13 Junho 2019
Aqueles que solicitam um visto para os Estados Unidos, independentemente do motivo da viagem e da duração, agora devem informar previamente quais redes sociais utilizaram nos últimos cinco anos, e até os números de telefone com os quais foram comunicados nesse período, o que obviamente atenta contra a liberdade de expressão e associação e o direito à privacidade.
A reportagem é de Mirko C. Trudeau, publicado pela Alai, 10-06-2019. A tradução é do Cepat.
A nova disposição faz parte de uma ordem executiva emitida pelo presidente Donald Trump, intitulada "Proteja a nação da entrada de terroristas estrangeiros nos Estados Unidos", e se baseia na crença de que todos aqueles que querem viajar para os Estados Unidos são potencialmente terroristas. A ação compromete a privacidade e a liberdade de expressão de milhões de pessoas que viajam para os Estados Unidos todos os anos, assim pensa a Internet Association, que representa megaempresas como Facebook, Google e Twitter.
Curioso: na base da Estátua da Liberdade, na entrada de Nova York, há um poema de Ema Lazarus que diz: "Dê-me seus cansaços, seus pobres, suas multidões superlotadas ansiosas para respirar livremente". Seu significado foi quebrado ao longo de várias presidências, mas Donald Trump terminou de transformá-lo em pó, diz Gustavo Veiga.
A ACLU observou que entre 2008 e 2010 foram examinados os dispositivos eletrônicos de 6.671 viajantes, dos quais quase 3.000 eram nacionais estadunidenses. A iniciativa de solicitar contas de rede foi anunciada no ano passado e desde então tem sido criticada. Cerca de 80 milhões de pessoas viajam anualmente para os Estados Unidos.
Não seria a primeira vez que alguém é impedido de entrar no país por um tuíte fora de contexto. Um jovem irlandês e seu amigo britânico foram presos em 2012 na alfândega e retornaram à Europa por um tuíte no qual diziam que estavam viajando para os Estados Unidos para "destruir a América". Referiam-se a festejar, romper a noite. Neste caso, o usuário do Twitter foi alvo de uma denúncia anônima, de acordo com a Forbes, mas agora nem precisaria de uma queixa. Bastará bisbilhotar um pouco.
Até agora, para conceder um visto de entrada, os Estados Unidos exigiam informações de contato, histórico de viagem, informações sobre os membros da família e endereços anteriores para todos os solicitantes de visto. Também precisavam jurar que nunca pertenceram a um partido comunista.
Toda a "ficção científica" do século XX sobre o controle orwelliano dos cidadãos foi despedaçada. Agora, os filtros serão maiores para cruzar fronteiras, após as ameaças trumpianas de sanções tarifárias ao México e incluir uma zona de exclusão para os americanos que pensavam em visitar Cuba. A partir de 5 de junho, Washington deu vigência ao Título III da Lei Helms-Burton, com a finalidade de sufocar ainda mais a ilha, desencaminhando os avanços alcançados durante as presidências de Barack Obama e Raul Castro.
O bloqueio econômico imposto desde os anos 1960 a Cuba, que significou perdas de 134 bilhões de dólares até 2018, não conseguiu isolar a ilha, não conseguiu isolar Cuba e essa é a causa das novas medidas que para o governo cubano "buscam impedir que o povo dos Estados Unidos conheça a realidade cubana e, assim, derrote o efeito da propaganda caluniosa que é fabricada diariamente contra o nosso país”.
Em poucas horas, mais da metade do mercado de viagens dos Estados Unidos para Cuba evaporou e as consequências podem aumentar na medida em que a turbulência causada por Trump se estenda pela indústria de viagens, afetando provedores de turismo educativo, companhias aéreas comerciais e outras empresas relacionadas ao turismo, para não mencionar toda a economia cubana, destacou o jornal The Nation.
"A coleta de informações adicionais sobre o histórico das redes sociais fortalecerá nosso processo para examinar candidatos e confirmar sua identidade", disse o Departamento de Estado em seu site.
"Trabalhamos constantemente para encontrar mecanismos que melhorem nossos processos de seleção para proteger os cidadãos dos Estados Unidos, enquanto apoiamos viagens legítimas para os Estados Unidos", acrescentou.
Agora, os formulários que os candidatos devem preencher contam com uma lista de cerca de vinte redes sociais que incluem o YouTube, o Facebook e o Twitter. No caso de o estrangeiro ter um perfil em uma plataforma que não esteja listada, há um espaço em branco para informá-la voluntariamente. Os estrangeiros terão a opção de dizer que não usam redes sociais, mas se mentirem sobre o uso de redes, poderão enfrentar "sérias consequências na imigração".
Obviamente, não solicitam as senhas (passwords) porque, como a maioria dessas empresas são estadunidenses, não precisam delas, têm as portas traseiras de seus servidores. Os algoritmos se encarregam automaticamente e rapidamente por buscá-las.
O Departamento de Estado estimou que as novas regras do jogo afetarão 710.000 solicitantes de visto de imigrante e 15 milhões de solicitantes de visto não imigrante. Os diplomatas são os únicos que estão - por enquanto - isentos de compartilhar seus perfis. Além do histórico de navegação nas redes sociais, os viajantes devem incluir nos formulários status de viagens internacionais e deportação e esclarecer se um membro da família já esteve envolvido em atividades terroristas.
Já durante o governo do democrata Barack Obama, o Departamento de Estado - após o tiroteio em 2015 dos jihadistas Syed Farook e sua esposa, Tashfeen Malik, que deixou 14 mortos em San Bernardino, Califórnia - começou a pedir aos solicitantes de visto que enviem voluntariamente suas informações dos perfis que tinham nas redes sociais.
Malik, a mulher paquistanesa, havia apoiado o Estado Islâmico (ISIS, em sua sigla em inglês) nas redes sociais, antes de cometer o massacre, e a administração Obama recebeu fortes críticas por não ter detectado seu histórico radical.
"A segurança nacional é nossa principal prioridade quando se trata de conceder pedidos de visto, e todos os possíveis viajantes e imigrantes que desejam entrar nos Estados Unidos devem passar por uma exaustiva avaliação de segurança", disse o Departamento de Estado.
Para a organização de direitos civis American Civil Liberties Union (ACLU), a nova medida terá um efeito de "esfriamento" sobre a liberdade de expressão e associação. "As pessoas agora terão que se perguntar se o que dizem on-line será mal interpretado ou mal-entendido por um funcionário do governo dos Estados Unidos", alertou Hina Shamsi, diretora do Projeto de Segurança Nacional da ACLU.
O jornalista da BBC, Ali Hamedani, relatou que foi interrogado por mais de duas horas no aeroporto O'Hare, em Chicago. Embora tenha um passaporte britânico, Hamedani nasceu no Irã. "Pegaram meu telefone para descobrir minhas ideias políticas. Também me perguntaram se eu recebi treinamento militar no Irã". Quando o agente alfandegário retirou o telefone, "demorei alguns minutos para perceber que estava nos Estados Unidos e que ninguém pode me perguntar sobre minhas opiniões. Ele estava lendo meus tuítes".
Desde dezembro do ano passado, o formulário ESTA, que é necessário ser preenchido para que cidadãos de 38 países (entre eles 23 europeus e somente o Chile entre os sul-americanos) possam entrar os Estados Unidos sem visto, inclui uma questão opcional sobre as redes que utiliza, os nomes de usuários em plataformas como Twitter, Facebook e Instagram, além do YouTube, Tumblr, Flickr e até do Google. Por enquanto, não pedem a senha.
O formulário permite permanecer até 90 dias no país sem ter que solicitar um visto de turista. Está aberto aos residentes de 38 países, incluindo Alemanha, Andorra, Austrália, Áustria, Bélgica, Brunei, Chile, Coreia do Sul, Dinamarca, Eslovênia, Eslováquia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Islândia Irlanda, Itália, Japão, Letônia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Mônaco, Noruega, Nova Zelândia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Taiwan, São Marino, Singapura, Suécia, Suíça.
Segundo a Embaixada dos Estados Unidos na Espanha, esta questão é opcional, como aparece no site do ESTA. Se alguém optar por não responder, pode entregar o formulário "sem que isso implique em uma interpretação ou inferência negativa". E acrescenta: "Nenhum ESTA tem garantia de aprovação e pode ser negado por diferentes razões".
"As informações das redes sociais podem ser usadas para analisar os aplicativos do programa ESTA, para validar as viagens legítimas e identificar possíveis ameaças", explicaram da embaixada. "Essas informações também podem ajudar a facilitar viagens legítimas, fornecendo um meio adicional para resolver questões relevantes sobre identidade, ocupação, viagens anteriores e outros fatores".
No ESTA só se pede os nomes de usuário das contas, mas a Hamedani também foi solicitada a senha do seu celular e olharam para todas as suas mensagens que ele achava que eram pessoais.
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Estados Unidos exigem os perfis nas redes sociais para aqueles que pedem um visto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU