11 Agosto 2020
Sobre o batismo, é preciso evitar dois pressupostos que são quase espontâneos: que o ministro do batismo é o padre – o que não é necessário – e que, ao exercer o próprio ministério, o ministro afirma a si mesmo mais do que a autoridade de Cristo e da Igreja
O comentário é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma. O artigo foi publicado em Come Se Non, 09-08-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O “responsum” da Congregação para a Doutrina da Fé e a Nota Doutrinal que o acompanha têm chamado a atenção não só dos teólogos católicos, dos quais falei na postagem desse sábado, 8. O teólogo sistemático da Faculdade Valdense de Roma, Fulvio Ferrario, também escreveu um breve comentário que merece ser considerado e discutido.
Relato-o como o li no Facebook.
Se a fonte é confiável, alguns batismos celebrados na Igreja Católica estariam em risco de invalidez, devido ao uso do plural, “Nós te batizamos”, em vez do singular, “Eu te batizo”, pronunciado pelo padre. A tentativa de pôr o ministro em relação com a comunidade, mediante o “nós”, ofuscaria, segundo a objeção magisterial, o papel único e insubstituível do sacerdote.
É possível se perguntar se, em uma fase de descristianização galopante e com Igrejas e sociedades abaladas por questões de vida ou de morte, tal problema é verdadeiramente decisivo pastoralmente. Seria, porém, uma pergunta superficial. O questão do ministério, no debate entre as Igrejas e nas Igrejas, é na realidade a questão do poder: quem o detém e como o defende. Desde a ordenação de homens e mulheres à chamada hospitalidade eucarística, os temas mais variados devem ser referidos à pergunta sobre o poder na Igreja ou, mais precisamente, à tentativa de muitos que o detém de não abrir mão dele sequer um grama. O monopólio do sacramento é, pode-se dizer, um “sinal eficaz” do monopólio do poder. Na história do cristianismo, a Reforma protestante e as suas consequências constituem uma tentativa (uso o artigo indefinido por prudência, mas, na verdade, não conheço muitas outras) de constituir uma alternativa a tal monopólio clerical.
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Parece-me que o comentário evidencia bem um elemento paradoxal e verdadeiramente insidioso da Nota, que pode ser lida nos termos propostos por Ferrario mesmo quando, como creio, ela é animada, pelo menos em parte, precisamente pela intenção oposta.
Como não é um problema novo, mas se repropõe há pelo menos 500 anos, esse modo diferente de julgar as mesmas experiências pode ser uma ocasião de conflito ou de crescimento comum. Eu escolho essa segunda possibilidade e tento “responder”, buscando me deixar provocar até o fim pela crítica do Prof. Ferrario.
Parece-me que o texto da Nota – embora, como já assinalei nos meus posts anteriores (primeiro aqui e depois aqui), utilize argumentos que não são totalmente coerentes em seu interior e que, em alguns casos, são objetivamente fracos – tem, mesmo assim, a intenção principal de afirmar, substancialmente, não o “poder do padre”, mas sim o fato de que “o ministro do batismo não tem a autoridade sobre a forma do sacramento”.
Aqui é preciso evitar dois pressupostos que são quase espontâneos: que o ministro do batismo é o padre – o que não é necessário – e que, ao exercer o próprio ministério, o ministro afirma a si mesmo mais do que a autoridade de Cristo e da Igreja.
Em relação à “fórmula” – com a qual se identifica, de modo clássico e talvez esgotado, a continuidade com o Senhor – ninguém tem poder. Eu sei que essa afirmação só pode ser usada retoricamente e pode ser empregada para “bloquear” a tradição, mas a afirmação, por si só, é mais sobre a ausência de poder do que sobre a sua afirmação.
Certamente, as dinâmicas do poder nunca são lineares, muito menos límpidas. Manter para si todo o poder é a ilusão de todas as instituições, incluindo a Igreja. Mas, nesse caso, também pelo recurso nada banal a algumas fontes preciosas citadas pela Nota, parece-me clara a intenção de “salvaguardar a tradição na sua liberdade”. Visto que o sujeito da celebração é Cristo e a Igreja – e isso é repetido várias vezes e com textos inequívocos – o papel do “ministro” não é “substituto” ou “suplementar”.
Com efeito, o “nós” é verdadeiramente sujeito real da ação litúrgica. Como nos recordam dois textos fundamentais do Catecismo da Igreja Católica, citados na nota (n. 1.140, “Tota communitas, corpus Christi suo Capiti unitum, celebrat”, e n. 1.141, “Celebrans congregatio communitas est baptizatorum”), esse é o contexto implícito do “nós” que se torna “eu” na fórmula.
Não vejo aqui um “monopólio clerical do sacramento”, mas sim a tentativa – fatigante na linguagem e na argumentação – de manter a diferença entre Cristo e Igreja, e entre Igreja e Cristo. A função do ministro – que, no batismo, não é obrigatório que seja um ministro ordenado – é precisamente essa não identificabilidade entre Cristo e a Igreja. Eu chamaria de “pastoral” precisamente essa preocupação de manter a diferença, mesmo que a Nota tenda a chamar de pastoral, em vez disso, uma conotação subjetivista que não é nada original no termo.
Talvez justamente essa “desatenção” em relação ao verdadeiro significado do nível pastoral da questão impeça a Nota de colocar a questão da “fórmula” no contexto vital e vivaz da “forma verbal” e da “forma ritual” que, aos olhos clássicos demais dos documento, tendem a se tornar apenas quantité négligeable.
Mas paro aqui, não sem resumir tudo em uma frase de efeito, que corresponde dialeticamente às conclusões de Ferrario. Mesmo que de modo não linear, e com tantas limitações, leio na Nota não acima de tudo a ambição de “manter o poder”, mas sim a de “perder poder”. Talvez também sub contraria especie, esse me parece ser, salvo erro, a intenção subjacente do documento.
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Batismo e poder: em diálogo com Fulvio Ferrario. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU