14 Abril 2020
A recente publicação de documentos relativos ao rito romano tradicional pela Congregação para a Doutrina da Fé (que sucedeu à Comissão Ecclesia Dei) provocou torvelinhos na Igreja – onde alguns gostariam de poder dizer que a liturgia tradicional estava morta. Uma carta aberta sobre “o estado de exceção litúrgica” foi publicada por Andrea Grillo, professor de teologia sacramental na Universidade de Santo Anselmo, em Roma. Vários teólogos e liturgistas a assinaram (incluindo os franceses Philippe Barras, Hélène Bricout, Pierre Vignon, François Cassingena-Trevedy e Isaïa Gazzola – a maioria do Instituto Superior de Liturgia do Instituto Católico de Paris).
Esta carta aberta suscitou a seguinte resposta do arcebispo Markus Graulich, subsecretário do Conselho Pontifício para os Textos Legislativos.
A informação é publicada por Riposte Catholique, 03-04-2020. A tradução é de André Langer.
A Carta Aberta, na qual especialistas em Liturgia pedem que sejam derrogados os dois decretos publicados no dia 25 de março pela Congregação para a Doutrina da Fé e o “retorno” à Congregação para o Culto Divino de todos os poderes concedidos à Congregação para a Doutrina da Fé em matéria de liturgia, faz parte de uma série de polêmicas, algumas das quais não foram resolvidas entre os signatários desta Carta Aberta desde a publicação do Motu proprio Summorum Pontificum.
A Carta Aberta contém várias ideias falsas (para não falar de erros), que sugerem uma falta de conhecimento ou de um conhecimento ideologicamente distorcido do assunto por parte dos autores.
O terceiro parágrafo fala de “dois ritos diferentes”: “o rito conciliar e aquele que o nega”. Esta justaposição é por si só falsa e mostra uma ignorância da intenção do Papa Bento XVI ao publicar o Motu Proprio Summorum Pontificum: ele não permitiu dois ritos paralelos, mas duas expressões do mesmo rito. A esse respeito, ele declara no artigo 1 do Summorum Pontificum: “Essas duas expressões da lex orandi da Igreja não levarão de forma alguma a uma divisão da lex credendi da Igreja; estes são de fato dois usos do único rito romano”.
Nos dois primeiros travessões da carta, a Congregação para a Doutrina da Fé aparece como não tendo competência para emitir os dois decretos e é acusada de não ter “competências históricas, textuais, filológicas e pastorais”. Esta acusação ignora duas coisas: “A regulamentação da Santa Liturgia... é da competência da Santa Sé” (cânon 838 § 1 CIC), ou seja, via de regra da Congregação para o Culto Divino. No entanto, o Papa é livre para confiar este assunto a outros Dicastérios da Santa Sé.
Pelo Motu Proprio Summorum Pontificum (art. 12), o Papa Bento XVI confiou a competência da forma extraordinária do rito romano à Comissão Ecclesia Dei (hoje uma seção da Congregação para a Doutrina da Fé), que está incluída na Congregação para a Doutrina da Fé. As competências específicas foram definidas mais detalhadamente em uma Instrução de 30 de abril de 2011, que foi aprovada pelo Papa.
Formal e juridicamente, a Congregação para a Doutrina da Fé agiu, portanto, no âmbito de suas competências e cumpriu o mandato que lhe foi confiado. Em termos de conteúdo, a Congregação para a Doutrina da Fé também é competente, seja por seus colaboradores, seja por seus consultores, que tratam de todos os assuntos de natureza teológica.
A reprovação seguinte da carta aberta, que postula uma divisão entre a lex orandi e a lex credendi na Igreja e evoca o perigo de que é inevitável “que uma forma dupla e conflitual do ritual leve a uma divisão significativa na fé”, ignora tanto a intenção do Summorum Pontificum (cf. o mencionado artigo n. 1) como o fato de o Missal de 1962 ser uma expressão da mesma fé que o Missal de Paulo VI.
Os dois decretos publicados hoje pela Congregação para a Doutrina da Fé não promovem a dualidade, mas – como solicitou Bento XVI – trabalham para o enriquecimento mútuo das duas formas do rito romano.
Sobre esse assunto, Bento XVI havia declarado em sua carta anexada ao Motu Proprio Summorum Pontificum: “Além disso, as duas Formas de uso do Rito Romano podem se enriquecer mutuamente: no antigo Missal poderão ser e devem ser inseridos os novos santos e alguns dos novos prefácios. A Comissão “Ecclesia Dei”, em conjunto com as várias entidades dedicadas ao usus antiquior, estudará quais são as possibilidades práticas”. Foi exatamente o que aconteceu agora com esses dois decretos; nem mais nem menos!
Esta medida, portanto, não se traduz em uma ruptura dentro da Igreja, mas em um enriquecimento do qual cada vez mais os fiéis estão convencidos.
Convém assinalar uma última contradição observada na carta aberta: os signatários declaram: “não faz mais sentido emitir decretos para ‘reformar’ um rito que está encerrado em uma história passada, inerte e cristalizada, sem vida e sem força. Este rito não pode ser ressuscitado”.
É precisamente o aditamento da forma extraordinária (e não – como dizem os signatários – o rito) que mostra claramente que ele não está encerrado no “passado histórico”, mas que pode se desenvolver de maneira orgânica. O fato de a forma extraordinária não ser “sem vida e sem força” é demonstrado em todos os lugares onde se pode assistir a uma celebração eucarística na forma extraordinária do rito romano. Quer seja conveniente ou não para os chamados liturgistas.
A resposta de Andrea Grillo, teólogo italiano, ao artigo acima pode ser lida aqui.
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Estado de exceção litúrgica? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU