16 Mai 2019
Atos gigantescos pela Educação mostram desgaste do projeto do “Estado mínimo”. Mas não será possível substituí-lo sem alternativa. Ela começa com a denúncia da medida que congelou os gastos sociais por vinte anos.
O artigo é de Paulo Kliass, doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal, publicado por Outras Palavras, 15-05-2019.
O dia nacional de luta em defesa da educação — 15 de maio — tem todas as condições de se converter em um marco importante no movimento contra o desmonte das políticas públicas e contra a destruição do pouquinho que ainda resta de um Estado de Bem Estar Social em nosso país.
A conjunção das destrambelhices da turma mais próxima ao capitão com a incapacidade de Paulo Guedes em oferecer algum resultado no front da recuperação da atividade econômica tem contribuído para reforçar o sentimento geral de paralisia. Vale ressaltar que a frustração de parte da população que acabou votando em Bolsonaro tem se refletido na queda vertiginosa de seus índices de (im)popularidade.
Parece claro que ainda é muito cedo para estabelecer que tais dificuldades teriam vindo para ficar de forma mais definitiva. Afinal, o candidato que defendia a tortura, elogiava a ditadura e propunha a pena de morte em outubro passado tomou posse há menos de cinco meses. Ainda lhe restam mais de três anos e meio de mandato pela frente. Subestimar sua capacidade política seria erro fatal. No entanto, a obstinação dos responsáveis pelo comando da economia com as teses doutrinaristas do velho e ultrapassado monetarismo ortodoxo não colaboram para que a situação possa ser revertida no curto prazo.
Os índices do desemprego seguem na estratosfera. O PIB permanece caminhando de lado, com sucessivas previsões de nova redução a cada semana que passa. A produção industrial continua na tendência da ladeira abaixo. Sob tais condições, não existe a menor possibilidade de recuperação de um ritmo mais sustentável do crescimento da economia. Soma-se a esse quadro trágico a fracassada estratégia do superministro da FGV — cortar e cortar e cortar. Aquele que havia sido nomeado como o “Posto Ipiranga” pelo então candidato à presidência da República, parece que gostou do apelido e assumiu a função. Suas respostas para os problemas da crise que atravessa nossa sociedade resumem-se a um cansativo e repetitivo mantra. Crise fiscal e corte de despesas.
Ocorre que, para além dos inegáveis instintos destruidores do Chicago old boy, existe mesmo uma amarra para que se alcance uma solução saudável da questão fiscal em nossos tempos. O mecanismo foi maldosamente introduzido por seu antecessor em dezembro de 2016, ocasião em que foi efusivamente saudado por onze entre dez analisas do mercado financeiro. Naquele momento, Henrique Meirelles havia sido nomeado ministro da Fazenda por Michel Temer, depois do golpeachment contra Dilma Roussef. Dentre as medidas anunciadas por ele, havia a chamada PEC do Fim do Mundo. Aprovada pelo Congresso Nacional no apagar das luzes daquele ano, tornou-se a atual Emenda Constitucional 95. Um desastre!
De acordo com sua redação, ficaram congeladas as despesas orçamentárias com todas as rubricas não-financeiras a partir de 2018. Assim, a única exceção à regra fica por conta dos gastos da União com o pagamento de juros e serviços da dívida pública. Todos os demais itens estão proibidos pela Constituição de crescerem acima da inflação. Uma loucura! A EC 95 criou um novo conceito, aparentemente sofisticado e elaborado – o tal do Novo Regime Fiscal. Na essência, porém, não há nada de novo: apenas a velha receita monetarista de redução do gasto público. Por meio dele, durante longos 20 anos, as despesas do Orçamento Geral da União estão congeladas no ritmo do crescimento dos preços. Ou seja, se a economia e o PIB voltarem a crescer, mesmo assim os gastos com saúde, educação, previdência social, segurança pública, investimentos, pessoal, etc não poderão acompanhar essa evolução.
O descumprimento de tal mandamento constitucional pode ser caracterizado como crime de responsabilidade e oferece argumento para se dar início a processo de impedimento do chefe do Poder Executivo. Parece que a equipe do capitão se deu conta da enrascada em que eles se meteram por conta da obstinação liberaloide de seus consultores econômicos. A luz cor de laranja parece ter acendido no Palácio do Planalto e até mesmo notícias vazadas “em off” dão conta da preocupação em solucionar esse imbroglio. Afinal, por mais doutrinarista que seja a equipe do capitão, o chefe vai querer apresentar um mínimo de resultados para a população. Não basta apenas satisfazer os desejos do povo do financismo e tão somente tocar a agenda da destruição.
Por enquanto, Paulo Guedes está trabalhando com a hipótese mais tosca. Cortar fundo nos itens do orçamento que apresentam os maiores volumes de despesas, de maneira a cumprir a regra e ainda ter alguma folga para atender aos desejos das outras prioridades de seu patrão. Assim se explica a própria PEC que pretende acabar com o INSS, os anunciados cortes generalizados na educação e as reduções em relação ao que estava previsto para a área da saúde. Mas nem mesmo esses cortes monstruosos são garantia de que a regra draconiana será cumprida.
Assim, é fundamental que as forças de oposição e as entidades do movimento social de forma ampla introduzam em sua pauta de reivindicações a revogação da EC 95. Por mais importante que seja derrotar a Deforma das Aposentadorias e impedir a intenção de promover o monumental corte nas verbas das universidades públicas, o fato é que permanece a ameaça da regra do congelamento para o futuro. A cada nova conjuntura, vai surgir alguma proposta surpresa do Ministério da Economia de promover mais cortes e mais cortes – nessas ou em outras áreas do orçamento.
As manifestações de estudantes, professores e funcionários no dia 15 podem ser um ponto de virada. A estratégia das oposições deve ser a de transformar esse dia de luta em um fator catalisador das inúmeras insatisfações que surgem aqui e ali contra o governo do capitão. Contra o discurso de que a universidade é apenas um espaço das elites, da balbúrdia, da vagabundagem, cabe à comunidade acadêmica se abrir ao conjunto da sociedade e demonstrar que a produção universitária é de interesse de todos. Afinal, exemplos não faltam!
A pior tática seria a de reproduzir formas de luta antigas e sectárias, como a famosa greve por tempo indeterminado. Ao contrário de se fechar no próprio umbigo, a universidade pública precisa cada vez mais se mostrar presente, útil e necessária para os setores que nunca tiveram a oportunidade de frequentá-la. É essencial ganhar essa disputa de narrativa a respeito da importância da geração do conhecimento e produção científica, para além da formação profissional. A população não pode ser convencida de que a despesa universitária e com ciência & tecnologia seja supérflua e secundária em relação às demais.
Portanto, para além da importante vitória conjuntural, faz-se necessário impedir que outras tentativas fiscalistas venham à tona. A cada semana os aprendizes de feiticeiro do superministro anunciam mais algumas dezenas de bilhões de novos cortes no orçamento. Para acabar com isso, é fundamental a revogação da EC 95.
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Hora de revogar a Emenda Constitucional 95 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU