18 Setembro 2019
“A renovação do Pontifício Instituto para as Ciências do Matrimônio e da Família foi uma escolha corajosa destinada a restituir à Igreja a capacidade de uma nova ação evangelizadora.”
A opinião é do teólogo italiano Giannino Piana, ex-professor das universidades de Urbino e de Turim e ex-presidente da Associação Italiana dos Teólogos Moralistas, em artigo publicado em Viandanti, 17-09-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Gerou um grande alvoroço a recente história das mudanças ocorridas no âmbito do Pontifício Instituto Teológico João Paulo II para as Ciências do Matrimônio e da Família, com sede em Roma, na Pontifícia Universidade Lateranense.
Acima de tudo, foi submetido à revisão o plano de estudos, com a introdução de novas disciplinas; mas também não faltaram intervenções de caráter estrutural relativas ao ordenamento dos vários níveis acadêmicos e (um ponto sensível!) algumas pequenas (e, aliás, motivadas) rotações do corpo docente.
As reações de alguns ambientes eclesiásticos particularmente conservadores logo se fizeram sentir, com a difusão às vezes até de notícias falsas e sectárias, deliberadamente postas em circulação para desacreditar os novos responsáveis do instituto, particularmente o grão-chanceler e o diretor.
O que provocou as maiores queixas, mais ainda do que os conteúdos doutrinais ou a configuração geral dos cursos, foi a demissão (assim ela foi entendida) de dois professores, José Noriega e Livio Melina, bem como a não confirmação de cursos para outros professores.
Em uma carta de protesto enviada aos responsáveis do instituto, assinada pelos colaboradores do “Dizionario su Sesso, Amore e Fecondità” [Dicionário sobre sexo, amor e fecundidade] (Siena: Cantagalli, 2019) – dicionário do qual o Pe. Noriega foi o principal organizador –, eles falam de “remoção do cargo” dos dois professores, para a qual parece não haver “nenhum motivo de caráter científico-acadêmico, muito menos doutrinal e disciplinar”.
Na realidade, não é bem assim. O Pe. Noriega foi demitido porque se tornou superior geral da sua congregação, cargo incompatível por estatuto com a docência no instituto, enquanto o Pe. Livio Melina perdeu o seu ensinamento simplesmente porque a disciplina que ele ensinava, isto é, Teologia Moral Fundamental, foi removida da grade curricular, por ser pressuposta como necessária para a admissão nos cursos de Licenciatura e de Bacharelado.
Quanto aos outros professores, tratou-se de um alarme falso, pois a ausência da sua disciplina nos programas de ensino se referia apenas ao ano atual, e tais programas (com os respectivos professores) teriam sido inseridos nos anos seguintes.
Mas, além das polêmicas levantadas, vale a pena considerar, sobretudo, a renovação da configuração dada ao plano de estudos, tanto no nível metodológico, quanto dos conteúdos.
A preocupação que está na base da reforma foi bem expressada pelo diretor, Mons. Pierangelo Sequeri, que, em uma entrevista concedida ao jornal Avvenire, afirmou que o objetivo buscado era a “constituição de um sujeito acadêmico capaz de dialogar, de modo competente e sem sujeição, com as novas fronteiras e as dialéticas internas aos impetuosos desenvolvimentos das Ciências Humanas”.
A resposta a essa reivindicação, em primeiro lugar, é fornecida pela relevância atribuída, em nível epistemológico, à relação com as Ciências Humanas que estudam o matrimônio e a família. A possibilidade concreta da ativação de um verdadeiro diálogo, que introduza uma forma de interdisciplinaridade na reflexão antropológica e teológica, é constituída pela introdução na grade curricular de disciplinas que se referem às diversas Ciências Humanas – da sociologia da família e da infância à história e cultura das instituições familiares; do direito comparado da família e da demografia à psicologia e psicopatologia dos laços familiares, até à política e economia da família (sem falar dos cursos principais) – destinadas a fornecer à reflexão teológica novos instrumentos interpretativos que lhe permitam se defrontar frutuosamente com a cultura do atual momento histórico.
Com razão, os atuais responsáveis do instituto insistem em enfatizar a continuidade dos programas atuais com os do passado, observando que se trata apenas de uma ampliação da reflexão sobre a família.
No entanto, não se pode negar que essa continuidade tem um caráter aberto e dinâmico – que, aliás, está em plena conformidade com o critério interpretativo que deve guiar o debate com toda a tradição eclesial – e que o modelo de referência no qual a reforma se inspira é o ensinamento magisterial da Amoris laetitia do Papa Francisco; modelo – é Sequeri ainda que destaca isto na entrevista citada – “que deve orientar a inteligência teológica e pastoral da condição familiar”.
A adesão a este último modelo implica um indubitável avanço no aprofundamento das temáticas relativas ao matrimônio e à família. Mesmo no respeito pela fidelidade em relação ao magistério anterior, em particular o do Papa João Paulo II –, fidelidade que nunca deve ser repetitiva, mas criativa –, há indubitavelmente novidades importantes no documento papal.
No texto da carta com a qual o Papa Francisco nomeou o arcebispo Vincenzo Paglia, presidente da Pontifícia Academia para a Vida, como grão-chanceler do instituto, emergem claramente tais novidades. Além do debate com “os desafios da cultura contemporânea” e da abertura privilegiada em relação às “fronteiras”, o pontífice insiste na importância de que, “no estudo teológico, nunca desapareça a perspectiva pastoral e a atenção às feridas da humanidade”.
Uma verdadeira mudança de perspectiva, que certamente não contradiz os valores que foram postos, desde o início, na base dos programas do instituto, mas que amplia o seu horizonte de aplicação e fornece novos destinos que o Papa Francisco não deixa de assinalar ainda na carta dirigida a Dom Paglia: do cuidado pela dignidade da pessoa humana nas diversas idades da existência ao respeito mútuo entre gêneros e gerações; da defesa da dignidade de cada ser humano individual à promoção de uma qualidade de vida humana que integre o valor material e espiritual, na perspectiva de uma autêntica “ecologia humana”, que ajude a redescobrir o equilíbrio original da criação entre a pessoa humana e todo o universo.
E tudo isso assumindo como critério prioritário a opção pelos pobres e pelos sofredores, na consciência de que “curvar-se sobre as feridas do ser humano para compreendê-las, tratá-las e curá-las é tarefa de uma Igreja confiante na luz e na força de Cristo ressuscitado”.
Voltando às pesadas reações mencionadas no início, fica evidente, à luz das novas diretrizes programáticas, que o verdadeiro alvo das críticas é o magistério do Papa Francisco. As polêmicas levantadas em torno do capítulo oitavo da exortação apostólica Amoris laetitia em ambientes conservadores também revelaram, frequentemente, o alinhamento de professores do instituto.
O próprio dicionário citado se insere no contexto de uma operação de amplo alcance, destinada a colocar sob processo algumas diretrizes doutrinais e pastorais do atual pontífice. O medo (injustificado) de que desapareçam alguns princípios fundamentais da tradição moral cristã, o excesso de espaço dado à misericórdia, com o perigo (este também totalmente injustificado) de que se indultem atitudes laxistas e a diversidade de posições em relação a algumas intervenções do Papa João Paulo II sobre os temas do matrimônio e da família são elementos igualmente postos em causa para justificar a dissidência.
Enquanto são totalmente infundadas as primeiras objeções – o Papa Francisco certamente não põe em discussão os princípios doutrinais tradicionais e não deixa de propor com radicalidade o ideal evangélico – é mais justificada, ao contrário, a objeção à descontinuidade do magistério do papa atual em relação ao magistério do Papa João Paulo II.
Afloram aqui sensibilidades diferentes que dão origem a ênfases e destaques diferentes na abordagem das questões sobre a mesa; ênfases e destaques que, embora não afetando a substância doutrinal, implicam, no entanto, uma certa virada no campo pastoral. Essa é a verdadeira razão da dureza dos ataques, que, nos últimos anos, se concentraram na própria figura do pontífice.
A renovação do Instituto para as Ciências do Matrimônio e da Família, que se move – como já se lembrou – no leito do magistério do Papa Francisco, foi, portanto, assumida como alvo. A escolha de assumir as reivindicações desse magistério não podia deixar de provocar tensões e enrijecimentos.
De qualquer forma, trata-se de uma escolha corajosa destinada a restituir à Igreja a capacidade de uma nova ação evangelizadora. Uma ação capaz de restaurar credibilidade e eficácia à mensagem cristã sobre o matrimônio e sobre a família e, ao mesmo tempo, de ir ao encontro das situações difíceis, recorrendo ao remédio da misericórdia.
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Instituto João Paulo II para a Família. Uma mudança para dialogar com as Ciências Humanas. Artigo de Giannino Piana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU