25 Março 2019
Era seu primeiro encontro com a imprensa, depois que a Nunciatura Apostólica informou, de madrugada, que o Papa Francisco havia designado Celestino Aós Braco como novo administrador apostólico de Santiago. A rigor, não é o sucessor do cardeal Ricardo Ezzati, arcebispo com tudo o que tem direito, mas seu substituto por tempo indefinido, à espera do definitivo.
A reportagem é de C. Palma, S. Rodríguez, F. Massone, M.J. Navarrete e Fernando Fuentes, publicada por La Tercera, 24-03-2019. A tradução é de Graziela Wolfart.
Foram 805 dias que o Pontífice levou para designar a nova autoridade da Igreja da capital. Em 7 de janeiro de 2017, Ezzati apresentou sua primeira renúncia a Roma, exatamente quando completou 75 anos, o teto etário que o Código Canônico estabelece para que os bispos deixem seu cargo. Voltou a fazer o mesmo em 18 de maio do ano passado, quando a Conferência Episcopal completa do Chile foi citada no Vaticano, como consequência da crise de abusos e do Relatório Scicluna, e os 34 prelados puseram seus cargos à disposição do Papa.
Nesta “segunda etapa” passaram 310 dias, nos quais o Pontífice aceitou a renúncia de sete bispos. O oitavo era o mais esperado.
Três questões surgem de imediato: quem é Celestino Aós Braco, por que foi o escolhido e quem ficou no caminho.
Para uma arquidiocese em crise, que sofreu três casos emblemáticos de abusos (Karadima, Cristián Precht e Óscar Muñoz), os “candidatos” mais prováveis eram os arcebispos Fernando Chomali (Concepción) e René Rebolledo (La Serena), além de um possível estrangeiro. Havia uma inegável tensão acumulada. A controvérsia, inclusive, alcançou limites políticos. De fato, a ministra porta-voz do governo, Cecilia Pérez, garantiu ontem que o ato de aceitar a renúncia de Ezzati era um “sinal positivo” e que agora “começa uma nova etapa”.
O Papa optou por um sacerdote de 73 anos, da ordem dos Frades Menores Capuchinhos, bispo há somente cinco anos, espanhol, oriundo de Navarra, psicólogo, com experiência na justiça eclesiástica e que vive no Chile desde 1983. E outro detalhe: sua independência. O prelado é querido no Episcopado, mas não faz parte do círculo mais próximo ao cardeal Ezzati.
“Como todos os dias, me levantei às 6h30min, rezei na capela e tomei meu café da manhã: café com leite, torrada e um pouco de carne seca”, contou Aós em Copiapó, de onde chegou a Santiago na noite passada. “Tratarei de fazer minha parte”, disse em Pudahuel.
Durante a manhã se difundiu a mensagem de saudação a sua nova comunidade, na qual pediu que “tenham paciência e me ensinem a viver como ‘santiaguino’ de Santiago”. Também saudou as “vítimas da violência e dos abusos por parte dos clérigos”.
Ontem vestia uma túnica café e um laço franciscano na cintura. “Este traje foi feito para mim por uma freira, não lembro quanto tempo faz, é o que nós, os capuchinhos, usamos”. É sua roupa desde que tinha 10 anos, quando entrou para a ordem. Em seu peito destaca-se sempre uma grande cruz de prata. “Comprei-a em algum lugar que também não lembro, é a cruz que o Papa usa, mas não é a original, essa me roubaram e não direi onde”, disse rindo. Também recordou que seus piores momentos na Igreja de Atacama foram com as inundações de 2015 e 2017: “Aflorou o melhor e o pior das pessoas”, afirmou, sincero.
Por que ele? Alguns veem uma personalidade forte – de trato às vezes inclusive brusco, capaz de implementar mudanças. Héctor Campos, ex-provincial dos Capuchinhos no Chile, opinou que “é um homem sereno, próximo. Tem um olhar muito positivo do clero e crítico diante dos abusos (…); o Papa viu que em uma etapa de transição ele poderia fazer este processo na busca do que seria já titular”.
Em Valparaíso, um grupo de denunciantes do expulso sacerdote Jaime da Fonseca não concordou com seu papel como promotor de justiça.
Para Alejandro Álvarez, canonista de Vozes Católicas, “é um bispo com características relevantes para a grave crise que atravessa a Igreja de Santiago. Tem experiência em justiça eclesiástica, o que lhe dá muita sensibilidade pela busca da verdade”.
“Era justa e absolutamente necessária a decisão do Pontífice. Creio que demorou tanto, porque o Papa esperou que saísse todo o mal acumulado na arquidiocese, para entregá-la mais ou menos limpa ao sucessor de Ezzati”, afirmou o vaticanista espanhol e diretor do portal Religión Digital, José Manuel Vidal.
Para o especialista, “o sistema de poder e de encobrimento foi algo generalizado em todas as dioceses do Chile e em todos os escalões do estado clerical. Por isso, a limpeza não terminou. Acabar com isto levará tempo e, para consegui-lo, o Papa não tremerá a mão para aceitar a renúncia de outros bispos”.
A Conferência Episcopal assinala que “um administrador apostólico é um bispo ou presbítero nomeado pelo Papa para administrar uma diocese que se encontra em situação de sede vacante, sem seu bispo ou arcebispo residencial”. Valeria López, advogada canonista e representante de Vozes Católicas, acrescenta que “tem quase os mesmos direitos e obrigações de um bispo residente, mas seu cargo é temporário e não exerce seus poderes em nome próprio, mas é vigário, ou seja, exerce sua autoridade em nome do Papa”.
Depois que em 18 de maio do ano passado todos os bispos apresentaram sua renúncia ao Papa Francisco, este aceitou oito e em todas essas dioceses nomeou administradores apostólicos, não bispos definitivos. Ou seja, das 27 jurisdições eclesiásticas do país, nove aparecem como sedes vacantes a cargo de administradores apostólicos: San Felipe, Valparaíso, Santiago, Rancagua, Talca, Chillán, Osorno e Puerto Montt, além de Valdivia, que estava nesta situação desde antes da crise.
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Chile. Aós, o psicólogo capuchinho que aterrissa em Santiago - Instituto Humanitas Unisinos - IHU