28 Junho 2018
Reduzir o uso desse material se tornou o principal desafio ambiental ao lado da mudança climática. Consumidores, instituições e empresas começam a tomar medidas.
A reportagem é de Silvia Blanco, publicada por El País, 26-06-2018.
O cachalote achado em uma praia em Múrcia (sudeste da Espanha) em fevereiro estava morto havia 15 dias. Foi no cabo de Palos, perto do farol. Nas fotos feitas pelas equipes de resgate, o animal aparece na beira do mar, sozinho, enorme, deslocado. Um trator rebocou-o para terra. Foi medido e pesado. Seus 6.520 quilos foram levados a um armazém. Dez metros de mamífero inerte ficaram no chão. Uma equipe do Centro El Valle de Recuperação da Fauna Silvestre realizou a necropsia. Colocaram-no de lado e começaram a cortar. Usaram serras, facas e machados. Naquele estado de decomposição, explica Fernando Escribano, um dos veterinários que participaram da operação, não esperavam averiguar grande coisa. A ideia era obter amostras de seus órgãos para analisá-las.
Mas enquanto avançavam através da carne e da gordura, posicionados praticamente dentro do animal, descobriram que todo o aparelho digestivo, dos estômagos ao reto, estava cheio de plástico. Tiraram de seu interior 29 quilos de sacos plásticos e de ráfia, cordas, um pedaço de rede, uma bolsa de praia e uma lata. Limparam e classificaram o material. Ao terminar, tinham uma causa mortis clara, a roupa empesteada com o cheiro de gordura rançosa e uma persistente sensação de tristeza.
“Engasgou-se com plástico, e além disso teve a má sorte de comer uma lata. Não foi capaz de expeli-la e isso provocou um tamponamento que paralisou o seu sistema digestivo”, relata Escribano. Pode ter morrido pela obstrução ou porque esses materiais perfuraram-lhe o intestino. Um cachalote dessa idade deveria pesar o dobro. Passava fome com a tripa cheia de plástico. Os veterinários calcularam que era um adolescente, que devia ter 15 anos, dos 70 que essa espécie pode alcançar. Os cachalotes costumam mergulhar a grande profundidade para pescar lulas. “Ele tentava se alimentar, em um dos estômagos tinha uns bicos de lula, mas muito poucos. É a pior morte que há”, comenta o especialista. Dos 2.500 animais vivos que passam a cada ano pelo centro de recuperação, os mais afetados pelo plástico são as tartarugas-amarelas. “É a principal causa de internação dessa espécie, seja por ingestão, ou porque as aletas ficam enredadas em estruturas plásticas. Algumas chegam amputadas”, conta. “Antes o problema era a pesca, agora é o plástico.”
Longe da praia, o gesto cotidiano de voltar do supermercado para casa e colocar a compra em seu lugar começa a ter algo de perturbador para cada vez mais cidadãos. Ambos os cenários estão conectados pelo mesmo desastre, o dos 150 milhões de toneladas de plástico que, segundo estimativas, estão dentro dos oceanos, e cuja massa até 2050 será maior que a dos peixes, de acordo com uma conhecida projeção da Fundação Ellen McArthur, dedicada a promover uma economia circular que rompa a cadeia de usar e jogar fora. Esse exercício de contemplar a quantidade de embalagens, sacolas e potes colocados sobre a mesa da cozinha dá uma ideia da assombrosa capacidade que um só lar tem de gerar refugos plásticos. O problema se agrava quando se leva em conta que, em escala mundial, só 9% de todo o material produzido acaba sendo reciclado. Uma das principais razões é que é mais fácil e barato fabricar do que reciclar.
Nos últimos três anos, o plástico entrou totalmente na agenda política internacional e das multinacionais, que começam a notar a pressão da opinião pública para minimizar ou eliminar o uso do plástico descartável. A Comissão Europeia apresentou no fim de maio sua estratégia para reduzir a poluição por plástico, que deverá ser aprovada pelos países do bloco. Os cotonetes e os pratos e talheres desse material serão proibidos e substituídos por alternativas sustentáveis.
Essas medidas, que também preveem que a indústria se responsabilize em parte pela limpeza e reciclagem do lixo plástico que gera, são só o princípio de uma solução para um problema complexo e global. A migração para uma economia circular, na qual se reutiliza ou se recicla quase todo o material, ainda está acontecendo, assim como o estabelecimento de sistemas de reciclagem eficazes em países que encabeçam a lista dos que mais despejam plástico no mar, como a China, a Indonésia e as Filipinas.
No Brasil, o Rio de Janeiro se tornou a primeira cidade brasileira a aprovar um projeto de lei que proíbe a utilização do canudo de plástico, um dos vilões da natureza, já que demora cerca de cem anos para se decompor. Casa a medida seja sancionada pelo prefeito Marcelo Crivella, os estabelecimentos comerciais terão que usar canudos de papel biodegradável. Preocupados com o danos que os aparentemente inofensivos canudos podem causar a natureza, artistas como Sérgio Marone, Fernanda Paes Leme, Mateus Solano e Sheron Menezes, resolveram se unir ao movimento #paredechupar. O movimento é inspirado no #stopsucking e tem por objetivo sensibilizar e mobilizar a sociedade, empresas e governos a repensarem seus consumos, e caminhar para o banimento e substituição desses materiais.
A atitude dos consumidores, enquanto isso, começa a mudar as coisas. O caso das sacolas é uma prova clara. A partir de 1º. de julho se cobrará por elas nos comércios do continente, e algumas empresas já percebem que é necessário ir além, como a rede alemã de supermercados Lidl, que as suprimirá de todos os seus estabelecimentos antes do final do ano. Segundo uma pesquisa feita em 2017 pelo Eurobarômetro, 87% dos europeus se preocupam com o impacto ambiental do plástico. Mas isso ainda não se traduz de forma maciça em uma mudança de comportamento no cotidiano. A montanha de embalagens sobre a mesa da cozinha continua aí, e depois, na melhor das hipóteses, é atirada em uma lixeira específica.
Mas podemos viver sem plástico? A resposta curta é não. Desde que seu uso começou a se generalizar, na década de 1950, este material está por toda parte: de autopeças a brinquedos, móveis de escritório, máquinas de diagnóstico médico, frascos de detergente e sacos de batatas fritas. Mas é possível evitar sua utilização desnecessária e reduzir ao máximo o uso de embalagens descartáveis.
Em 2015, Patricia Reina e Fernando Gómez, autores do blog Vivir Sin Plástico, decidiram prescindir ao máximo desse material. “Chegava do supermercado e tinha uma sacola praticamente cheia de embalagens. Eu me sentia mal. E jogar isso no contêiner amarelo para reciclar não representava uma lavagem de consciência para mim”, diz Reina. Começaram a questionar hábitos que até então eram normais para o casal, como “voltar do trabalho cansado e passar no supermercado para comprar sei lá o quê, e, como não tinha levado sacola, pegava uma de lá”, diz Gómez. Começaram o blog para documentar o processo de ir se desfazendo desse material ubíquo: “Guardávamos todos os plásticos que tínhamos acumulado de segunda-feira a domingo, o colocávamos sobre uma mesa e tirávamos uma foto para publicar junto com a lista de tudo o que era. É importante ver tudo junto”, conta Reina. Depois analisaram a procedência, e logo descobriram que sua principal fonte de plástico era a comida. Não se tratava de produtos processados: “Eram sobretudo legumes, sacos de salada, espinafres, vagens, arroz, frutos secos”, enumera.
Nos supermercados é fácil ver um abacate solitário envolto em plástico transparente, ou bananas num saco, ou que na peixaria coloquem os filés recém-cortados em bandejas de poliestireno. Mesmo quando se compra a granel, na maioria dos estabelecimentos é preciso colocar cada grupo de produtos em um saco diferente, e em alguns, além disso, usar luvas do mesmo material para manuseá-los. “O mais complicado foi mudar de hábitos”, afirma Reina. “Antes eu descia ao supermercado quando tinha fome e comprava o que me ocorria. Se você quer viver sem plástico não pode fazer isso, precisa de planejamento. Também nos custou encontrar o lugar onde comprar cada coisa. Mas você se acostuma e torna isso rotineiro.”
Conseguiram colocar todo o plástico gerado por cada um deles ao longo de dois anos em um pote de um litro; algo que por enquanto é bastante insólito. Entretanto, cada vez mais gente parece interessada em seu modelo. “Muitos nos escrevem dizendo que já tomaram a decisão. O importante é reduzir, há muitíssimo que se pode evitar. Não é preciso que você vá viver numa montanha. Continuamos usando o celular e o computador, que também têm plástico. A indústria e os Governos têm sua parcela de responsabilidade. Mas também os consumidores”, diz Reina. Um exemplo desse poder é a campanha Desnude a Fruta, que eles impulsionaram com outras organizações e que funcionou em vários países. Consiste em fotografar um exemplo de embalagem desnecessária – uma única cebola sobre uma bandeja de plástico e coberta de mais plástico, por exemplo –, publicá-la nas redes sociais e mencionar o estabelecimento que as vende. Seu blog está cheio de conselhos sobre como fazer desodorante caseiro ou sobre alternativas em termos de cosméticos e produtos de limpeza doméstica.
Sua luta cotidiana é parte daquele que já virou o principal desafio ambiental do mundo ao lado da mudança climática. A ciência vem apontando a magnitude do problema. Sabe-se, por exemplo, que há pelo menos 700 espécies afetadas pelo plástico, segundo um estudo da Universidade de Plymouth, e que, delas, 17% estão ameaçadas de extinção, como a foca-monge-do-havaí e a tartaruga-amarela. Está demonstrado que o plástico que chega ao mar se fragmenta em muitos pequenos pedaços, que se distribuem em altas concentrações ao redor dos cinco giros subtropicais, enormes massas de água que os transportam a grande velocidade por todos os oceanos. Esses microplásticos infestam mares semifechados, como o Mediterrâneo, e alcançam os lugares mais remotos, praticamente sem população que seja capaz de gerá-los, como o Ártico. Está provado que penetraram na cadeia alimentar dos oceanos e que há plástico até no sal de mesa e na água engarrafada.
Não se sabe, entretanto, qual é o efeito da sua ingestão sobre a saúde humana. Sua inquietante onipresença atravessa os animais maiores, como baleias e cachalotes, e se infiltra nos seres microscópicos. Um estudo publicado há um mês na Nature Communications constata que está afetando inclusive as bactérias. Como explica sua autora principal, Cristina Romera-Castillo, pesquisadora do Instituto de Ciências do Mar, em Barcelona, o plástico libera carbono orgânico dissolvido que se soma ao que se encontra de maneira natural no oceano, e as bactérias se alimentam dele e crescem mais rápido. Ainda não se conhecem as implicações dessa conclusão, mas ela mostra até que ponto o lixo plástico é capaz de alterar o ecossistema marítimo.
Se está tão claro que o uso que se faz do plástico é um problema, o que impede que mais gente se una ao movimento para reduzi-lo? “Em parte é por desconhecimento”, diz Reina. “Preguiça”, decreta Fernando Gómez. “Acham que coisas como levar sempre sua própria sacola é um esforço extra. É difícil mudar a forma de comprar.” Além disso, os produtos alternativos geram certo rechaço. “Há muita resistência em deixar o creme dental ou o desodorante.”
Apesar dessas reticências, a batalha contra o plástico avança com grande rapidez em comparação, por exemplo, com a luta contra a mudança climática. “Todo mundo entende o problema, é mais tangível. Basta ir ao supermercado, à praia…”, diz Ferran Rosa, da ONG Zero Waste Europe, que tem sede em Bruxelas e agrupa 30 entidades de 25 países europeus, dedicadas a reduzir a geração de resíduos. A proposta da Comissão Europeia é um sintoma desse avanço. “É um passo adiante, embora se centre muito na reciclagem e menos na redução de embalagens. Mas há um ano e meio essa legislação era impensável”, comenta. “Apostamos na redução do plástico na origem e achamos que o de um só uso, como talheres e canudinhos, é dispensável. Trata-se de achar soluções mais inteligentes. Por exemplo, nas festas populares, onde há milhares de copos de plástico descartáveis, pode-se instituir um depósito [de cinco reais, por exemplo] pelos copos reutilizáveis”.
Também trabalham para “dessocializar” o plástico de um só uso, transformá-lo em algo que gere rejeição. “Assim como o cigarro antes era visto como algo atrativo e agora se sabe que é prejudicial e é mal visto, acredito que em alguns anos o que agora nos parece normal com o plástico, como beber coquetéis com canudinho, comprar sacolas cada vez que se vai ao supermercado… Será visto como algo marciano.”
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Ações para cuidar de um planeta asfixiado pelo plástico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU