15 Janeiro 2019
“O que teria que preocupar a todos nós são, sobretudo, os silêncios da Igreja. Os silêncios do clero. E os silêncios daqueles que dizem que somos crentes em Cristo”. A reflexão é de José María Castillo, teólogo espanhol, em artigo publicado por Religión Digital, 14-01-2019. A tradução é de André Langer.
No relato da paixão e morte de Jesus, o Evangelho de João recorda um episódio tão humilhante quanto eloquente: a primeira bofetada que um guarda deu em Jesus, na frente do sumo sacerdote Anás (Jo 18, 22). Por que semelhante desprezo ali e naquele momento?
Simplesmente porque Jesus disse àquele personagem sagrado que ele tinha “falado ao mundo com liberdade” e que não havia “dito nada às escondidas” (Jo 18, 20). Aqui é importante notar que o texto grego do Evangelho não usa a palavra “liberdade”, mas o termo “parrhesia”, que significa exatamente “liberdade para dizer tudo” e sem se calar (“pán”, “résis”).
Está claro: Jesus não suportava os segredos e as ocultações. Na mesma medida em que o tribunal sagrado não suportava a liberdade daqueles que dizem toda a verdade, sem se calar, mesmo que isso lhes custe o cargo e a própria dignidade. E (se for necessário) até a própria vida.
Se a Igreja fosse fiel a essa conduta de Jesus, sem dúvida alguma, teria que suportar, não uma, mas muitas bofetadas. Muito mais do que já suportou.
Foi o que disse o próprio Jesus (Mt 10, 16, 32 par). Além disso, Jesus chegou a dizer: “Chegará um tempo quando quem vos matar pensará oferecer culto a Deus” (Jo 16, 2). Sem dúvida, “a experiência religiosa de todos nós não é mais confiável, porque nos remete à falsa religião” (REUTER, T. El Dios falsificado. Madrid: Trotta, 2011, p. 228).
O que quero dizer com isto? Muito simples: acredita em Deus quem não se cala diante do sofrimento daqueles que são pior tratados pela vida e pelos poderes públicos, independente da cor que forem, estejam à direita, no centro ou à esquerda.
Posto isso, o que teria que preocupar a todos nós são, sobretudo, os silêncios da Igreja. Os silêncios do clero. E os silêncios daqueles que dizem que somos crentes em Cristo. Silêncios em tantas coisas que clamam ao céu. Mas agora mesmo – e acima de tudo – em dois assuntos de enorme gravidade e urgência.
A começar pelo silêncio diante de tantos e tantos escândalos clericais de “homens da Igreja” que abusaram de crianças e adolescentes. Abusos criminosos que as autoridades eclesiásticas ocultaram. Porque era uma determinação que vinha do Vaticano, para que o prestígio da Igreja não fosse prejudicado.
Teve que vir o Papa Francisco, que “tirou o manto”, para que se saiba tudo e se faça justiça. O mais sofrido e preocupante é o que este Papa precisa suportar, pela resistência do clericalismo fanático, que não suporta a transparência que desvelou a falta de vergonha de não poucos setores do mundo clerical.
E para terminar, o outro silêncio preocupante que estamos vivendo na Espanha e em outros países da Europa e da América. Refiro-me ao silêncio de bispos e do clero em geral, que inexplicavelmente se calam diante dos políticos e governantes que, com suas decisões, são responsáveis pelo sofrimento de milhares e milhares de criaturas inocentes, ao mesmo tempo que permitem e incentivam a concentração do capital mundial, cada vez mais, nas mãos de menos pessoas.
No Evangelho ficou claro que Jesus não suportava o sofrimento dos pobres, doentes, marginalizados e estrangeiros. Como também não suportava o desprezo ou a desigualdade das mulheres. As preocupações da nossa Igreja e dos nossos bispos coincidem com as de Jesus? Mais uma vez fica claro que falar com liberdade é muito perigoso.
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“Este Papa está suportando a resistência do clericalismo fanático, que não suporta a transparência”. Artigo de José María Castillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU