28 Fevereiro 2020
Da cédula com o voto a “Bertoglio” aos momentos emocionantes da vestimenta do novo Papa na "Sala das lágrimas", do pingue-pongue entre Ratzinger e Biffi em 2005 à renúncia, real e suposta, dos Pontífices. O novo livro de Francesco Antonio Grana, jovem especialista em Vaticano de ilfattoquotidiano.it, é intitulado "Extra Omnes", como a frase em latim pronunciada no início do Conclave pelo mestre das celebrações litúrgicas, mas poderia ter sido chamado de "Intra Omnes" pela quantidade de anedotas e informações de bastidores que levam o leitor para dentro da reunião exclusivíssima em que apenas os cardeais que elegem o Papa são admitidos.
A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicada por La Stampa, 23-02-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
O livro, editado pela Elledici, atravessa o limiar da Capela Sistina, onde os cardeais de todo o mundo ficam trancados a chave durante dias (daí a origem do nome "cum-clave") e o mundo permanece com a respiração suspensa para observar se a fumaça branca ou preta sai da chaminé. Uma jornada que vai do Conclave de 2005 que elegeu Joseph Ratzinger até aquele de 2013 do argentino Jorge Mario Bergoglio, construído com base em memórias, confidências ou testemunhos daqueles que viveram aquele momento em primeira pessoa: os cardeais eleitores.
Capa do livro de Francesco Grana. (Reprodução)
Em uma centena de páginas se relata, por exemplo, a breve conversa realizada, dois dias antes do Conclave de abril de 2005, entre o arcebispo de Nápoles, o cardeal Michele Giordano e Joseph Ratzinger. “Se algo acontecer, o senhor não nos deixaria na mão?”, perguntava o cardeal ao então prefeito do antigo Santo Ofício e decano do Colégio cardinalício. Quase uma sondagem para ver se aceitaria uma eventual eleição. "Não pense em mim, fale isso também aos outros cardeais", foi a resposta de Ratzinger, que sempre deu seu voto ao arcebispo emérito de Bolonha, Giacomo Biffi. O único voto daquele Conclave.
Eleito Papa em quarenta e oito horas, Bento renunciou oito anos depois. E justamente a partir dessa incrível renúncia, se desenrola grande parte do livro: o autor repercorre o período de vacância até o Conclave de março de 2013, no qual os cardeais “não tinham nenhum Papa a prantear, mas apenas tinham que entender melhor e juntos o que funciona na Igreja e o que não funciona”, como disse o cardeal Óscar Rodríguez Maradiaga.
Nos capítulos seguintes são contadas as fases da eleição do pastor de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio: fatos singulares, como o voto de um cardeal confuso em “Bertoglio” (voto que depois foi anulado) ou minuciosas reconstruções da votação final que viu o cardeal argentino tomar o nome de Francisco. “Assim que foi eleito, o arcebispo de Buenos Aires foi primeiro até seu desafiante Angelo Scola para abraçá-lo. E depois para o cardeal Ivan Dias, o único cardeal presente no Conclave em uma cadeira de rodas. Ele se inclina sobre o coirmão indiano e o abraça”.
Em seguida, passa para a "sala das lágrimas", a sacristia da Sistina assim chamada porque é o local onde o papa recém-eleito pode desabafar sua emoção. O livro fala de um tempo para se vestir mais demorado do que o habitual: Francisco se recusa a usar sapatos vermelhos, roquete, capa de arminho, cruz de ouro. O cardeal Giovanni Battista Re, que liderou o Conclave, pediu ao mestre de cerimônias que batesse na porta, mas nenhum sinal veio de dentro: “’Monsenhor – insiste Re - bata, bata mais forte. O mundo aguarda o novo Papa”. Bergoglio sai vestido simplesmente com uma batina branca e com sua cruz peitoral no pescoço, a mesma que sempre usou em Buenos Aires e que continua a usar até hoje. Simplesmente destacou o cordão cardinalício, vermelho e dourado, e prendeu sua cruz à antiga corrente de metal. Ele a havia colocado no bolso da batina antes de sair da sala que lhe fora destinada na Casa Santa Marta para pegar o ônibus que o levaria à Capela Sistina”.
Ao sair, relata Grana, os conclavistas alinhados para ato de obediência "olham intensamente" para o novo Sucessor de Pedro, que "permanece de pé, sem se sentar no trono colocado no centro bem embaixo do Juízo Final de Michelangelo". "Enquanto isso, um mestre de cerimônias pontifício abre as portas da Capela Sistina e se dirige aos presentes que esperavam do lado de fora, na Sala Regia, e que ainda não sabiam quem havia sido eleito, sem revelar o nome do novo Papa profeticamente afirma: ‘Não mudou um mundo. Mudou o mundo’”.
Como em uma cena da série "The New Pope", o livro também descreve a entrada na Sistina de D. Angelo Becciu, na época substituto da Secretaria de Estado. O prelado da Sardenha “não consegue ver lá do fundo o recém-eleito e, enquanto olha para os possíveis candidatos da véspera e ainda os vê todos vestidos de vermelho, sente-se puxado pelo braço. É o cardeal Antonio Maria Vegliò que lhe pergunta: ‘Excelência, como foi o Milan ontem à noite?’. ‘Venceu, Eminência’, responde Becciu, que pergunta: ‘Quem vocês elegeram?’. ‘Bergoglio’.
Becciu recordou aqueles momentos durante a apresentação de "Extra Omnes" em 17 de fevereiro, em Roma, junto com o ex-mestre de cerimônias pontifício Monsenhor Piero Marini, presidente do Comitê dos Congressos Eucarísticos Internacionais, e ao Presidente de Santo Egídio Marco Impagliazzo. Lembrando a "trepidação e alegria" de sete anos atrás, o atual prefeito das Causas dos Santos também revelou o primeiro encontro pessoal com Francisco em Santa Marta, em uma sala submersa por envelopes de cartas a serem abertos "sem abridores de cartas”. “Havia duas cadeiras: uma cheia de livros e a outra livre. Eu digo: ‘Santidade, vou tirar os livros’. ‘Não, não, vou me sentar na cama.’ O Papa ... na cama ... uma novidade! Francisco se revelou em sua espontaneidade”.
Durante a apresentação, Marini também compartilhou histórias pessoais, como a do "suéter preto" usado por Ratzinger sob a batina branca e que "não tive coragem de pedir para que ele tirasse" e que o mundo inteiro viu quando o papa levantou os braços na Loggia das bênçãos. Impagliazzo voltou no tempo, contando detalhes da eleição de João Paulo II, que gostaria de ser chamado "Estanislau" e o "choque dos comunistas" ao ver um prelado polonês se tornar Papa.
João Paulo II também é mencionado no capítulo e "Extra Omnes", dedicado à renúncia dos Papas. Antes de Bento, que assumiu o título inédito de "Papa Emérito", o antecessor meditou por um longo tempo sobre a renúncia, dado o progresso implacável do mal de Parkinson, mas decidiu ficar. Antes, foi Pio XII quem deixou por escrito que voltaria a ser cardeal se capturado pelos nazistas, e Paulo VI escreveu duas cartas de demissão caso se tornasse incapacitado. Por fim, Francisco, que, quando perguntado como ele se comportaria se não pudesse mais governar a Igreja, respondeu: “Eu faria o mesmo que Bento! Rezaria muito, mas faria o mesmo”.
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De Ratzinger que vota Biffi à cédula com o nome "Bertoglio", em um livro os bastidores de dois conclaves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU