25 Outubro 2018
Enquanto líderes católicos de todo o mundo se apressam para redigir um documento resumindo suas deliberações deste mês sobre como chegar aos jovens, eles têm debatido consistentemente o que pode parecer uma pergunta simples: como se referir às pessoas gays.
A reportagem é de David Gibson, jornalista e diretor do Centro de Religião e Cultura da Universidade Fordham, publicada por Religion News Service, 23-10-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
A questão surgiu repetidamente nas coletivas e entrevistas com os quase 270 bispos e cardeais, assim como com 72 observadores sem direito a voto - incluindo cerca de 30 jovens adultos - que vêm debatendo uma série de questões nesse Sínodo que está ocorrendo sob a égide do Papa Francisco, que quer ver uma discussão aberta sobre tópicos difíceis.
Foi o próprio Francisco quem provocou a discussão sobre a Igreja e a homossexualidade logo após sua eleição em 2013, quando lhe perguntaram se os homens gays poderiam ser padres - algo que seus antecessores procuraram impedir. Francisco respondeu: “Se alguém é gay e procura o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para julgar?”.
Essa última frase se tornou um meme virtual deste papado. Mas foi igualmente importante o fato de Francisco ter sido o primeiro Papa, e um dos raros líderes católicos, a usar o termo “gay”.
Os líderes da Igreja e os documentos oficiais da Igreja quase sempre usam os termos mais clínicos “homossexual” ou “atraído pelo mesmo sexo”.
“Se a Igreja continuar a usar termos antiquados, desatualizados e excessivamente clínicos como ‘atraído pelo mesmo sexo’ em vez do nome que o grupo usa para si mesmo, a Igreja simplesmente tornará o diálogo mais difícil e fará com que esses católicos se sintam ainda menos bem-vindos no que é, no fim das contas, a Igreja deles também”, disse o padre jesuíta James Martin, autor de “Building a Bridge” (“Construindo uma Ponte”), um livro sobre como a Igreja institucional e os católicos LGBT podem promover uma relação construtiva.
“Além disso”, acrescentou Martin por e-mail, “se o Papa Francisco pode usar a palavra ‘gay’, então todo mundo pode”.
Para o Sínodo, esse debate sobre o vocabulário é tenso, porque os conservadores temem que ao usar termos como gay ou LGBT possam sinalizar uma aprovação oficial da homossexualidade e que possam prejudicar o ensinamento da Igreja e a política pública da Igreja contra o casamento gay, por exemplo.
“Não existe essa coisa de ‘católico LGBTQ’, ‘católico transgênero’ ou ‘católico heterossexual’, como se nossos apetites sexuais definissem quem somos”, disse o arcebispo de Filadélfia Charles Chaput, representante dos Estados Unidos no sínodo e líder da ala conservadora, para a assembleia em um discurso no início deste mês.
“Conclui-se que ‘LGBTQ’ e linguagem similar não deve ser usada nos documentos da Igreja, porque usá-la sugere que esses são grupos reais e autônomos, e a Igreja simplesmente não classifica as pessoas dessa maneira”, disse ele.
O problema é que o documento de trabalho que serviu como base para as discussões usou, de fato, o termo LGBT (a sigla significa lésbica, gay, bissexual e transgênero, e frequentemente inclui “Q” de ‘queer’), porque se baseou na contribuição de jovens e líderes de Igrejas cujos pontos de vista foram solicitados pelo Vaticano ao longo do ano anterior.
“Os jovens estão falando sobre isso livremente e na linguagem que usam, e estão nos encorajando, ‘Chamem-nos, dirijam-se a nós dessa forma, porque é isso que somos’”, disse o cardeal John Ribat, delegado sinodal de Papua Nova Guiné, em uma coletiva de imprensa no sábado (20 de outubro).
A inclusão de LGBT naquele documento provocou ansiedade em alguns setores. Meios de comunicação conservadores pressionaram incessantemente os cardeais e os bispos para esclarecer se os termos seriam incluídos no documento final do Sínodo, que está programado para ser votado neste sábado.
Os holofotes claramente deixaram muitos padres sinodais, como são chamados os cardeais e bispos, desconfortáveis enquanto se esforçam para responder a perguntas sem usar termos como “atraído pelo mesmo sexo”.
Eles sabem que alienariam não apenas os gays e as lésbicas, mas também os jovens que aceitam cada vez mais as pessoas LGBT. Usar o termo “gay” em coletivas de imprensa e em entrevistas também pode ser interpretado como pressionar seus colegas mais conservadores, que já estão irritados com o que alguns chamam de “lobby gay”, que dizem estar usando o Sínodo como veículo para mudar o ensinamento da Igreja sobre homossexualidade.
Essa dinâmica sugere fortemente que o documento final não usará os termos gay ou LGBT, pois cada parágrafo deve receber a aprovação de dois terços dos votos para ser incluído e isso não parece provável se as palavras polêmicas forem incluídas.
Em vez disso, os bispos parecem estar favorecendo termos como “inclusivo” e “acolhedor” para descrever uma atitude geral de abertura não apenas para os gays, mas para todos. Outros estão enfatizando que todos, gays ou heterossexuais, são pecadores que precisam da graça de Deus, e todos são chamados à conversão - embora o que os gays, em particular, tenham que converter não seja sempre explicitado.
Mesmo essa linguagem transigente, que essencialmente deixaria cada bispo livre para decidir o que isso significa em sua diocese quando se trata de pessoas LGBT, pode não agradar aos conservadores. E apenas oferecer boas-vindas genéricas pode não agradar aos defensores dos gays.
“Francisco disse ‘bem-vindos’ há cinco anos. O sínodo deveria ser um momento de discussão, para fazer as coisas avançarem. Acho que temos que ir além das boas-vindas. O fato de eles estarem usando esse termo não é ruim, só que não é específico o suficiente”, disse Francis DeBernardo, diretor executivo do New Ways Ministry, que defende os católicos LGBT.
“O que vocês vão fazer com as pessoas LGBT depois de acolhê-las?”, acrescentou DeBernardo, que está em Roma, neste mês, para reportar sobre o sínodo e a abordar as questões LGBT. Ele observou que os católicos gays continuam a enfrentar discriminação - um trabalhador da Igreja em San Diego renunciou, na semana passada, depois de meses de abuso - e outros são rotineiramente demitidos quando bispos ou líderes da Igreja descobrem que eles são gays.
DeBernardo sentiu que o fato de o Sínodo estar tentando discutir abertamente a questão era um desenvolvimento positivo.
Os Papas anteriores, disse ele, “foram se encurralando com as questões LGBT”.
“Acho que Francisco e as reuniões como essa estão, pelo menos, permitindo uma maneira para que eles saiam dessa situação”, disse ele. “É o primeiro passo para sair dessa situação. Mas não pode ser o último passo, porque ainda não estão respondendo ao problema”.
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Sínodo: Bispos debatem com que termo chamar os gays - Instituto Humanitas Unisinos - IHU