21 Março 2019
“O problema da fraqueza cultural e social, antes ainda que institucional, da África continua sendo o maior fardo. Mas a criação de uma nova competição positiva, e não marcada pela violência do passado colonial, está ajudando a criar um novo bem-estar.”
A opinião é do sinólogo italiano Francesco Sisci, professor da Universidade Renmin, em Pequim, na China. O artigo foi publicado em Settimana News, 18-03-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A história das relações entre a China e a África é antiga e tortuosa. Tudo começou no século XV, com as viagens para o Ocidente do célebre almirante muçulmano Zheng He. Ele certamente chegou à costa oriental da África, naquela que hoje está entre a Tanzânia e Moçambique.
As regiões da África. Fonte: Wikivoyage
Porém, as viagens foram interrompidas poucas décadas antes da circunavegação da África por parte dos portugueses no fim do mesmo século. Portanto, as grandes expedições dos chineses foram substituídas pelas pequenas missões comerciais dos ocidentais.
Durante séculos, as relações se interromperam e só foram retomadas, essencialmente, com as novas ambições geopolíticas de Mao Zedong. Durante a Guerra Fria, depois de 1960, quando amadureceu a divisão entre Pequim e Moscou, Mao tentou desenvolver relações independentes com alguns países africanos.
Primeiro, estava a Tanzânia, depois que Gana, liderada por Nkrumah, tivera uma explosão de entusiasmo pró-chinês. Além da Tanzânia, a China começou a estabelecer relações com o Egito. Depois, após a retirada de Portugal das suas colônias no início dos anos 1970, Moscou começou a construir relações também com Moçambique.
No entanto, tais relações eram essencialmente políticas. A China fornecia ajudas técnicas a juros baixos, e a economia chinesa certamente não tinha as dimensões na força para estabelecer uma nova relação estruturalmente diferente com a África.
A mudança de ritmo e de qualidade da relação entre a China e a África começou na segunda metade dos anos 1990, quando o crescimento industrial chinês começava a ter um impacto significativo, com o consequente aumento da necessidade de matérias-primas para alimentar a explosão do crescimento urbano no país.
Ao mesmo tempo, a reforma das empresas estatais chinesas havia começado. Elas haviam sido transformadas de instrumentos para substancialmente gerir a paz social – isto é, para gerar postos de trabalho – em instrumentos empresariais muito autônomos que funcionavam para gerar lucro para si mesmas e para o Estado.
Esses dois motores – a busca de lucros das empresas estatais e a necessidade de matérias-primas para a industrialização e a urbanização – colocaram a China em movimento na direção do mundo inteiro – e particularmente da África, rica em matérias-primas necessárias para o país e também em oportunidades de crescimento para as empresas estatais.
Mas a China não tinha recursos financeiros capazes de pagar as contas africanas em breve. Tampouco tinha a força política e militar para impor à África um novo período colonial ou neocolonial, como fizeram os países ocidentais naquele continente até o dia anterior.
A China, então, construiu um plano de penetração e de cooperação com a África baseado em três pontos fortes. A primeira coisa que ela fez foi oferecer à África a possibilidade de construir ferrovias, uma infraestrutura a custos muito competitivos comparados aos exigidos pelos países ocidentais.
Além disso, ao contrário dos países ocidentais, a China não insistia em normas de transparência e anticorrupção. Pelo contrário, as empresas chinesas que operavam na África ganhavam os contratos de infraestruturas dando dinheiro à direita e à esquerda para políticos corruptos.
O terceiro elemento, que se fortaleceu no início do século, foi a transferência para a África de velhas instalações industriais chinesas que haviam sido substituídas por novas estruturas de produção. Ou seja, assim como os países ocidentais haviam transferido para a China instalações de produção obsoletas nos anos 1980 e 1990, assim também os chineses transferiam as suas instalações obsoletas para a África.
No entanto, enquanto a China, poder político grande e ao mesmo tempo forte, tinha uma capacidade de negociação com os países ocidentais, os Estados africanos, muito menores e mais divididos, tinham pouca capacidade de barganha com a China. A sede de matérias-primas africanas por parte da China, nesse sentido, criava uma espécie de escambo entre a China e a África: os africanos davam matérias-primas, a China dava infraestruturas e instalações industriais lubrificadas por generosos subornos.
A estrutura de troca foi extremamente eficiente e, de fato, levou a crescimentos muito importantes em muitos países africanos nos últimos 20 anos. Os pontos de fraqueza desse sistema são conhecidos: difundiram mais corrupção; não levaram benefícios para toda a população africana, até porque, muitas vezes, os chineses levaram para a África seus próprios operários, não confiando nos trabalhadores africanos.
As empresas africanas não obtiveram todas as vantagens possíveis com uma plena cooperação com os chineses, mas, mesmo assim, permaneceram benefícios generalizados. Nos últimos 20 anos, nasceu uma pequena classe média africana.
O fluxo de imigração dos últimos tempos da África para a Europa também decorre disso. Mudar-se do próprio país para atravessar o deserto do Saara para pagar as contas, a água, o transporte tornou-se possível, porque as famílias se comprometem com recursos que geralmente são fruto da melhoria de vida nas últimas duas décadas.
Outro efeito importante da chegada da China à África foi a criação de uma competição e de uma concorrência entre vários países para a entrada nos Estados individuais do continente. Isto é, antes da chegada dos chineses, os países ocidentais dividiram o continente em zonas de influência e criaram verdadeiros monopólios. Por isso, eram impostos aos locais as condições mais convenientes de acordo com Paris ou Londres.
A chegada dos chineses naturalmente mudou a equação das relações. Os países ocidentais podiam ter suas ofertas de cooperação rejeitadas, porque os chineses ofereciam melhores condições. Além disso, na última década, a chegada da China criou uma nova corrida para a África.
De maneira e medida diferentes, muitos países com uma presença antes insignificante no continente estão entrando com mais força. A Rússia aumentou a sua cooperação, graças a uma rede de transportes estabelecidos durante a Guerra Fria.
A Turquia também fez o mesmo, desta vez aproveitando a herança da Irmandade Muçulmana ainda ligada aos tempos do império e do califado. Graças à grande comunidade transferida para a África nos tempos da colonização do continente, algo favorecido pela Inglaterra, ela está buscando novos caminhos de penetração.
O Japão também multiplicou os esforços para entrar em contato mais próximo com o continente africano. Nessa competição, portanto, os países africanos teoricamente podem obter de cada país melhores condições de investimento e de comércio.
Investimentos chineses na África. Fonte: Bussiness Insider
Naturalmente, a maior atenção em relação à África, o aumento da concorrência, o início de um verdadeiro processo de industrialização do continente não são a panaceia para todos os males. Em vez disso, podem se tornar até um acelerador das profundas distorções dos vários países africanos.
Como será distribuído o benefício desses recém-chegados, dessa nova atenção? Ficará concentrado apenas na cúpula das velhas lideranças corruptas do continente ou chegará a mudar o tecido social dos vários países?
As respostas para essas perguntas não podem vir de fora. A imposição de modelos institucionais ocidentais não resolve automaticamente os milhares problemas de corrupção profunda. Nem no passado a aplicação de sistemas mais autoritários, como os propostos pela antiga União Soviética, surtiu efeitos melhores.
O problema da fraqueza cultural e social, antes ainda que institucional, da África continua sendo o maior fardo. Mas a criação dessa nova competição positiva, e não marcada pela violência do passado colonial, está ajudando a criar um novo bem-estar.
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China-África: retratos de uma longa história. Artigo de Francesco Sisci - Instituto Humanitas Unisinos - IHU