Contra neoliberalismo, economistas propõem modelo soberano e inclusivo. Entrevista especial com Adroaldo Quintela e Antonio Corrêa de Lacerda

Imagem: Rede Brasil Cultural | Itamaraty

Por: João Vitor Santos | 11 Junho 2019

Para os economistas Antonio Corrêa de Lacerda e Adroaldo Quintela, não há possibilidade de apoio às políticas econômicas que vêm sendo defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. “Temos posições políticas e visões econômicas diametralmente opostas”, disparam os economistas, que também são dirigentes da Associação Nacional dos Economistas pela Democracia. Recentemente, a entidade divulgou uma carta de princípios, através da qual se quer “elaborar propostas alternativas que criem o ambiente propício para a implantação de um modelo econômico soberano socialmente inclusivo, regionalmente equilibrado e ambientalmente sustentável”.

Na entrevista concedida em conjunto pelos economistas, por e-mail, à IHU On-Line, ambos defendem a chamada “economia para vida”. É uma proposta que requer “um modelo de desenvolvimento em harmonia com a natureza e combate intransigente ao aquecimento global, e que tenha o homem como o destinatário da renda e da riqueza, sobretudo os mais pobres e oprimidos”. Por isso, explicam, a carta vai versar sobre dois eixos. “O primeiro diz respeito à defesa dos direitos políticos, econômicos e sociais de segmentos sociais explorados e oprimidos tais como equidade de gênero, igualdade racial, ampliação dos direitos dos LGBTQ, povos indígenas e populações tradicionais”, explicam. E completam: “o Segundo eixo é o econômico, em que aponta na direção de um modelo que incentive a retomada dos investimentos, do crescimento, do emprego e promova a distribuição de renda e a inclusão social, casado com uma política externa que retome o ativismo do Brasil nos fóruns internacionais”.

Antonio Corrêa de Lacerda é doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, mestre em Economia Política e graduado em Ciências Econômicas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP. Atualmente é professor doutor e diretor da Faculdade de Economia, Administração, Ciências Contábeis e Atuariais da PUC-SP e um dos dirigentes da Associação Nacional dos Economistas pela Democracia - ABED.

Adroaldo Quintela também é economista e dirigente da ABED.

 

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Por que e em que contexto surge a Associação Brasileira de Economistas pela Democracia - ABED?

Antonio Corrêa de Lacerda e Adroaldo Quintela – A ABED surge em um contexto no qual o Estado Democrático de Direito, a liberdade de expressão, a liberdade de cátedra e as conquistas da Constituição de 1988 correm riscos, diante de um quadro de retrocesso econômico, político e social. O objetivo central da ABED é mobilizar os economistas progressistas para fazer a resistência democrática e o enfrentamento da política neoliberal e contrária aos interesses nacionais.

IHU On-Line – Como a economia se configurou da “ciência da escassez” para a “ciência da escassez de ideias”, do pensamento único?

Antonio Corrêa de Lacerda e Adroaldo Quintela – A financeirização, com a predominância do setor financeiro e dos rentistas, tem ocupado cada vez mais espaços, no mundo dos negócios, nas empresas, na academia e na mídia. A visão do pensamento único e de curto prazo se sobrepõe à visão do desenvolvimento de médio e longo prazos com equidade econômica, social e territorial.

IHU On-Line – De que forma a economia pode vencer a intolerância e ortodoxia econômica do tempo que temos vivido e conceber novas ideias para a constituição de um país e um mundo mais iguais?

Antonio Corrêa de Lacerda e Adroaldo Quintela – Na universidade, nos institutos de pesquisas, nas entidades representativas da sociedade, o debate segue vivo. No entanto, para a opinião pública, que basicamente se informa pela mídia tradicional, há um debate interditado, um não debate, na medida em que não se abre espaço adequado ao contraditório. Prevalece a visão do pensamento único. O monólogo monocórdio dos economistas ortodoxos vinculados ao mercado.

IHU On-Line – Como o conceito de desenvolvimento é cooptado e compreendido por perspectivas econômicas neoliberais e mais conservadoras?

Antonio Corrêa de Lacerda e Adroaldo Quintela – O neoliberalismo e a ortodoxia põem todo o peso no mercado, que seria a solução para todos os problemas: liberalização, abertura da economia, desregulamentação, privatização, enfim tudo que está longe de representar uma visão de desenvolvimento.

IHU On-Line – Como a carta de princípios divulgada pela ABED articula as ideias e alternativas para superação da profunda desigualdade social brasileira, reversão dos processos de degradação do meio ambiente e para a estruturação de caminhos alternativos que assegurem a soberania do país?

Antonio Corrêa de Lacerda e Adroaldo Quintela – A carta de princípios articula dois eixos estratégicos fundamentais. O primeiro diz respeito à defesa dos direitos políticos, econômicos e sociais de segmentos sociais explorados e oprimidos, tais como equidade de gênero, igualdade racial, ampliação dos direitos dos LGBTQ, povos indígenas e populações tradicionais. O Segundo eixo é o econômico, em que aponta na direção de um modelo que incentive a retomada dos investimentos, do crescimento, do emprego e promova a distribuição de renda e a inclusão social, casado com uma política externa que retome o ativismo do Brasil nos fóruns internacionais e a articulação com os BRICS.

Entendemos que uma "economia para a vida" requer um modelo de desenvolvimento em harmonia com a natureza e combate intransigente ao aquecimento global, e que tenha o homem como o destinatário da renda e da riqueza, sobretudo os mais pobres e oprimidos. Neste sentido, torna-se vital uma Reforma Tributária Solidária que promova a justiça e a equidade fiscal, diminuindo radicalmente o ônus da carga tributária sobre os mais pobres e onerando os mais ricos.

IHU On-Line – Quais são as próximas ações da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia? Como deve ser a interlocução do grupo com a atual equipe econômica do governo de Jair Bolsonaro?

Antonio Corrêa de Lacerda e Adroaldo Quintela – Invertendo a ordem das respostas, afirmamos que é zero a possibilidade de interlocução com a equipe econômica de Bolsonaro. Temos posições políticas e visões econômicas diametralmente opostas. Uma das nossas principais bandeiras é promover o enfrentamento à política econômica ultraneoliberal e antinacional da dupla Paulo Guedes e Bolsonaro, assim como elaborar propostas alternativas que criem o ambiente propício para a implantação de um modelo econômico soberano socialmente inclusivo, regionalmente equilibrado e ambientalmente sustentável.

Depois de seis meses de sensibilização, mobilização e organização de mais de 600 economistas progressistas em todas as regiões do país, nos EUA e Europa, a ABED adquiriu o mínimo de organização e visibilidade política para iniciar um segundo momento em sua breve história de entidade profissional da resistência democrática. Este momento foi assim definido: crescimento, fortalecimento, institucionalização e ativismo democrático na arena política e econômica e deve perdurar até 31 de maio de 2020.

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