20 Fevereiro 2019
“Queremos agir com humildade. Queremos identificar nossos pontos cegos. Queremos denunciar qualquer abuso de poder”. A cúpula da vida religiosa mundial se une ao chamado do Papa contra a pedofilia, reconhece seus crimes e pecados, pede perdão e afirma, sem rodeios, que "o abuso de crianças é um mal em qualquer tempo e lugar: este ponto não é negociável".
A reportagem é de Jesús Bastante, publicada por Religión Digital, 19-02-2019. A tradução é do Cepat.
Em uma declaração antes da cúpula antipedofilia desta semana, a União dos Superiores e Superioras Gerais também quer lançar uma "mensagem aos sobreviventes", àqueles milhares de vítimas de abusos em todo o mundo. "Reconhecemos que havia maneiras inadequadas de lidar com esse problema e uma incapacidade constrangedora de entender sua dor. Oferecemos nossas sinceras desculpas e arrependimentos. Pedimos que acredite em nossa boa vontade e sinceridade e os convidamos a trabalhar conosco para criar novas estruturas que garantam a minimização dos riscos".
Sobre a pedofilia na Igreja, os religiosos admitem que "é uma história que vem acontecendo há décadas, uma história de imensa dor para quem sofreu esse abuso".
"Inclinamos nossas cabeças com vergonha quando percebemos que esse abuso ocorreu em nossas Congregações e Ordens, e em nossa Igreja", lamenta a declaração, que defende "uma cultura de proteção" e aponta para a liderança do Papa Francisco como "chave" para encontrar uma saída para esta crise.
"Ele nos mostrou o caminho em muitas dessas áreas, reconheceu a dor e a culpa, encontrou-se com sobreviventes, reconheceu seus próprios erros e a necessidade de aprender com esses sobreviventes". Como Bergoglio, "nos unimos a sua missão de reconhecer e confessar humildemente o mal que foi feito, acolher os sobreviventes, aprender com eles como acompanhar aqueles que sofreram abusos e como desejam que ouçamos suas histórias".
Abaixo, reproduzimos a declaração publicada pela União dos Superiores e Superioras Gerais - UISG,
No início do encontro sobre a prevenção e a proteção dos menores, nós, Superiores e Superioras Maiores de Ordens e Congregações religiosas do mundo inteiro, queremos expressar o nosso apoio a esta iniciativa do Papa Francisco.
Em nosso trabalho como religiosos e religiosas, encontramos muitas situações em que crianças não são desejadas e são vítimas de abuso, negligência e maus-tratos. Vemos crianças-soldados; tráfico de menores; abuso sexual de menores; abuso físico e emocional a menores. São vozes que clamam. Como adultos, cristãos e como religiosos e religiosas, queremos trabalhar para que suas vidas mudem e que melhorem a situação em que se encontram.
O que é comum em todas essas situações é a vulnerabilidade. As crianças são os sujeitos mais vulneráveis em nossas sociedades. Crianças pobres, deficientes ou indigentes, aquelas que vivem à margem, que pertencem às classes sociais ou castas mais baixas, podem ser particularmente vulneráveis. São consideradas "não essenciais", "objeto" de uso e abuso.
Esta reunião concentra-se em particular no abuso sexual de crianças e no abuso de poder e consciência por parte daqueles que detêm autoridade na Igreja, especialmente os bispos, sacerdotes e religiosos. É uma história que vem acontecendo há décadas; uma história de imensa dor para aqueles que sofreram este abuso.
Inclinamos nossas cabeças com vergonha quando percebemos que esse abuso ocorreu em nossas Congregações e Ordens, e em nossa Igreja. Aprendemos que os abusadores deliberadamente escondem suas ações e são manipuladores. Por definição, é difícil descobrir esses abusos. Nossa vergonha aumenta quando vemos que não percebemos o que estava acontecendo. Quando olhamos para as Províncias e Regiões de nossas Ordens e Congregações em todo o mundo, percebemos que a resposta das pessoas com autoridade não foi o que deveria. Não souberam ver os sinais de alerta e não os levavam a sério.
Em relação a este encontro, esperamos que o Espírito Santo aja poderosamente durante esses três dias. Um encontro de três dias é um tempo curto. No entanto, acreditamos que com os ventos de mudança que estão soprando em nossa Igreja e com a boa vontade de todas as partes envolvidas, é possível iniciar processos importantes e criar estruturas de prestação de contas, bem como sustentar os processos e estruturas que já existem. É possível imaginar novos passos à frente, é possível tomar decisões para que a implementação seja rápida e universal, com o devido respeito a diferentes culturas. O abuso infantil é um mal em qualquer tempo e lugar: este ponto não é negociável.
A liderança do Santo Padre é fundamental. Ele nos mostrou o caminho em muitas dessas áreas; reconheceu a dor e a culpa; se encontrou com sobreviventes; reconheceu seus próprios erros e a necessidade de aprender com esses sobreviventes. Unimo-nos a sua missão para reconhecer e confessar humildemente o mal que foi feito; de acolher os sobreviventes, aprender com eles como acompanhar aqueles que foram objetos de abusos e como eles querem que ouçamos suas histórias.
De nossa parte, prometemos fazer tudo que estiver ao nosso alcance para ouvir melhor os sobreviventes, reconhecendo humildemente que nem sempre fizemos isso. Implementaremos tudo o que for decidido durante a reunião sobre a responsabilidade exigida das pessoas com autoridade.
Precisamos de uma cultura diversificada na Igreja e em nossa sociedade em um sentido amplo. Precisamos promover uma cultura onde as crianças sejam consideradas um tesouro a ser salvaguardado e protegido.
Educação e Saúde: Através das escolas e hospitais que muitos de nós administramos, podemos fazer a diferença. Essas instituições agora têm uma maior consciência do problema do abuso, bem como melhores protocolos e níveis de proteção. As crianças que vêm para esses lugares estão mais seguras do que nunca. Embora seja preciso admitir que isso não acontece em todos os casos. Nossas práticas podem ser um exemplo para os outros.
Formação: Integraremos a proteção de menores e adultos vulneráveis em nossos programas de treinamento, garantindo que, em cada estágio, se proporcione uma instrução e educação adequada para os formadores e para os formandos. Temos de desafiar preconceitos culturais. Como dito acima, deve ficar claro que o abuso infantil não deve ser permitido ou tolerado em nenhuma cultura ou contexto.
Espiritualidade: Pediremos aos nossos Centros de Espiritualidade que desenvolvam programas especiais para acompanhar qualquer pessoa, vítima de abuso, que queira encontrar ajuda em suas dificuldades em relação à fé e ao sentido da vida. O encontro pessoal com Jesus é algo que pode curar a todos nós. Mas também entendemos que as pessoas que foram vítimas de abuso por padres ou religiosos podem querer ficar longe da Igreja e daqueles que a representam. Sabemos que existem alguns sobreviventes que querem percorrer esse caminho de cura e humildemente tentaremos caminhar com eles. Uma espiritualidade que enfatiza o crescimento pessoal e a cura é para muitos sobreviventes um dom e uma graça especiais. Uma atenção especial deve ser dada à maneira tradicional de falar sobre o pecado. Aqueles que foram abusados muitas vezes suportam um sentimento de culpa, vergonha e até pecado, quando na realidade pecaram contra eles.
Esses e outros passos são meios pelos quais religiosos e religiosas podem ajudar a Igreja em seus esforços nesse campo.
O Papa Francisco condena com razão a cultura do clericalismo que tem dificultado nossa luta contra os abusos e que, de fato, faz parte de suas raízes. Além disso, o forte senso de família em nossas Ordens e Congregações - algo geralmente muito positivo - pode dificultar a condenação ou denúncia de abuso. Isso resultou em lealdade injustificada, erros no julgamento, lentidão na atuação, negação dos fatos e às vezes para encobri-los. Sentimos necessidade de conversão e queremos mudar. Queremos agir com humildade. Queremos identificar nossos pontos cegos. Queremos denunciar qualquer abuso de poder. Comprometemo-nos a caminhar com aqueles a quem servimos, avançando com transparência e confiança, honestidade e sincero arrependimento.
Recursos sempre constituem um problema. Um rápido olhar para as sociedades que estão realizando práticas de proteção à criança mostra que os serviços públicos de saúde também têm dificuldades em fornecer recursos adequados. Isso exige que colaboremos para que os recursos sejam usados de maneira eficaz e eficiente. A UISG e a USG fornecerão os meios para as Congregações trabalharem juntas e assim alcançarem, da maneira mais eficaz, os sobreviventes em seu caminho para a cura. A formação inicial e contínua poderia ser, talvez, as melhores áreas para se trabalhar em conjunto. A seleção dos candidatos que entram na vida religiosa também é algo em que podemos colaborar, identificando as melhores práticas. Esta seleção deve ser obrigatória e da melhor qualidade.
Pedimos a ajuda dos pais em nossa luta contra o abuso. Eles têm um instinto natural para a proteção das crianças, um instinto indispensável. Estamos especialmente abertos a receber seus conselhos, sua competência, seu apoio e seus desafios. Em particular, queremos enfatizar o papel das mães. É justo dizer que, se o aconselhamento e a assistência tivessem sido solicitados às mulheres na avaliação de casos, medidas mais enérgicas, rápidas e eficazes teriam sido tomadas. Nossos modos de lidar com as denúncias teriam sido muito diferentes e muito sofrimento teria sido evitado tanto para as vítimas quanto para suas famílias.
Finalmente, e mais importante, queremos enviar uma mensagem aos sobreviventes, e fazê-lo diretamente: reconhecemos que houve maneiras inadequadas de tratar este problema e uma vergonhosa incapacidade de compreender a dor. Oferecemos nossas sinceras desculpas e nosso arrependimento. Pedimos que acredite em nossa boa vontade e sinceridade. E convidamos você a trabalhar conosco para criar novas estruturas que garantam a minimização de riscos.
O encontro se concentrará na proteção de menores. No entanto, a atenção dos meios de comunicação se concentrou recentemente no abuso e exploração de religiosas, seminaristas e candidatos nas casas de formação. Esta é uma razão para uma preocupação séria e alarmante. Estamos empenhados em fazer tudo ao nosso alcance para responder de forma eficaz. Queremos garantir que aqueles que procuram generosamente se juntar a ordens religiosas, ou se formar em seminários, vivam em lugares seguros, onde alimente a sua vocação e onde recebam ajuda para crescer em maturidade em seu desejo de amar a Deus e ao próximo.
No início do encontro sobre Proteção, pedimos desculpas a todos por nossos fracassos e repetimos nosso apoio ao Santo Padre. Comprometemo-nos a intensificar nossos esforços para trabalhar com ele, para que a Igreja possa avançar de maneira coerente, crível e unida; de uma maneira verdadeiramente curativa, sinceramente renovada, com novos olhos para ver e novos ouvidos para ouvir.
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“O abuso infantil é um mal em qualquer tempo e lugar: este ponto não é negociável”, declara a União dos Superiores e Superioras Gerais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU