24 Setembro 2019
Encontro no Vaticano provocou uma tempestade política no Brasil, enquanto bispo nega que isso possa minar o governo.
A reportagem é de Tom Phillips, publicada por The Guardian, 23-09-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A Oração de São Francisco acolhe os fiéis na catedral ribeirinha de Adolfo Zon, neste longínquo posto avançado da Amazônia: “Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz”. Mas quando o bispo de 63 anos partir do seu santuário na Amazônia nesta semana e embarcar em um avião para Roma, ele estará viajando para a vanguarda de uma disputa política ardente entre um papa argentino de esquerda e de espírito verde e o presidente de extrema-direita do Brasil, Jair Bolsonaro, um cético climático.
“Devemos usar, mas não abusar da Amazônia”, disse Zon, deixando poucas dúvidas sobre de que lado ele está.
Bispo espanhol do Alto Solimões, uma vasta diocese ao longo da tríplice fronteira do Brasil com o Peru e a Colômbia, Zon é um dos mais de 100 bispos de nove países amazônicos que se preparam para se reunir no Vaticano para o Sínodo da Amazônia.
O “conclave” de três semanas convocado pelo Papa Francisco, que começa no dia 6 de outubro, tem a tarefa de refletir sobre o futuro da Igreja em uma região ampla e complexa, onde ela está rapidamente perdendo fiéis para as congregações pentecostais.
Entre as medidas controversas a serem discutidas estão a permissão de ordenar homens casados mais velhos e a aceleração da formação de padres indígenas.
“Quanto mais pudermos estar fisicamente presentes, mais significativa será a nossa presença”, disse Zon durante uma entrevista depois da missa, em sua varanda com vista para o rio Solimões.
Mas é o “foco verde” do encontro que desencadeou uma tempestade política no Brasil, que controla cerca de 60% da região amazônica e, desde janeiro, é governado por uma administração de extrema-direita que desmantelou as proteções ambientais e provocou uma dramática onda de desmatamento no país.
O serviço de inteligência do Brasil (Abin) já foi mobilizado em pelo menos quatro cidades da Amazônia para acompanhar o clero envolvido no sínodo.
“Estamos preocupados e queremos neutralizar isso”, disse o general Augusto Heleno, ministro de Segurança Institucional de Bolsonaro, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo em fevereiro. O jornal afirmou que o governo de Bolsonaro estava ansioso com a “agenda esquerdista” do Sínodo e o seu potencial de constranger o Brasil no cenário mundial.
Outro influente general brasileiro, Eduardo Villas Bôas, afirmou que o Sínodo “certamente seria explorado por ambientalistas” e prometeu que o Brasil não toleraria “interferências” estrangeiras em seus assuntos domésticos.
Bolsonaro – que nominalmente é católico, mas se alinhou com setores conservadores da Igreja pentecostal do Brasil – pouco fez para ocultar seu próprio descontentamento.
Em junho, ele respondeu com irritação depois que o papa criticou “a mentalidade cega e destrutiva” daqueles que destruíram a floresta tropical. “O Brasil é a virgem que todo tarado de fora quer”, disse Bolsonaro aos repórteres.
Zon, que vive na região há quase metade da sua vida, tentou ignorar relatos de que ele havia se tornado alvo do serviço de inteligência do Brasil. “Eu tenho amigos na Abin”, riu.
Ele também negou que o Sínodo tenha sido projetado para minar Bolsonaro. “Este é o meu governo. Por que eu iria querer prejudicá-lo?”
Mas as tensões aumentaram nas últimas semanas depois do clamor internacional diante dos incêndios na Amazônia, que viu uma revista rotular o presidente do Brasil como “BolsoNERO”.
Em agosto, os bispos brasileiros condenaram o seu tratamento em uma carta aberta que dizia: “Lamentamos imensamente que hoje, em vez de serem apoiadas e incentivadas, nossas lideranças são criminalizadas como inimigos da pátria”.
A carta não fazia referência explícita a Bolsonaro, mas condenava “a agressão violenta e irracional à natureza” e a “destruição inescrupulosa da floresta que mata a flora e a fauna milenares com incêndios criminosamente provocados”.
Erwin Kräutler, bispo emérito da região amazônica do Xingu, disse ao Guardian que os incêndios deste ano eram “um verdadeiro apocalipse”, do qual Bolsonaro era o culpado.
Os apoiadores de Bolsonaro reagiram ao que retratam como um complô de esquerda para humilhar o seu líder e minar a soberania brasileira sobre a Amazônia.
Em uma série de vídeos conspiratórios, o blogueiro bolsonarista Bernardo Küster retratou os bispos ligados ao Sínodo como intrometidos teólogos da libertação alinhados com esquerdistas brasileiros proeminentes, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O documento preparatório do Sínodo, Instrumentum laboris, era uma coleção “desastrosa” de “porcarias da ecoteologia”, acrescentou Küster.
Mauricio López, secretário executivo do grupo responsável pela compilação desse documento – a Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam) – negou que o Sínodo seja anti-Bolsonaro.
“Nós não somos o inimigo”, insistiu López, afirmando que a cúpula foi projetada para denunciar “estruturas opressivas e desigualdades” na Amazônia.
“Não se trata de enfrentar nenhum governo – na verdade, queremos colaborar”, acrescentou López, manifestando o alerta pelo aumento do desmatamento e pela difícil situação dos povos indígenas da Amazônia.
“Trata-se do futuro dessas comunidades [amazônicas] e também, no fim das contas, do futuro do planeta.”
Joaquín Humberto Pinzón, bispo da Amazônia colombiana, disse que os ataques ao Sínodo refletem como os poderosos atores políticos e econômicos estão descontentes com os esforços para aumentar a conscientização sobre a importância ecológica da Amazônia. “Isso não combina com eles – nem com os políticos, nem com os empresários, nem com os donos das grandes empresas de mineração”, disse Pinzón.
Zon foi religiosamente diplomático, não mencionando o nome Bolsonaro sequer uma vez.
“O Sínodo é um ato político – mas com ‘p’ minúsculo. Ele não é partidário”, afirmou. “A Igreja não é contra ninguém. É contra a injustiça.”
Mas a preocupação de Zon com a abordagem populista do Brasil era palpável quando ele descreveu como décadas de avanços sociais estavam agora “desmoronando”.
“Hoje, para mim, estamos perdidos politicamente – no Brasil e no mundo. Não me diga que os Estados Unidos são um modelo – nem a Inglaterra”, disse Zon.
“Eu espero que as coisas mudem, [porque] hoje me parece, pelo pouco que eu sei da história, como nos anos 1920 de novo, que foi a base para a chegada do fascismo.
“Por que a extrema direita está crescendo hoje? Porque as pessoas estão procurando por um salvador”, refletiu Zon, enquanto olhava através de uma das vias aquáticas mais poderosas do mundo.
“Mas os salvadores são perigosos. Até agora, só tivemos um – e onde ele acabou? Na cruz.”
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Amazônia: Bolsonaro tem como alvo a Igreja Católica e sua “agenda esquerdista”, segundo jornal inglês - Instituto Humanitas Unisinos - IHU