08 Julho 2018
Padres, teólogos e leigos que participam de pastorais têm respondido aos recentes comentários de um alto oficial do Vaticano, que sugeriu faltar experiência aos padres para oferecer programas de preparação de casais.
A reportagem é de Ed Condon, publicada por Catholic News Agency, 06-07-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Em uma entrevista recente com a revista católica irlandesa Intercom, cardeal Kevin Farrell, líder do Dicastério do Vaticano para Leigos, Família e Vida, disse que "os padres não são as melhores pessoas para formar outras pessoas para o casamento."
"Eles não têm credibilidade. Eles nunca viveram a experiência. Eles podem saber de teologia moral, teologia dogmática na teoria, mas daí a colocá-la em prática todos os dias... Eles não têm a experiência", acrescentou o cardeal.
Os comentários ecoaram observações que o cardeal fez em setembro de 2017, quando disse que os padres não tinham "nenhuma credibilidade quando se trata de viver a realidade do casamento."
Edmund Adamus serviu por quase quinze anos como Diretor para Casamento e Vida de Família para a Arquidiocese de Westminster, na Inglaterra, antes de se tornar comissário de escolas para a Diocese de Portsmouth, também na Inglaterra. Adams disse ao CNA que as observações de Farrell não refletem sua experiência na preparação de casais ao matrimônio.
"Em uma carreira de 30 anos de ministério e apostolado da vida familiar na Igreja, sempre achei a contribuição do padre ser inestimável tanto na tarefa de preparar casais para o casamento, bem como a de apoiar e sustentar os casais através de crises", disse ele.
Adamus continuou: "dizer que o padre não tem nenhuma credibilidade com o casal de noivos ou de casados porque ele não tem nenhuma experiência direta da vida de casado... nega a visão do grande modelo de serviço sacerdotal à vida de casado e amor, São João Paulo II".
"É por causa de, e graças a sua teologia inspiradora do corpo", disse Adamus, "que nós temos uma hermenêutica em que padre e cônjuges podem verdadeiramente explorar juntos o que Familiaris consortio chamou 'fecundidade sobrenatural'."
Esses sentimentos foram compartilhados pelo padre Thomas Petri, OP, vice-presidente e decano da Faculdade Pontifícia da Imaculada Conceição, em Washington D.C.
"Só posso supor que existe mais sobre aquilo que o cardeal Farrell quer dizer do que está sendo relatado, pois à primeira vista, a afirmação de que padres não têm credibilidade em matéria de casamento é totalmente confusa", disse Petri.
"Se vamos insistir que padres não têm credibilidade em matéria de matrimônio, então nós não só ignoramos a teologia dogmática e moral do Sacramento, mas também dizemos que os fiéis não devem se aproximar de padres para conselhos sobre o casamento."
"Isso quer dizer que pensamos que o grande livro de que Karol Wojtyla "Amor e Responsabilidade" não tem nenhuma credibilidade? E que o seu trabalho, "A Teologia do Corpo", não é credível? Então, como os fiéis devem considerar a encíclica Amoris Laetitia do nosso Santo Padre, que é o mais longo documento eclesial na história sobre o casamento?" questionou Petri.
"A experiência que São João Paulo II teve com muitas famílias que tentavam viver a vida de casados não vale nada? A experiência do Papa Francisco com essas famílias não vale nada?”
Adamus e Petri concordaram que as melhores formas de preparação para o matrimônio envolvem padres e outros casais trabalhando juntos.
"A maioria dos padres que conheço concorda que casais que estão vivendo sua fé no casamento e lutando pela santidade, não devem apenas estar envolvidos com a preparação de novos casais para o matrimônio, mas também, eles próprios são exemplos de que o ensinamento do nosso Senhor sobre o casamento não é um ideal inatingível, mas sim o caminho para a verdadeira felicidade e liberdade”, acrescentou Petri.
O benefício para a cooperação entre os sacerdotes e casais casados também foi enfatizado por John Grabowski, professor de teologia moral e ética na Catholic University of America.
Grabowski, que serviu como auditor especialista ao Sínodo Sobre a Família de 2015 em Roma, disse ao CNA que as observações do cardeal Farrell apontam para a importância de envolver os casais casados em programas de preparação ao matrimônio.
"A declaração do cardeal Farrell me lembra um pouco do estilo do Papa Francisco; Ele é muito sincero em mostrar seu ponto. Neste caso, talvez tenha sido um pouco hiperbólico, mas acho que há um ponto válido sobre a importância do envolvimento crescente de casais já casados nas formações de outras pessoas ao matrimônio, antes e depois do casamento."
Cônjuges, Grabowski disse, "trazem coisas em termos de sua experiência de vida, que têm valor significante. Veritatis Splendor fala de 'conhecimento da moral pela experiência' e isto desempenha um papel fundamental na oferta de uma boa formação e apoio da Igreja a casais, noivos e casados."
Grabowski enfatizou que tanto padres como casais leigos trazem perspectivas originais para a formação de casais para o matrimônio, e que a combinação dos dois é essencial.
"Uma boa formação se baseia no trabalho conjunto de padres e outros casais. Assim como as pessoas casadas têm uma vivência direta, padres trazem uma perspectiva original de sua experiência enquanto sacerdotes. Além de oferecer a formação necessária sobre a teologia do matrimônio, eles também podem atuar como uma espécie de lente grande-angular, dando uma perspectiva mais ampla sobre as alegrias e dificuldades da vida de casado. Essa contribuição é formada nos anos de acompanhamento de diferentes casais", disse ele.
"Minha esposa e eu estamos formando e preparando outros casais para o matrimônio por mais de vinte anos, e temos ajudado a oferecer apoio e formação permanente para casais depois do casamento", acrescentou Grabowski.
"Nós recentemente lançamos um programa para formação para o matrimônio, e nele explicitamente recomendamos que seja usado com a intervenção de um padre escolhido especificamente para essa razão."
Grabowski também salientou que as vocações para o matrimônio e o celibato se apoiam uma na outra.
"Não é uma questão", disse Grabowski, "de uma experiência ser válida e a outra não. Esta é uma falsa contradição. As distintas vocações do matrimônio e do celibato são entendidas como complementares e mutuamente apoiadas, e não contraditórias.”
"Temos visto com muita tristeza uma diminuição de vocações para o sacerdócio nos Estados Unidos nos últimos anos, e acho que isso esteja relacionado a uma crise no casamento e na família. Sem uma compreensão adequada da dignidade do casamento e do amor matrimonial, o celibato também perde o seu valor”, acrescentou.
Alguns padres disseram ao CNA que as observações aparentes de Farrell têm perpetuado equívocos sobre o sacerdócio.
Um padre que serve na Diocese de Dallas, onde Farell atuou como bispo entre 2007-2016, disse ao CNA que "comentários como este entristecem seu coração."
O padre lamentou que os comentários de Farrell deixassem as pessoas confusas, dizendo que em sua experiência, o cardeal "fica animado com alguma coisa e a diz de maneira que seja talvez mais forte do que o pensamento por trás dela."
Padre William Dailey, CSC, diretor do centro Notre Dame-Newman Para a Fé e a Razão em Dublin, disse ao CNA que os comentários do cardeal "tomados por sua feição", diminuem "os esforços de muitos padres que trabalham com amor e dedicação para formar cônjuges em toda a Igreja."
"Obviamente, a preparação de casamento deve incluir mais vozes do que apenas as celibatárias. Mas um padre pode oferecer sabedoria pastoral de sua experiência, orientação espiritual sobre a vida de oração e como incorporá-la em uma relação, por exemplo", disse ele.
"Esperamos que o cardeal tenha se expressado mal ou que tenha sido mal interpretado, e que ele possa ampliar suas observações a fim de elaborar um argumento diferente ou de voltar atrás no que disse, esclarecendo que não é realmente assim que ele pensa."
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Católicos pedem esclarecimentos sobre observações do cardeal Farrel sobre preparação de pessoas para o casamento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU