01 Agosto 2018
Um promotor chileno anunciou neste fim de semana seus planos para fazer um "julgamento histórico" contra a Igreja Católica por tentar esconder ou eliminar provas relacionadas ao abuso sexual clerical, confirmando o que o Papa Francisco disse em maio numa carta à Conferência Episcopal do país: “Sei que houve religiosos que destruíram provas”.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 31-07-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Em uma entrevista concedida a um jornal espanhol, o promotor Emiliano Arias comparou a decisão da Igreja do Chile de não cooperar com as autoridades civis a ter “corpos mortos” não declarados sob uma capela.
O Chile é um país abalado pela crise dos abusos. O Ministério Público do país anunciou na semana passada a existência de um registro que compila 158 pessoas relacionadas à Igreja - bispos, padres, irmãos e irmãs religiosos e leigos em posições de liderança - que foram investigados desde 2000.
Nesse registro, há pelo menos 266 vítimas, das quais 178 eram menores na época em que foram abusadas. Muitos observadores apontaram que isso pode ser apenas a “ponta do iceberg”, uma vez que cerca de 90% dos casos de abuso sexual nunca vêm à tona.
Existem atualmente 37 casos abertos de abuso sexual dentro da Igreja Chilena, mas o número cresce a cada semana. No dia 21 de agosto, Arias interrogará o chefe da arquidiocese de Santiago, cardeal Ricardo Ezzati, considerado o líder da Igreja chilena por sua posição. Ele foi convocado por alegações de que encobriu casos de abuso sexual clerical.
Arias acredita que Ezzati sabia que o ex-chanceler da diocese enfrentou alegações de má conduta sexual. O padre Óscar Muñoz se autodenunciou às autoridades da Igreja no final de 2017, por ter abusado sexualmente de um menor e, dias depois, foi afastado de sua posição. Desde então, se tornou público que ele supostamente abusou de pelo menos sete menores de idade, dos quais cinco são seus sobrinhos.
Entre outras coisas, Muñoz foi o encarregado de registrar novas alegações de abuso sexual clerical quando chegaram à arquidiocese.
Arias é o encarregado de investigar o abuso sexual e de liderar a investigação em nível nacional. Graças a incursões a vários arquivos da diocese nas últimas semanas, hoje ele tem informações de 90 investigações canônicas sobre alegações de abuso que foram realizadas desde 2007.
Falando sobre o alvo de sua investigação, Arias foi claro: "A cultura de encobrimento dentro da Igreja Católica permitiu que esses crimes acontecessem". Esse caminho, disse, o leva diretamente aos bispos.
“A quem todas as alegações de abuso sexual contra crianças e adolescentes passam? Pelo bispo, e ele sabe dos fatos durante todo o processo”, completou Arias.
Arias suspeita que “o sistema não funcionou, porque as vítimas não receberam atenção adequada, não acreditaram nelas, investigações não são realizadas e nem mandadas à Congregação Para a Doutrina da Fé do Vaticano, além disso, o sistema de justiça canônico é ineficiente”.
“Sabemos que os religiosos chilenos destruíram provas de abuso sexual”, disse ele.
Arias reconhece que Francisco “abriu o caminho para investigar o encobrimento dos abusos” com a carta que enviou aos fiéis chilenos em 31 de maio.
Nos últimos seis meses, o pontífice argentino deixou de ser um forte defensor de um dos bispos chilenos acusados de encobrir o mais infame padre pedófilo do país, Fernando Karadima, para se desculpar por seus erros. Ele enviou dois representantes ao Chile para investigar o caso do bispo Juan Barros. Dois meses depois, recebeu um relatório de 2,3 mil páginas - resultado de entrevistas com mais de 60 pessoas.
“A carta é forte. Um chefe de Estado está nos dizendo que alguns de seus cidadãos no Chile têm uma cultura de encobrimento e abuso”, disse Arias ao El País.
Depois de entrar nos arquivos das arquidioceses de Rancagua e Santiago, Arias conseguiu prender Muñoz.
“Vamos realizar um julgamento histórico. Caso determinados bispos tivessem cumprido sua devida diligência, boa parte dos abusos sexuais contra menores cometidos por religiosos chilenos poderiam ter sido evitados”, disse Arias, pedindo desculpas às vítimas.
Depois que os promotores divulgaram o número de casos que estão sendo investigados, os bispos chilenos decidiram convocar uma assembleia geral extraordinária. A reunião será realizada nesta semana, de segunda a sexta-feira, e, de acordo com os próprios bispos, eles estão se reunindo para enfrentar a crise. Também serão convidadas vítimas de abuso sexual para compartilhar seu testemunho.
De acordo com um comunicado divulgado na semana passada, o objetivo do encontro é analisar “as causas e raízes da atual crise pela qual a Igreja atravessa, definir os caminhos a seguir em nível nacional e algumas ações gerais e específicas para as dioceses”.
O bispo Fernando Ramos, secretário geral da Conferência Episcopal chilena, disse que o encontro se enquadra neste “momento especial que a Igreja vive”, acrescentando que depois da carta enviada pelo Papa à Igreja chilena, os bispos “almejam um caminho de discernimento para assumir os desafios que ele nos colocou e aqueles que nós mesmos queremos trabalhar”.
Na carta, assinada e tornada pública em 31 de maio, dirigida aos católicos do Chile, Francisco disse estar envergonhado pelo fato de que “não ouvimos” as vítimas de abuso sexual clerical a tempo.
Ele também reconheceu que a Igreja Católica precisa de ajuda externa para abordar essa questão. “Pretender que esse empreendimento dependa unicamente de nós, de nossos pontos fortes e ferramentas, nos envolveria em perigosas dinâmicas que pereceriam em um curto prazo”, afirmou o Papa.
“Vamos nos permitir ser ajudados, e assim gerar uma sociedade onde a cultura do abuso não encontre espaço para se perpetuar”, disse Francisco em sua carta, exortando todos os cristãos a se unirem para promover “com lucidez, e com estratégia, uma cultura de cuidado e proteção”.
"Uma das nossas principais falhas e omissões é que não sabemos ouvir as vítimas. Por este motivo, conclusões parciais foram construídas, faltando elementos cruciais para um discernimento saudável e mais claro", disse Francisco na carta lida quinta-feira.
O “nunca mais” na cultura do abuso e do encobrimento, escreveu o pontífice, exige “que todos trabalhem para gerar uma cultura de cuidado que impregne as formas como nos relacionamos, rezamos e pensamos”.
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Chile. Promotor garante "julgamento histórico" sobre abuso sexual clerical - Instituto Humanitas Unisinos - IHU