07 Março 2019
Reunidos na manhã desta quarta-feira para o lançamento da Campanha da Fraternidade de 2019, integrantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB ) criticaram publicamente as políticas de governo anunciadas pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, dentre elas a liberação da posse de armas de fogo, a possível exploração de minério em áreas indígenas e a reforma da Previdência.
A reportagem é de Patrik Camporez, publicada por O Globo, 06-03-2019.
O tema da campanha católica para o período da quaresma é “Fraternidade e Políticas Públicas – Serás libertado pelo direito e pela Justiça”. O Cardeal Sergio da Rocha, fez um chamado à defesa do “direito à vida, à terra, à cultura dos povos indígenas”, destacando que “situações novas” não irão desviar a Igreja da defesa do “povo mais sofrido”.
– Nós reafirmamos, neste momento, que a igreja continua a insistir que a construção da paz aconteça por meio da justiça social, do respeito aos direitos do povo mais sofrido. Continuamos a defender o direito à vida, à terra, à cultura dos povos indígenas. Não é porque temos situações novas que nós vamos deixar de anunciar aquilo que tem sido critério orientador da ação e do pronunciamento da própria conferência episcopal – disse o presidente da CNBB.
Oficialmente, a CNBB não se manifestou sobre medidas adotadas pelo atual governo, ressaltando que a igreja não se envolve em assuntos partidários. O presidente da CNBB ressaltou, porém, que é papel dos católicos, enquanto parcela da população, acompanhar a efetivação das políticas públicas e avaliar seus resultados.
– A Igreja não pretende oferecer soluções técnicas, nem se deixa guiar por ideologias ou partidos, mas oferecendo o que tem de mais precioso, o evangelho, a fé. Tendo sempre como grande ponto a palavra de deus. A campanha exige sempre muito diálogo, ações conjuntas e comunitárias. A construção de políticas públicas devem ser tarefa coletiva numa sociedade democrática e participativa.
Além de defesa dos mais pobres, individualmente, bispos membros da conferência criticaram outras medidas do governo Bolsonaro, como a liberação da posse de armas de fogo. Eles também prometeram atuar contra o que chamaram de “desmonte” do Sistema Único de Saúde (SUS) e contra o “retrocesso” nos direitos sociais.
Para o secretário-geral da CNBB, Dom Leonardo Ulrich Steiner, o governo Bolsonaro precisar rever algumas de suas decisões.
– Nós temos preocupação, por exemplo, com a questão de armar a população. Temos preocupação com as comunidades quilombolas, preocupação com as nossas periferias. São todos pensamentos que nos preocupam e fazem com que, quem sabe no futuro, passemos a discordar (oficialmente) de determinadas coisas. Realmente (o governo) precisa repensar algumas questões. Não é armando a sociedade que vamos diminuir a violência – disse.
Ainda segundo Ulrich, a CNBB tem destinado especial atenção à questão da exploração da mineração em áreas indígenas e quilombolas, assunto que mobiliza setores do governo Bolsonaro.
– Temos atenção à tentativa de abrir as terras indígenas para a mineração. Isso preocupa a igreja porque nós estamos nessas comunidades. Porque não estamos interessados, em primeiro lugar, no mercado, no dinheiro. Nós estamos interessados, e assim Jesus nos obriga, a pensar nas pessoas – disse.
Entre janeiro e agosto, o Sistema Único de Saúde (SUS) entrará no calendário de debates da CNBB, por meio da XVI Conferência Nacional de Saúde. Membro da conferência e da Pastoral da Criança, Vânia Lucia Ferreira Leite disse, durante o evento, que o SUS representa uma das maiores conquistas sociais do país. Ela ressaltou, no entanto, que o Sistema Único encontra-se fragilizado e sem condições de atender as demandas que estão postas.
– As emendas 86 e 95 ameaçam o SUS. Ou seja, autoridades querem promover a fragilização do SUS. Isso acontece simultaneamente a um momento de redução da renda, de desemprego e aumento da pobreza e da miséria no país – disse.
A reforma da Previdência apresentada pelo governo de Jair Bolsonaro foi outro tema abordado. Alguns integrantes da CNBB classificaram a reforma como um "retrocesso".
- É um retrocesso gravíssimo de direitos. A gente tem que refletir com muita calma, muita humildade e inteligência, sobre o seguinte: 'Olha, a reforma da Previdência, se for isso que estão dizendo, a gente não pode aceitar nenhum desses pontos. São direitos adquiridos. Acho que é um recuo grave em relação ao processo civilizatório - destacou Geniberto Paiva Campos, membro da Comissão de Justiça e Paz da CNBB.
Geniberto disse que é papel, também da CNBB, esclarecer melhor à população todos os pontos da reforma.
- Temos que ir às instâncias de poder, como exemplo o legislativo, ou ao próprio judiciário, para dizer 'olha, pense melhor nessa reforma, pois ela é um retrocesso que vai levar muito tempo para resolver' -, disse ele, que ainda questiona:
- Quais são as vantagens econômicas das reforma dos direitos trabalhistas, previdenciários? Eu não vejo .
O Cardeal Sérgio da Rocha ressaltou que a igreja já se manifestou, em governos anteriores, a respeito do que ele considera “direitos fundamentais da população”.
- Vale aquilo que nós já temos afirmado anteriormente, isto é, que não se penalize aqueles que já são mais sofridos na própria sociedade. E que não haja perda de direito dos trabalhadores. Neste momento, na elaboração de uma proposta é necessário considerar esses trabalhadores - disse.
Dom Leonardo Ulrich Steiner também se manifestou a respeito de nota divulgada pelo governo, no início de fevereiro, em que o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) diz ter "preocupação (...) com alguns pontos da pauta do Sínodo sobre a Amazônia que ocorrerá no Vaticano, em outubro deste ano".
Questionado pelo GLOBO se os bispos veem com preocupação uma possível interferência do GSI nos assuntos da igreja, Dom Leonardo disse que 'não':
- Não nos preocupa. Nós continuaremos a trabalhar como trabalhamos até agora. Se quiserem nos ouvir, que ouçam. Nós não temos nada a esconder. É feito tudo publicamente, de maneira muito aberta. As discussões internas da CNBB não são questões escondidas . Se quiserem no ouvir, que ouçam, e vão aprender muito com isso também.
A nota do GSI, comandado pelo general Augusto Heleno, afirmava que "parte dos temas do referido evento tratam de aspectos que afetam, de certa forma, a soberania nacional. Por isso, reiteramos o entendimento do GSI de que cabe ao Brasil cuidar da Amazônia Brasileira".
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que também esteve no evento, citou a Constituição para defender a importância da Campanha da Fraternidade.
– Essa campanha toca na esperança do povo brasileiro, em sua expectativa para solução para problemas do seu cotidiano. Segundo a Constituição, a prática da fraternidade é um dos objetivos da República, que visa construir uma sociedade livre, justa e solidária – disse.
Durante discurso aos bispos, a procuradora-geral disse que o Ministério Público está de olho em temas do presente, como a violação de direitos de populações pobres.
– As políticas públicas devem zelar por todos, de modo que ninguém esteja fora do seu alcance de proteção. O Ministério Público está incumbindo de zelar para que as políticas públicas não discriminem. São os mais pobres sempre as maiores vítimas do egoismo humano e a fraternidade seu maior antídoto – disse.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Membros da CNBB criticam medidas do governo Bolsonaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU