31 Março 2019
A Europa nasceu na estrada. Bastão, saco nos ombros, um par de sandálias e a regra de São Bento: ora et labora. Nasceu a partir dos Apeninos, o lugar mais italiano que existe, e espalhou-se pelas veredas percorridas por monges destemidos, tramando seus fios ao longo da geografia dos seus conventos, do Danúbio ao Atlântico. "Foi aquela rede desarmada que primeiro parou e depois seduziu os bárbaros. Fé e cultura. Em um momento atroz, com exércitos de invasores brutais percorrendo todos os cantos do continente ... “.
Aqui Paolo Rumiz se interrompe por um momento. E diz, quase ensimesmado: "Pois bem, este livro nasceu nos traços dessa reflexão. Aquelas eram invasões. Não uma migração de deserdados como hoje. Não o navio Diciotti, como querem que acreditemos aqueles loroteiros que são nossos políticos soberanistas. Escreva isso mesmo ... Naquela época sim, havia o medo, o exército romano em desmantelamento, a civilização das leis sitiada por toda parte, a insegurança não era apenas uma percepção ...”. Lá, bem naquele meio, começamos a nos tornar quem somos. Entre os séculos VI e VII séculos, anos que não poderiam ter sido piores para se nascer. E, no entanto, aquela semente da civilização comum cresceu. E foi a partir do confronto entre a Europa daqueles séculos e a de hoje que o Il filo infinito (O fio infinito, em tradução livre), editora Feltrinelli, cresceu.
A reportagem é de Paolo Campostrini, publicada por Trentino, 28-03-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
No livro Paolo Rumiz, jornalista, escritor, assinatura histórica do jornal Repubblica, viajante, defensor convicto da história, mas, acima de tudo da geografia, segue os passos dos beneditinos e aqueles, portanto, da Europa. Foram eles, hábito negro, livro e arado, que salvaram uma cultura milenar, revigorando seus marcos de referência com sua organização hierárquica democrática, voltando a cultivar terras abandonadas, transmitindo saberes nos códigos, construindo formidáveis bastiões de "resistência à dissolução": os mosteiros. Invasões, novos bárbaros, medo, insegurança: ao ler certos títulos parece que a Europa de hoje seja aquela de São Bento ... Todas lorotas. Aquelas eram invasões, não essas pobres criaturas que chegam nas barcaças. E os beneditinos eram pessoas sérias, não ... não me faça falar. Mas sim, de fato, muito dessa ideia da viagem ao longo da rede de conventos veio do meu medo de que esta Europa, que nasceu então, corra o risco de se perder. De perder sua alma por causa dos semeadores de cizânia. Por que nasce com Bento, a Europa? Sei lá, talvez por causa da fé. Esses beneditinos tinham uma luz interior tão intensa a ponto de seduzir os bárbaros. É uma capacidade de dar o exemplo para fazer novos europeus.
Ora et labora ... Eles cultivaram terras abandonadas, construíam casas e igrejas onde antes havia o deserto da guerra e das invasões. Mas com uma visão extraordinária do conjunto. Eles tinham uma abordagem dupla. Uma era local: escolhiam um lugar geralmente mais periférico, abandonado por Deus e pelos homens, feio e árido e o tornavam fértil com o trabalho. Mas também outra, global: eles eram capazes de visões continentais. Grandes viajantes, os beneditinos. Atravessavam os Alpes como legionários e fundavam as cidades da fé. O que essas abadias nos dizem hoje? Que a Europa, antes de tudo, é um espaço milenar de migrações, que a cultura cristã, nascida sobre as cinzas do império, entre hordas pagãs e dissolução, é a coisa mais distante que existe do soberanismo como o entendem hoje os supostos defensores da civilização europeia ameaçada. E também de um tipo de Igreja atual, que é piramidal e hierárquica, em vez de assemblear e democrática como eram aqueles conventos. E também do machismo que a inerva.
Mulheres e homens entre os beneditinos eram colocados em um plano de absoluta paridade, testemunhada em toda parte nas pinturas, nos códigos, nos ícones. A ordem nasce de dois irmãos, Bento e Escolástica. E nunca abandona essa visão dupla. E nasceu na Itália ... Claro, nos Apeninos, que são o que de mais italiano há do mundo. Uma corrente que toca dois mares, que facilita as transumâncias. Mas que não tem apenas essa singularidade geográfica absoluta. É também uma terra sísmica. Isso mesmo, a Itália é a filha dessa cultura sísmica. É do caráter do povo italiano vivenciar os terremotos, mas depois se reconstruir. Não abandonar as terras. Bem, hoje corremos o risco de fazer isso.
Após os terremotos, mandamos os habitantes para o mar, para os albergues. Pessoas que viviam presas entre sua cultura, são banalizadas na costa. E lá eles se cruzam com os novos migrantes africanos. Migrantes entre migrantes. Uma Europa sem fronteiras, aquela de então. Eu não diria, sem barreiras, isso sim. A fronteira, mesmo hoje, não é algo ruim. Eu, no fundo, amo as fronteiras ... Mas como ...? Bem, não em um sentido patriótico. Eu as vejo como um limite, mas também como uma ideia que me garante que alguém um pouco diferente de mim mora lá. Eu as considero uma garantia da biodiversidade humana, as fronteiras. E se eu as vejo como um limite entre identidades diferentes, também as considero um convite extraordinário para viajar, para descobrir o outro de mim. Com quem conversar e me confrontar.
Bento fundou a Europa, é seu patrono, mas felizmente a Europa não é toda igual. No Alto Adige as fronteiras se sentem ... Mesmo na minha Trieste. Mas ali as culturas que se entrecruzaram são tantas que talvez haja mais o espírito do mar ... e, de qualquer forma, a identidade preserva algum valor, e mesmo nas escolas, é correto que cada um cultive a sua própria, mas depois que procure encontrar terrenos comuns de encontro. Claro, quando se defende demais a identidade, como às vezes acontece aqui, significa que essa identidade é percebida como frágil e incerta ... O que fazer, portanto, hoje, para não perder esta Europa nascida então? Fazer como os monges beneditinos. Ora et labora? Não só. Caminhar, não em sentido figurado, viajar. Não abandonar os lugares, voltar a habitá-los, como fez Bento. Não deixar as periferias ao próprio destino como fez a política, por exemplo; em três palavras: sujar os sapatos.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
"Quantas lorotas vêm dos soberanistas" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU