20 Mai 2020
Anders Tegnell já sabe que uma de suas previsões não se cumpriu. O principal consultor científico do governo sueco calculava, no início de maio, que 40% dos residentes de Estocolmo desenvolveriam imunidade frente à COVID-19, até o final do mês. Estudos de soroprevalência realizados em vários países indicam que nenhum país atingiu esse limiar, nem mesmo os mais castigados pelo coronavírus.
A reportagem é de Iñigo Sáenz de Ugarte, publicada por El Diario, 18-05-2020. A tradução é do Cepat.
O estudo realizado na Espanha apresentou o número de 5%, sendo de 11% em Madri. Os testes realizados em 11.000 casas na Inglaterra ofereceram um número ínfimo de 0,27%. Na França, um estudo científico afirmou que 4,4% da população havia sido infectada. Nas áreas mais atingidas, como Paris, não superava 10%. A maioria dos epidemiologistas acredita que, para falar em imunidade de grupo, nada menos que 60% deve ter sido infectado e desenvolvido os anticorpos que permitiriam que não fossem afetados pela doença.
A ideia de imunidade de grupo foi uma das razões da decisão da Suécia em rejeitar as medidas drásticas de confinamento adotadas na Europa Ocidental, incluindo os outros países escandinavos. Os colégios não foram fechados, mas sim as universidades. As proibições habituais na Europa eram apenas recomendações, geralmente respeitadas pela população. Tegnell estava convencido de que o tempo lhe daria razão, o que não aconteceu até agora. “No outono, haverá uma segunda onda. A Suécia terá um alto nível de imunidade e o número de casos provavelmente será muito baixo. Mas a Finlândia terá um nível de imunidade muito baixo. A Finlândia voltará a decretar o confinamento total?”, disse ao FT.
Ninguém sabe o que vai acontecer depois do verão, mas as chances de uma segunda onda são altas. O que se sabe é o que aconteceu até agora, e o preço que a Suécia pagou é evidente. O país sofreu 3.698 mortes por coronavírus, 365 por milhão de habitantes, um nível não muito inferior ao da França e muito superior ao dos Estados Unidos. É na comparação com seus vizinhos, que promoveram o confinamento, que a Suécia se sai pior. A Noruega teve 232 mortes (43 por milhão de habitantes). Dinamarca, 547 (94 por milhão). Finlândia, 298 (54 por milhão).
Em outras palavras, os suecos podem se perguntar se 3.000 de seus compatriotas poderiam estar vivos hoje, caso as decisões do governo tivessem sido diferentes. É uma incógnita que existe em todos os países.
O ponto obscuro da realidade sueca não foi uma surpresa. Como em outros países, as casas de repouso de idosos se tornaram o local mais vulnerável. Tegnell sabia disso, com uma admissão pública, mas as medidas tomadas não tiveram o efeito desejado. Metade das mortes ocorreu em casas de repouso e 25% a mais entre os idosos que recebem atendimento domiciliar.
O governo, sindicatos e municípios (responsáveis pela gestão das residências) concordaram, na semana passada, em contratar 10.000 trabalhadores a mais para solucionar as deficiências desse setor. Segundo o sindicato Kommunal, 40% dos profissionais não eram qualificados e trabalhavam em contratos temporários de curto prazo. Se ficassem doentes, não podiam ficar em casa. Muitos não tinham o material de proteção necessário.
Tegnell pode argumentar que a imunidade do grupo nunca foi um objetivo específico de seus planos, a ferramenta com a qual superaria a pandemia. Basicamente, porque é impossível. A imunidade de grupo é uma consequência da propagação de uma epidemia por um longo período de tempo, não uma estratégia. “Não acredito que nós ou qualquer país do mundo alcance a imunidade de grupo no sentido de que a doença desapareça, porque não acredito que seja uma doença que desaparecerá”, afirmou.
Isso não exime que Tegnell e outros epidemiologistas de sua equipe pensassem que o número de pessoas infectadas seria muito maior, pelo menos na capital, e que isso seria um fardo aceitável e que teria consequências positivas posteriormente. Seus modelos epidemiológicos estimaram que, no final de abril, um terço dos residentes de Estocolmo estariam imunizados. Johan Giesecke, ex-epidemiologista chefe do país e consultor da OMS, chegou a elevar essa porcentagem para quase metade dos habitantes da capital. Isso fez com que uma alta porcentagem da população apoiasse a estratégia.
Muitos cientistas suecos denunciaram que a decisão do Governo de não repetir as medidas adotadas na Noruega e na Finlândia e manter os locais de lazer abertos era uma estratégia arriscada e quase suicida. Epidemiologistas da Universidade Johns Hopkins qualificaram como “conceito errôneo e perigoso” a ideia de buscar imunidade de grupo.
Somente uma catástrofe de dimensões ainda maiores do que as conhecidas até agora, devido ao coronavírus, poderia nos aproximar dessas porcentagens. “A ideia de que ‘bom, talvez países com medidas flexíveis e que não fizeram nada alcançarão magicamente alguma imunidade de grupo e nada acontece se perdermos algumas pessoas mais velhas ao longo do caminho’, essa ideia é realmente perigosa”, disse, em 11 de maio, Mike Ryan, diretor de Emergências de Saúde da OMS. Segundo os epidemiologistas da Johns Hopkins, perigosa a ponto de causar meio milhão de mortes nos Estados Unidos.
“Na Espanha, está em contato com o vírus pouco mais de 5% da população e temos 27.000 mortes. Imagine o que significa que seja infectada uma grande parte da população. Estamos falando de centenas de milhares de mortes”, disse Miguel Hernán, professor de Epidemiologia da Universidade de Harvard e membro do comitê de especialistas que assessora o Governo espanhol.
Em meados de março, o Governo britânico ainda acreditava que alcançar a imunidade de grupo era uma opção viável (na época, o Reino Unido tinha 800 casos de coronavírus e onze mortes). Seu principal consultor científico, Patrick Vallance, defendia essa opção em entrevistas. O aumento no número de mortos tornou isso politicamente insustentável e o Governo se rendeu às evidências. Hoje, existem 243.000 casos e 34.636 mortes.
A ausência de confinamento forçado se apresentava como outra opção favorável. A Suécia esperava que o impacto econômico fosse menor. Lá também as previsões otimistas não foram cumpridas. A queda da atividade econômica em março foi muito menor que a média europeia. A longo prazo, tudo se esfumaça. A Comissão Europeia calcula que seu PIB cairá 6,1%, neste ano, um número semelhante ao da Alemanha, um pouco melhor que o da Noruega (7,4%) e claramente melhor que o da Dinamarca (10%). O banco central sueco é mais pessimista, colocando a perda entre 7% e 10%. O desemprego chegará a 10%, um número muito alto na Suécia.
Não importou muito que as fábricas ainda estivessem abertas inicialmente. A Volvo teve que fechar suas fábricas por semanas devido à falta de peças e componentes provenientes do exterior e seu sistema de distribuição de veículos na Europa foi afetado. Uma economia exportadora como a sueca sempre será afetada por uma recessão global.
As lojas suecas permaneceram abertas. Isso não quer dizer que tinham os mesmos clientes. “As mais afetadas foram as de roupas, calçados e artigos esportivos”, explicou a associação comercial. “Metade das lojas perdeu pelo menos 40% de suas vendas. Uma em cada dez empresas perdeu 80%”. As grandes cidades sofreram uma queda maior em sua atividade econômica. Diante da crise econômica que já chegou, os consumidores optaram por economizar e comprar apenas o essencial.
Os responsáveis pela estratégia sueca sempre disseram que estamos diante de uma maratona, não de um sprint. Abusando da analogia, pode-se dizer que nas corridas de velocidade a Suécia foi claramente derrotada por seus vizinhos. Os resultados da maratona ainda estão por vir e quando chegarem, será tarde demais para mudar de estratégia.
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A Suécia apostou na imunidade de grupo e pagou um preço muito alto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU