21 Outubro 2019
O Sínodo é um dom precioso do Espírito para a Amazônia e para toda a Igreja, tanto do ponto de vista teológico e pastoral como para a inevitável tarefa de cuidar da casa comum. É um kairós, tempo de graça, uma oportunidade favorável para que a Igreja se reconcilie com a Amazônia. Este é o fio vermelho que une os doze relatórios dos círculos menores apresentados na Sala Sinodal, na quinta-feira pela tarde.
A reportagem é publicada por Vatican News, 18-10-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Todos os textos lidos publicamente expressam a esperança de que na Amazônia se desenvolva um novo caminho sinodal e que desde a assembleia de bispos no Vaticano saia uma ardente paixão missionária, típica de uma verdadeira Igreja em saída. A esperança é que o “bem-viver” amazônico se encontre com a experiência das Bem-Aventuranças: de fato, à luz da Palavra de Deus, chega a sua plena realização. Há muitas e variadas propostas concretas dos distintos círculos que querem destacar: o Sínodo atual não é apenas regional, mas universal, o que ocorre na Amazônia afeta a todo o mundo.
Um imperativo para a Igreja é escutar o grito do povo e da terra; não calar, colocar-se do lado dos pobres para não se equivocar, isso é, “basta de violência”. Essa última na Amazônia tem várias caras: violência nas prisões superpovoadas; abuso e exploração sexual; violação dos direitos dos povos indígenas; assassinato de defensores dos territórios; o tráfico de drogas e o narcotráfico; extermínio da população juvenil; tráfico humano; feminicídio e cultura machista; genocídio, biopirataria e etnocídio: todos os males que há de se combater porque matam a cultura e o espírito. É clara a condenação da violação extrativista sistemática e o desmatamento. De fato, alguém já destacou o vínculo entre o abuso dos mais fracos e o abuso da natureza. Entre as diversas emergências destacadas, se deu um amplo espaço ao tema da crise climática.
São os nativos os que pagam o preço mais alto com sua vida, porque não são assistidos, não estão protegidos em seus territórios. Por isso, mais de um Círculo Menor pediu a criação de um Observatório Internacional de Direitos Humanos, na convicção de que a defesa dos povos e da natureza deve ser uma prerrogativa da ação eclesial e pastoral. Também se sugere que as paróquias criem espaços seguros para as crianças, os adolescentes e as pessoas vulneráveis. Se reafirma o direito à vida de todos, desde a concepção até a morte natural.
A Igreja – acrescenta um dos informes – tem a tarefa de acompanhar o trabalho dos defensores de direitos humanos, frequentemente criminalizados pelas autoridades públicas. Ao mesmo tempo, no entanto, deve evitar se parecer a uma ONG. Esse risco, junto com o risco de se apresentar em uma qualidade puramente ritualista, prova frequentemente a fuga de muitos fiéis que buscam respostas a sua sede de espiritualidade nas seitas religiosas ou outras confissões. Dos Círculos Menores surge a petição de prosseguir com maior energia o diálogo ecumênico e inter-religioso com a proposta de dois centros de comparação, um na Amazônia e outro em Roma, entre os teólogos da RELEP (Rede de Estudos Pentecostais Latino-americanos) e os teólogos católicos.
Se convocou um ministério de presença que evite o clericalismo. Neste sentido, se anima um maior protagonismo dos leigos. Quase todos os Círculos Menos pediram uma compreensão mais profunda do significado de “Igreja ministerial”, ou seja, uma Igreja onde coexistem a corresponsabilidade e o compromisso dos leigos. O Círculo Espanhol A pede, por exemplo, que os homens e as mulheres recebam ministérios de maneira equitativa, evitando, no entanto, o risco de clericalizar os leigos. A nível geral, se propõe uma cuidadosa reflexão sobre os ministérios do laicato e acolitado também às mulheres, religiosas ou leigas, adequadamente formadas e preparadas.
O tema da mulher está presente em mais de uma relação com a petição de reconhecer, inclusive em papéis de maior responsabilidade e liderança, o grande valor que oferece a presença da mulher em seu serviço específico à Igreja na Amazônia. Por exemplo, no lugar do trabalho, nos pedem que seja garantido o respeito dos direitos das mulheres e a superação de qualquer tipo de estereótipo. A maioria dos Círculos Menores pediram que se preste atenção ao tema do diaconato para as mulheres desde a perspectiva do Vaticano II, tendo em conta que muitas das funções deste ministério já são realizadas por mulheres na região. Em mais de uma intervenção se sugeriu que se dedique ao tema em outra assembleia de bispos, onde talvez se dê poder de voto às mulheres.
Um Sínodo ad hoc universal também foi sugerido sobre o assunto viri probati. Sobre esse assunto, as perspectivas diferem de um grupo de trabalho para outro. Se enfatiza que o valor do celibato, um presente oferecido às comunidades indígenas, não está em discussão, o Círculo Italiano A adverte contra o risco de que esse valor seja enfraquecido ou que a introdução de viri probati possa perder o impulso missionário da Igreja universal a serviço das comunidades mais remotas. A maioria dos relatórios, principalmente os de língua Espanhola e Portuguesa, apontam para uma Igreja "presença" e não "visitante", expressa seu apoio à presença ao presbiterado de homens casados com virtudes, respeitados e, preferencialmente, indígenas escolhidos pelas comunidades de origem, mas sob condições específicas. Ressalta-se que esses sacerdotes não devem ser considerados de segunda ou terceira categoria, mas como verdadeiras vocações sacerdotais. Se não, se esquece o drama das muitas populações que os sacramentos chegam atualmente uma ou duas vezes por ano na Amazônia, também foi solicitado que se reforçasse nas comunidades locais a conscientização de que não apenas a Eucaristia, mas também a Palavra, representa um alimento espiritual para os fiéis.
Considerando a amplitude do território pan-amazônico e a escassez de ministros, foi levantada a hipótese da criação de um fundo regional para a sustentabilidade da evangelização. Além disso, o Círculo Italiano A expressa “perplexidade” pela “falta de reflexão sobre as causas que levaram à proposta de alguma forma superar o celibato sacerdotal, como expresso pelo Concílio Vaticano II e pelo Magistério sucessivo”. Ao mesmo tempo, se espera que haja uma formação permanente no ministério para configurar o sacerdote para Cristo, e se exorta o envio de missionários, que atualmente exercem seu ministério sacerdotal no norte do mundo, para a Amazônia. Diante da crise vocacional, os Círculos Menores veem uma diminuição substancial na presença de religiosos na Amazônia e esperam uma renovação da vida religiosa que, com o impulso da Confederação Latino-Americana de Religiosos (CLAR), seja promovida com ardor renovado, especialmente no que se refere à vida contemplativa. Os olhos também se concentraram na formação dos leigos: que sejam integrais e não apenas doutrinários, mas também querigmáticos, fundamentados na doutrina social da Igreja e que levem à experiência e ao encontro com o Ressuscitado. Ao mesmo tempo, propõe-se fortalecer a formação de padres: que não seja apenas acadêmica, mas que seja desenvolvida nos territórios amazônicos e preveja experiências concretas da Igreja na saída, ao lado das pessoas que sofrem, nas prisões ou nos hospitais. Também foi solicitado que seminários indígenas fossem estabelecidos, onde a teologia local pudesse ser estudada e aprofundada.
Os Círculos Menores também pedem a consolidação de uma teologia e de uma pastoral com rosto indígena. O diálogo intercultural e a inculturação não devem ser entendidos como antitéticos. A tarefa da Igreja não é decidir pelo povo amazônico ou assumir uma posição de conquista, mas acompanhar, caminhar juntos em uma perspectiva sinodal de diálogo e escuta. Por exemplo, houve progresso na proposta de introduzir um "rito amazônico" que permite o desenvolvimento espiritual, teológico, litúrgico e disciplinar da riqueza única da Igreja Católica na região. Conforme explicado em um dos relatórios, "os símbolos e gestos das culturas locais podem ser valorizados na liturgia da Igreja na Amazônia, preservando a unidade substancial do rito romano, uma vez que a Igreja não deseja impor uma rígida uniformidade aos o que não afeta a fé ". Também foi sugerida a promoção do conhecimento da Bíblia, favorecendo sua tradução para os idiomas locais. Nessa perspectiva, foi proposta a criação de um Conselho Eclesial da Igreja Pan-amazônica, uma estrutura eclesiástica ligada ao CELAM e conectada à REPAM e às Conferências Episcopais dos países amazônicos. “A visão de mundo da Amazônia - afirma-se em um dos relatórios - tem muito a ensinar ao mundo ocidental dominado pela tecnologia, muitas vezes a serviço da idolatria do dinheiro”. O povo da Amazônia considera seu território sagrado, então deveria incentivar uma reflexão sobre o valor espiritual do bioma, a biodiversidade e o direito à terra, por outro lado, a proclamação do Evangelho e a originalidade da vitória de Cristo sobre a morte, com respeito à cultura dos povos, deve ser considerado um elemento essencial para abraçar e entender a cosmovisão amazônica.
O missionário está chamado a se despojar da mentalidade colonialista, a superar os preconceitos étnicos, a respeitas os costumes, os ritos e as crenças. As manifestações com as quais os povos expressam sua fé – pedem os Círculos Menores – devem ser apreciadas, acompanhadas e promovidas. Também se sugeriu a criação de um Observatório sócio-pastoral pan-amazônico em coordenação com o CELAM, as comissões diocesanas de justiça e paz, a CLAR e a REPAM. Devem ser reconhecidas as luzes e as sombras na história da Igreja na Amazônia. Há que distinguir entre Igreja “indigenista”, que considera os povos indígenas como receptores passivos de pastoral, e a Igreja indígenas, que os entende como protagonistas de sua própria experiência de fé, segundo o princípio “Salvar a Amazônia com a Amazônia”. Também é importante valorizar o luminoso exemplo dado por muitos missionários e mártires que na Amazônia deram sua vida pelo amor ao Evangelho. O Círculo Espanhol A propõe alentar os processos de beatificação dos mártires da Amazônia.
Nos textos lidos na Sala não se esquece as populações em isolamento voluntário e se pede que sejam acompanhadas pelo trabalho de equipes missionárias itinerantes. Também há espaço para o tema da migração, especialmente juvenil. Hoje em dia, 80% da população da Amazônia está nas cidades. Se trata de um fenômeno que com frequência tem como efeitos negativos a perda da identidade cultural, a exclusão social, a desintegração ou a desestabilização familiar. A evangelização dos centros urbanos é, portanto, cada vez mais urgente, porém a pastoral deve se adaptar às circunstâncias, sem esquecer as favelas, as periferias e as realidades rurais. Também há uma necessidade urgente de uma renovada pastoral juvenil. Na frente pedagógica, se pede à Igreja que promova decididamente a educação intercultural bilíngue e que fomente uma aliança de redes universitárias especializadas na ciência da Amazônia e na educação superior intercultural para os povos indígenas.
A dimensão ecológica é central nas relações dos Círculos Menores onde se reafirma que a Criação é uma obra mestra de Deus, que toda a criação está relacionada. Se pede para não esquecer que “uma verdadeira conversão ecológica começa na família e passa por uma conversão pessoal, pelo encontro com Jesus”. A partir desta premissa, é imperativo abordar as questões mais práticas, como o aumento da temperatura ou o contraste às emissões de CO2. Se alenta um estilo de vida mais sóbrio e a tutela de bens preciosos incomparáveis como a água, um direito humano fundamental que, se for privatizada ou contaminada, pode colocar em perigo a vida de comunidades inteiras. Também se evidencia o valor das plantas medicinais, assim como o desenvolvimento de projetos sustentáveis, através de cursos que conduzam ao conhecimento dos segredos e da sacralidade da natureza, segundo a visão amazônica. Alguns círculos propõem desenvolver projetos de reflorestamento no âmbito de escolas de formação em técnicas agrícolas.
Neste contexto se insere uma dupla proposta de incluir o tema da ecologia integral nas diretrizes das Conferências Episcopais e de incluir na Teologia Moral o respeito pela Casa Comum e os pecados ecológicos, também através da revisão dos manuais e rituais do Sacramento da Penitência. A humanidade – reconhecem alguns padres sinodais – avança para o reconhecimento da natureza como sujeito de direito. “A visão utilitária antropocêntrica é obsoleta e o homem já não pode submeter os recursos da natureza a uma exploração ilimitada que põe em perigo a própria humanidade. É necessário contemplar o imenso conjunto de formas de vida do planeta em relação umas com as outras, promovendo também um modelo de economia solidária e estabelecendo um ministério para o cuidado da Casa Comum, como propõe o Círculo Português B.
Por último, uma série de relatórios deram cabo ao tema dos meios de comunicação. Se anima às redes de comunicação católica a colocar a Amazônia no centro de sua atenção, para difundir boas notícias e denunciar todo tipo de agressões contra a Mãe-Terra, e anunciar a verdade. Também se propôs a utilização das redes sociais para a rádio web, a web TV, e a radiocomunicação a fim de difundir as conclusões deste Sínodo. A esperança é que o rio do Sínodo, com a força do “rio Amazonas”, transborde com os muitos dons e ideias que se ofereceram à reflexão dos padres que interviram na Sala Sinodal e que desta experiência de caminhar juntos possam surgir novos caminhos para a evangelização e a ecologia integral.
Os relatórios podem ser acessados na íntegra, neste link.
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Apresentados os relatórios dos Círculos Menores do Sínodo Pan-Amazônico. Uma síntese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU