13 Julho 2020
A hipótese de transformar o museu-basílica de Santa Sofia em mesquita corre o risco de abrir uma brecha entre o mundo ortodoxo e o papa Francisco. Acusado de um "triste silêncio" sobre o caso.
O comentário é de Simone M. Varisco, publicado por CaffèStoria, 10-07-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Novos desenvolvimentos são esperados a cada hora e os tons estão crescendo, assim como as apostas em jogo. A hipótese de transformar o museu-basílica de Santa Sofia em uma mesquita já foi apresentada várias vezes nos últimos dias, bem como as etapas que nos aguardam. O caso, ainda amplamente desconsiderado pela mídia europeia ocidental, no entanto, agora corre o risco de produzir uma fratura nas relações entre o variegado mundo ortodoxo e o Papa Francisco.
De fato, existem pelo menos dois órgãos de informação do ambiente ortodoxo que acusam o Pontífice de manter um "triste silêncio" sobre o caso. Eles são Ortodoxia.info e OrthodoxTimes.com. Aliás, este último é um portal de notícias de propriedade da World Media Orthodox Network, com sede em Atenas, criado em dezembro de 2018 como edição em inglês do portal grego Romfea e inaugurado no janeiro seguinte com o apoio do Departamento de Estado dos EUA, também na forma de apoio financeiro avaliado em US $ 100.000.
Pois bem, aquela manobra contra o Papa, mais do que uma acusação, já tem o tom de uma condenação em termos inequívocos. "O silêncio injustificado da Santa Sé e pessoalmente do Papa Francisco sobre a candente questão da transformação da emblemática igreja de Santa Sofia em mesquita causa preocupação e tristeza no mundo cristão", estampam os dois jornais. Também está envolvida a Conferência Episcopal Turca, em virtude da posição adotada nos últimos dias sobre o assunto: em favor da manutenção do status de museu de Santa Sophia, mas convencida de que a "decisão diz respeito exclusivamente à República da Turquia".
Santa Sofia, em Istambul (Foto: Unsplash)
No geral, de acordo com o que aparece nos dois órgãos de informação, "a Santa Sé fica em silêncio e os bispos católicos na Turquia estão ‘lavando as mãos’ do problema de Hagia Sophia". A sensação, conforme expresso pelo OrthodoxTimes.com, é que, nesse caso delicado, "infelizmente, pelo menos até agora, Roma continua a ser uma espectadora". Agradecemos, no entanto, são dirigidos à Conferência Episcopal Grega, cujo Sínodo se manifestou contra uma eventual decisão de Erdoğan que "ofenderia os sentimentos religiosos de dois bilhões de cristãos no mundo" e corre o risco de “criar uma maior distância entre as religiões monoteístas”.
O Papa Francisco visitou o museu-basílica de Santa Sofia em 2014, por ocasião de sua viagem apostólica à Turquia. Naquela época, o Pontífice havia se manifestado várias vezes e claramente sobre a necessidade de estabelecer um diálogo sério e sincero entre o mundo cristão e o muçulmano, com os líderes políticos também como protagonistas. Francisco havia feito isso pela primeira vez, encontrando-se com as autoridades turcas em Ancara em 28 de novembro de 2014. Naquela ocasião, o Pontífice havia definido a Turquia como um "país rico em belezas naturais e história, cheio de vestígios de civilizações antigas e ponte natural entre dois continentes e entre diferentes expressões culturais". Lembrando como, "no entanto, as razões da consideração e o apreço pela Turquia não devem se buscadas unicamente em seu passado, nos seus antigos monumentos, mas estão na vitalidade de seu presente", enfatizando particularmente seu "papel no concerto das nações”.
Dois dias depois, respondendo às perguntas dos jornalistas no voo de volta a Roma, Francisco havia falado sobre o tema "cristianofobia". “Cristianofobia: é verdade! Não quero usar palavras adocicadas, não. Nós, cristãos, somos expulsos do Oriente Médio. Algumas vezes, como vimos no Iraque, na área de Mosul [...]. Isso acontece em alguns países. É como se quisessem que não existam mais cristãos, que nada de cristão permaneça. Nessas áreas acontece isso. É verdade, é um efeito do terrorismo, no primeiro caso, mas quando é feito diplomaticamente, com as luvas brancas, é porque há algo mais por trás, e isso não é bom". Na mesma ocasião, justamente referindo-se à política, o Papa convidou a discernir a fé do uso instrumental que alguns políticos às vezes fazem dela. “Devemos sempre distinguir qual é a proposta de uma religião do uso concreto que um determinado governo faz de tal proposta. Talvez diga: ‘Eu sou islâmico – eu sou judeu – eu sou cristão’. Mas você governa seu país não como islâmico, nem como judeu, nem como cristão. Há um abismo. Essa distinção deve ser feita, porque muitas vezes é usado o nome, mas a realidade não é aquela da religião”.
Uma curiosidade. Em 28 de janeiro de 2018, o Papa Francisco visitou outra basílica de Santa Sophia, aquela romana da comunidade greco-católica ucraniana que mora na capital. Um trecho do discurso da época é particularmente atual. "A Igreja é encontro – havia dito o Pontífice - é o lugar para curar a solidão, onde vencer a tentação de isolar-se e fechar-se, onde buscar forças para superar os entrincheiramentos sobre si mesmo". Justamente a via que corre o risco de escolher agora a Turquia. O que mais há a dizer?
No dia de ontem, 12-07-2020, o Papa Francisco disse sentir 'adolorato', ou seja, dolorido, entristecido com Santa Sofia. Para mais informações veja as demais notas sobre Santa Sofia, nesta edição.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Santa Sofia e Erdogan. A informação ortodoxa chama em causa o “silêncio” do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU