15 Março 2019
Nos bolsões de pobreza do estado do Rio, mulheres apanham dos maridos, não sabem se os filhos voltam vivos pra casa e agora enfrentam cortes nos programas sociais que as empurram de volta para uma situação cada vez mais miserável. Uma série de reportagens na Agência Pública se volta especificamente para a situação das mulheres no cenário da volta da fome ao Brasil (este foi o tema do programa de microbolsas do site este ano, e, no início da semana, comentamos aqui a excelente matéria sobre como a Justiça trata quem furta almentos para sobreviver), com recorte no estado.
A informação é publicada por Outra Saúde, 15-03-2019.
Hoje, no Rio, um em cada seis domicílios vive situação de insegurança alimentar grave. A pobreza avança. "A meta do milênio era reduzir à metade a extrema pobreza entre 1990 e 2015. Em 25 anos, ela caiu 73% no Brasil. De 2015 para cá, no entanto, cresceu 40%, mesmo com a redução dos preços dos alimentos", afirma Marcelo Neri, diretor do FGV Social. No período, foram registrados seis milhões de novos pobres. E a socióloga Walquíria Leão Rêgo, que tem pesquisado mulheres no sertão de Alagoas e Ceará, alerta que o corte nos programas sociais tem sido arbitrário – e compromete seriamente a vida das famílias. "Um verdadeiro genocídio", resume.
A 80 quilômetros da capital, Japeri tem o pior índice de desenvolvimento humano da região metropolitana. Com três facções de tráfico disputando o controle dos territórios e tiroteios acontecendo a qualquer momento, o município não tem nenhum bairro considerado seguro. O prefeito e o presidente da Câmara Municipal estão presos, acusados de ligação com o tráfico. A reportagem localizou mulheres em situação de extrema pobreza que foram eliminadas do Bolsa Família por falta de documentos, ou que tiveram o pagamento bloqueado. Lá, dormir é um dos artifícios para enganar a fome – há gerações. E as mulheres se desdobram para conseguir alimentar as famílias, com sobras da comida do presídio ou angu com capim e haste de pena de galinha.
Longe dali, em um bairro da zona oeste da capital, ficam o Parque Estadual da Pedra Branca e o Quilombo Cafundá Astrogilda, que não é acessível por carro e onde famílias pobres vivem graças a uma rede de solidariedade. Mas é da tradição que vem um quê de esperança: no passado, a agricultura familiar salvava da fome. E os descendentes de Astrogilda, escrava liberta que dá nome ao quilombo, sonham em voltar a plantar.
Nada melhor para a saúde e o planeta do que consumir alimentos frescos e produzidos localmente, certo? Pesquisadores e organizações sociais têm demonstrado que sim, mas a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, acha que a solução é o livre comércio. "As restrições ao comércio estimulam a produção onde às vezes não é eficiente produzir e isso sobrecarrega o meio ambiente. Não há como solucionar os desafios globais de segurança alimentar e sustentabilidade mantendo pesadas restrições ao comércio", declarou ela esta semana, palestrando em uma importante feira mundial de alimentos. N'O Joio e o trigo.
O que obesidade, desnutrição e mudanças climáticas têm em comum? Um projeto liderado por 26 especialistas de 14 países durante três anos gerou um relatório (A Sindemia Global de Obesidade, Desnutrição e Mudanças Climáticas), publicado em janeiro, que associa o modelo convencional de agricultura com as mudanças climáticas – afinal, é responsável por quase um terço da emissão de gases do efeito estufa e gera desmatamento, degradação do solo e perda de biodiversidade – e coloca a má alimentação e seus efeitos entre os principais problemas de saúde no mundo. O documento propõe três grandes ações para melhorar o problema. A primeira envolve a diminuição do consumo de carnes e laticínios (não por uma escolha pessoal, e sim por meio de alterações nos impostos e subsídios), ter mudanças na rotulagem e fornecer mais terras para a agricultura sustentável. A segunda, criar políticas públicas para melhorar o acesso a alimentos saudáveis e reduzir a pobreza e a desigualdade. Por último, estabelecer diretrizes alimentares sustentáveis, apoiando amamentação e educação alimentar. Os pesquisadores propõem para isso a criação de um tratado global que fortaleça os países contra as grandes corporações de alimentos. Seria uma Convenção-Quadro sobre Sistemas Alimentares, baseada na do controle do tabaco.
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Sem amparo do Estado, mulheres driblam a fome - Instituto Humanitas Unisinos - IHU