28 Agosto 2020
Os processos extrativistas na América Latina e no Caribe são uma continuidade do processo de desapropriação à qual a região tem sido submetida desde o século XV até hoje.
A reportagem é publicada por Novena, 26-08-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
As ex-colônias foram saqueadas na busca por minérios e matérias-primas e transformadas em países igualmente saqueados por corporações multinacionais com a mesma finalidade.
Esta continuidade modelou um cenário internacional profundamente desigual. Os países do “sul global” assumiram os gravíssimos custos ambientais, sociais e econômicos de um sistema desigual e desequilibrado que, depois da promessa não cumprida de “desenvolvimento”, deixou para trás águas poluídas, doenças nas comunidades, destruição de campos e violência contra as populações que resistem ao saque.
Por meio do projeto América Latina: entre Violência e Esperança, a Pax Christi International vem acompanhando as comunidades e organizações que resistem às práticas extrativistas em sete países (Guatemala, Colômbia, Peru, México, Paraguai, Chile e El Salvador).
O projeto busca:
a) fortalecer a capacidade das comunidades para a transformação não violenta dos conflitos provocados pelo extrativismo;
b) projetar e implementar planos locais, nacionais e mundiais de defesa;
c) fortalecer as redes de apoio na região a fim de agir de um modo coordenado, informado e apoiado na defesa dos territórios, das comunidades e da própria terra.
Essa região é expressão de um modelo econômico mundial altamente desigual. Os chamados “países do norte” (grandes centros do desenvolvimento econômico mundial como os EUA, a China, a Inglaterra, o Canadá, entre outros), de mãos dadas com corporações internacionais, perpetuam uma divisão internacional histórica do trabalho.
A região exporta matérias-primas, arcando com os custos sociais, ambientais, políticos e culturais, enquanto os produtos fabricados com estas mesmas matérias-primas são, mais tarde, exportados de volta para a região com um maior valor agregado.
Como aponta o Papa Francisco:
51. A desigualdade não afeta apenas os indivíduos mas países inteiros, e obriga a pensar numa ética das relações internacionais. Com efeito, há uma verdadeira ‘dívida ecológica’, particularmente entre o Norte e o Sul, ligada a desequilíbrios comerciais com consequências no âmbito ecológico e com o uso desproporcionado dos recursos naturais efetuado historicamente por alguns países.
“As exportações de algumas matérias-primas para satisfazer os mercados no Norte industrializado produziram danos locais, como, por exemplo, a contaminação com mercúrio na extração minerária do ouro ou com o dióxido de enxofre na do cobre. De modo especial é preciso calcular o espaço ambiental de todo o planeta usado para depositar resíduos gasosos que se foram acumulando ao longo de dois séculos e criaram uma situação que agora afeta todos os países do mundo”. [1]
Esta imposição do modelo extrativista trouxe consigo a promessa de geração de riqueza aos países exportadores, sua inserção na ordem mundial e capacidade de gerar empregos em massa. Essa promessa, no entanto, jamais se materializou. Pelo contrário, ela mostra uma série de efeitos negativos para as comunidades e os territórios. Alguns dos mais recorrentes são:
• A expansão das fronteiras agrícolas com grande dano ambiental e a destruição de áreas vitais para a biodiversidade;
• Dano aos recursos hídricos;
• Problemas recorrentes de saúde nas comunidades, como doenças respiratórias, câncer de pele, entre outros;
• Oportunidades limitadas de emprego, que normalmente visam homens como força de trabalho precário e temporário;
• Destruição das economias ancestrais;
• Mudanças nas dinâmicas sociais e culturais dos lugares onde estes projetos são realizados;
• Militarização dos territórios e criminalização das comunidades resistentes aos projetos extrativistas.
A crescente pressão contra os territórios e a vida em geral dos campesinos, indígenas e povos afrodescendentes desencadeou uma rejeição social e o surgimento de conflitos entre comunidades, empresas e estados.
Em junho de 2020, o Observatório de Conflitos Mineiros na América Latina – OCMAL registrou 277 conflitos socioambientais associados à mineração na região, dos quais cinco são transnacionais.
As comunidades têm mostrado uma resistência cada vez mais organizada à implementação destes projetos em seus territórios, uma ação que, segundo o mesmo observatório, já levou a 234 casos de criminalização dos protestos. Isso tudo também tem despertado o interesse de múltiplas organizações para a transformação destes conflitos e geração de alternativas nos territórios.
Para ler o novo relatório da Pax Christi, intitulado “Entre a covid-19 e as políticas extrativistas: impactos, desafios e alternativas para as comunidades que resistem na América Latina no Caribe”, clique aqui.
[1] Carta encíclica Laudato Si’ – sobre o cuidado da casa comum, do Papa Francisco.
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Pax Christi denuncia o extrativismo neocolonial na América Latina e no Caribe, modelo econômico mundial ‘altamente desigual’ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU