível". Por tudo isso ele vê a REPAM como herdeira de muitas experiências, testemunhos e legados para colocar uma mesa, "onde a experiência é trazida por todos aqueles que se sentem chamados a sentar-se ali, e onde o banquete é a própria vida da Amazônia".
Uma mesa onde tudo aconteceu, mas que permaneceu no lugar, onde, embora tenha custado, os povos originários, as comunidades da Amazônia se sentiram chamados a sentar, e foi isso que deu sentido à rede. Mauricio López lembrou que já se passaram dez anos de um processo mais formal, seis anos desde a fundação da REPAM em 14 de setembro de 2014, sete anos e meio desde o início das conversas em Puyo, Equador, de uma rede eclesial pan-amazoniana. A Igreja no território tem tido grande importância neste caminho, que pouco a pouco tem superado as dificuldades, transformando e fazendo irmãos a partir da noção de um Cristo encarnado em uma realidade que nos coloca. Mauricio enfatiza que "a REPAM sempre foi um meio, nunca um fim, para que este lugar teológico se torne um banquete para a Igreja, um banquete de partilha".
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“Aproveitar este momento decisivo para pôr fim a propósitos supérfluos e cultivar projetos generativos”, afirma o Presidente do CELAM - Instituto Humanitas Unisinos - IHU