06 Março 2019
“Uma nova presença dos católicos na política é necessária na América Latina”: foi o que disse o papa a 26 jovens lideranças provenientes do seu subcontinente que participaram nos últimos dias de um seminário sobre a Doutrina Social da Igreja no Vaticano.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada em Vatican Insider, 04-03-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mulheres, jovens e pobres são os três setores para se investir no futuro, disse o pontífice latino-americano, que destacou que o objetivo não é um “partido católico”, mas que “fazer política inspirada no Evangelho a partir do povo em movimento se converte em uma maneira poderosa de sanar as nossas frágeis democracias e de abrir espaço para reinventar novas instâncias representativas de origem popular”.
“Uma nova presença dos católicos na política é necessária na América Latina”, disse Jorge Mario Bergoglio no seu discurso em espanhol.
“Uma ‘nova presença’ que não implica apenas novos rostos nas campanhas eleitorais, mas principalmente novos métodos que permitam forjar alternativas que, simultaneamente, sejam críticas e construtivas. Alternativas que busquem sempre o bem possível, mesmo que modesto. Alternativas flexíveis, mas com uma clara identidade social cristã. E, para isso, é preciso valorizar de um modo novo o nosso povo e os movimentos populares que expressam sua vitalidade, sua história e suas lutas mais autênticas. Fazer política inspirada no Evangelho a partir do povo em movimento se converte em uma maneira poderosa de sanar as nossas frágeis democracias e de abrir espaço para reinventar novas instâncias representativas de origem popular. Os católicos sabem bem que, ‘nas situações concretas e levando em conta a solidariedade que cada um vive, é necessário reconhecer uma legítima variedade de opções possíveis. Uma mesma fé cristã pode levar a compromissos diferentes’ (Paulo VI, Octogesima adveniens). Por isso, convido-os a viverem a sua fé com grande liberdade. Sem crer jamais que existe uma única forma de compromisso político para os católicos, um partido católico. (...) Em política, é melhor ter uma polifonia inspirada na mesma fé e construída com múltiplos sons e instrumentos do que uma entediante melodia monocórdia aparentemente correta, mas homogeneizadora e neutralizadora.”
O seminário intensivo de formação ocorreu no Vaticano de 24 de fevereiro até essa segunda-feira, 4 de março, sobre o tema “Doutrina social da Igreja e compromisso político na América Latina: por uma nova geração de católicos latino-americanos na política” e faz parte de um programa de pós-graduação em Doutrina Social da Igreja organizado pela Pontifícia Comissão para a América Latina, pela Academia Latino-Americana de Líderes Católicos, em colaboração com o Conselho Episcopal Latino-americano (Celam) e com a Fundação Konrad Adenauer.
“Alegra-me que a Academia de Líderes Católicos tenha nascido e se expanda por diversos países da América Latina. Alegra-me que vocês busquem simultaneamente ser fiéis ao Evangelho, plurais em termos partidários e em comunhão com seus pastores”, disse o papa, que depois lembrou dois acontecimentos dos próximos anos na América Latina, o quinto centenário das aparições de Guadalupe em 2031 e o segundo milênio da Redenção em 2033: “Queira Deus que, de agora em diante, todos vocês possam trabalhar na difusão da Doutrina Social da Igreja para assim chegar à celebração dessas datas com verdadeiros frutos laicais concretos de discipulado missionário”, disse Francisco, ressaltando a necessidade de “cuidar-nos sempre das colonizações culturais, ideológicas e econômicas” e reiterando que “a América Latina nasceu mestiça, se conservará mestiça, somente crescerá mestiça, e esse será o seu destino”.
São três os setores “mais emblemáticos e significativos na mudança de época” que o continente latino-americano está vivendo, disse Francisco, nos quais “é possível reativar as energias sociais da nossa região para que seja fiel à sua identidade e, ao mesmo tempo, para que construa um projeto de futuro”: as mulheres, “pilar na edificação da Igreja e da sociedade”, como disse a Pontifícia Comissão para a América Latina, os jovens (“Jesus Cristo, eternamente jovem, está presente em sua sensibilidade, em seu rosto e em suas inquietações”) e os mais pobres, “porque, na opção preferencial por eles, a Igreja manifesta sua fidelidade como esposa de Cristo, não menos do que no âmbito da ortodoxia”, já que eles “são protagonistas da mudança de época e sujeitos de esperança verdadeira. Sua presença, suas alegrias e, em especial, seu sofrimento são um forte chamado de atenção daqueles que são responsáveis pela vida pública”, e a resposta às suas demandas é “um lugar de verificação da autenticidade do compromisso católico na política”.
Disse o papa: “Se não queremos nos perder em um mar de palavras vazias, olhemos sempre para o rosto das mulheres, dos jovens e dos pobres. Olhemo-los como sujeitos de mudança e não como meros objetos de assistência”.
Jorge Mario Bergoglio citou um trecho de São Oscar Arnulfo Romero, o bispo de El Salvador trucidado pelos esquadrões da morte: “Não se pode exigir da Igreja ou de seus símbolos eclesiais que se convertam em mecanismos de atividade política. Para ser um bom político, não é preciso ser cristão, mas o cristão engajado em atividade política tem a obrigação de confessar a sua fé. E se, nesse campo, surgir um conflito entre a lealdade à própria fé e a lealdade à organização, o cristão verdadeiro deve preferir a sua fé e demonstrar que sua luta pela justiça é pela justiça do Reino de Deus, e não por outra justiça”.
A política, afirmou o papa, “é vocação de serviço, diaconia laical que promove a amizade social para a geração do bem comum. Só desse modo é que a política colabora para que o povo se torne protagonista da sua história, e, assim, evita-se que as chamadas ‘classes dominantes’ creiam que elas são aquelas que podem decidir tudo. O famoso adágio liberal exagerado, ‘tudo pelo povo’, mas nada com o povo’”.
Durante os dias vaticanos, que culminaram com a audiência papal dessa segunda-feira, os 26 jovens líderes latino-americanos tiveram encontros com altos representantes do Vaticano, começando pelo cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado vaticano, com o professor Guzmán Carriquiry Lecour, secretário encarregado da vice-presidência da Pontifícia Comissão para a América Latina, e com o advogado argentino Juan Grabois.
Entre os participantes selecionados encontram-se jovens políticos de várias profissões e culturas: a governadora de Arequipa, Peru, Yamila Osorio Delgado; a ministra do Conselho Nacional de Combate à Corrupção de Honduras, Gabriela Castellanos; os deputados chilenos de orientações políticas diferentes Miguel Calisto Águila e Guillermo Ramírez Diez.
Também participaram Alberto Mendoza, membro titular do Conselho Provincial de Organização Territorial de Mendoza, na Argentina; Armando Tavarez, vice-presidente da Organização Universitária Ibero-Americana; o deputado brasileiro Carlos Matos; e a fundadora da Rede Latino-Americana de Jovens pela Democracia, Micaela Hierro Dori.
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Papa Francisco: América Latina precisa de uma nova presença de católicos na política - Instituto Humanitas Unisinos - IHU