22 Abril 2020
A pandemia de COVID-19 não compreende fronteiras, muito menos em uma região onde essas divisões foram criadas por quem veio de fora, separando povos e famílias, que nunca realmente obedeceram muito a essas separações artificiais, estabelecidas para beneficiar os conquistadores e explorar, cada vez mais, a população local.
Na Pan-Amazônia, tudo leva um pouco mais de tempo, mas também chega às áreas mais remotas. Por esse motivo, podemos dizer que a COVID-19, como mostra os números publicados diariamente pela Rede Eclesial Pan-Amazônica, está se espalhando rapidamente, rápido demais. O mesmo pode ser dito da falta de atendimento, porque em Manaus, principal foco da região de pan-amazônica, o sistema de saúde está à beira do colapso e houve casos em que os mortos e os doentes passaram a compartilhar o mesmo espaço.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
Nesse contexto, já se sabe que quem vai morrer com mais facilidade é quem não terá acesso a nenhum tipo de tratamento, os mais pobres, principalmente os povos indígenas e os habitantes da periferia, o maior percentual em praticamente todos os cidades da região e em toda a América Latina. Famílias que vivem aglomeradas em casas pequenas, sem acesso a água encanada e esgoto, onde o contágio de um membro da família, quase sempre numerosa, representa um alto risco para todos que compartilham o mesmo espaço.
Se compararmos os dados de 20 de abril com os de 20 de março, veremos como é enorme o aumento no número de casos, mortes e circunscrições eclesiásticas (este é o critério de contagem usado pela REPAM). De fato, em 20 de março, o número de casos confirmados foi de 80 e um falecido, estando presente em 19 circunscrições. Em 20 de abril, os últimos dados coletados falam de 7.349 casos, 383 mortes, em 85 dioceses, prelaturas e vicariatos, o que representa quase 90% do total. Para se ter uma ideia, de 19 a 20 de abril, o número de casos aumentou 647 e o número de falecidos, 28.
Ao mesmo tempo, há suspeitas de que os números não são reais. Os dados de Manaus servem como exemplo, onde nenhum falecido aparece no relatório de 20 de abril, o que é estranho por dois motivos. O primeiro porque, por vários dias, o número ultrapassa 10 casos por dia, alguns dias já teve mais de 20, o segundo porque morar nesta cidade leva a conhecer pessoas que realmente morreram, temos amigos ou conhecidos comuns.
Essa teoria é confirmada nas declarações que o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto, fez nesta segunda-feira, 20 de abril, onde afirmou que a cidade passou de uma média de 30 para 122 enterros diários. Muitos morrem em casa sem nenhum tratamento médico, bem como em postos de saúde e hospitais, sem nenhum teste para determinar as causas da morte. Ele também criticou a posição do presidente Bolsonaro, que com suas atitudes e palavras desmobiliza a população sobre a necessidade de ficar em casa.
É evidente o compromisso do governo brasileiro de reduzir os números e minimizar as consequências, algo confirmado após a renúncia do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em 16 de abril. A pasta foi assumida por Nelson Teich, que nunca informou sobre os números e medidas que o país está tomando para combater a pandemia, algo que sem dúvida obedece às ordens do Presidente da República, com contínuas afirmações sem sentido contradições, que quando perguntado por um jornalista sobre os mortos, em 20 de abril, ele respondeu que não é um coveiro.
No Brasil, os povos indígenas são um dos grupos mais ameaçados. 10 já morreram, segundo os movimentos indígenas, embora oficialmente a Secretaria Especial de Saúde Indígena - SESAI apenas reconheça 4, pois não consideram indígenas aqueles que, identificando-se como tal, vivem nas cidades. Os contágios vieram do exterior, como no caso dos Yanomami de Roraima, onde morreu um adolescente de 15 anos, provavelmente infectado por garimpeiros, algo proibido pela Constituição Federal, mas incentivado pelo atual governo.
De fato, uma operação para acabar com essa prática no estado do Pará, onde os garimpeiros fugiram, mas todos os seus equipamentos foram queimados, causou a demissão do diretor do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente - Ibama. Cada vez mais e mais pessoas estão se perguntando sobre as atitudes do presidente brasileiro, claramente alinhadas com aqueles que não respeitam a lei. O mesmo pode ser dito sobre o desmatamento na Amazônia, que cresceu 279% em março de 2020 em comparação com o mesmo mês do ano passado.
Em outras ocasiões, são os mesmos médicos, chegados do sul do Brasil, que infectaram os indígenas, como ocorreu no município de Santo Antônio do Iça - AM, onde um médico que não manteve as medidas de quarentena e infectou uma técnico de enfermagem indígena. Atualmente, dados oficiais falam de 10 infectados naquele município. O mesmo pode ser dito dos militares, os únicos que hoje podem viajar livremente por todo o país, chegando a regiões onde o resto da população é proibida de viajar, sendo portadores potenciais de uma doença que pode dizimar os povos indígenas, causando um verdadeiro genocídio.
Como exemplo, o que aconteceu em Roraima, onde os militares coordenam a chamada Operação Acolhida aos imigrantes venezuelanos. Como ele admitiu em um vídeo divulgado em 18 de abril, o general que comanda a operação, que está infectado pela COVID-19, embora ele diga com algum desprezo que ele está realmente sendo imunizado para ações futuras, havia 56 soldados infectados entre os membros da operação. Pior de tudo, os imigrantes nos abrigos foram infectados. Ele falou de 4 infecções, incluindo 2 crianças, algo que pode ser questionado, dado o alto número de soldados infectados.
Em 20 de abril, dentro da Semana dos Povos Indígenas, a REPAM-Brasil lançou um manifesto, assinado pelos peritos e auditores presentes na Assembléia Sinodal, em outubro de 2019, em defesa da Amazônia, onde denunciaram o espírito de lucro cada vez mais presente na região, o que leva ao etnocídio, criminalização dos movimentos sociais e de suas lideranças.
Os povos originários da Amazônia brasileira estão ameaçados pelo Projeto de Lei 191/2020, que visa regulamentar a exploração em terras indígenas de água, recursos orgânicos e minerais, como ouro e minério de ferro, e hidrocarbonetos, como petróleo e gás natural. Todas essas atividades, de acordo com a Constituição Brasileira, só podem ser realizadas com a aprovação do Congresso Nacional, após consulta às comunidades afetadas.
Tudo isso apresenta um panorama preocupante em uma região cada vez mais ameaçada. A COVID-19 é mais um motivo para a destruição da vida e uma ocasião que alguns aproveitam para acelerar esse processo que tem apenas um objetivo, o maior lucro possível para alguns. Conhecer os dados, algo que diferentes governos nem sempre fornecem, é um esforço da Igreja Católica, especialmente por meio da REPAM. Não apenas em relação a esta pandemia, também em relação ao desmatamento, mineração ilegal e tantos crimes cada vez mais invisíveis em uma região que se tornou uma terra sem lei.
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COVID-19 na Amazônia: os números aumentam e a falta de atenção também - Instituto Humanitas Unisinos - IHU