22 Junho 2018
Copom redefine hoje a taxa Selic. Deveria baixá-la, para enfrentar a recessão. Mas, submisso aos mercados financeiros globais, teme o fantasma de uma crise cambial — e talvez adote rumo oposto.
O artigo é de Paulo Kliass, doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal; publicado por Outras Palavras, 20-06-2018.
Ao longo desta terça e quarta (19 e 20), o Conselho de Política Monetária (COPOM) estará realizando sua 215ª reunião ordinária. Da mesma forma como acontece a cada 45 dias, todos os integrantes da diretoria do Banco Central (BC) mudam seus respectivos uniformes e convertem-se em conselheiros do colegiado que define os patamares da taxa oficial de juros do País, a SELIC.
A longa duração do encontro guarda relação com uma suposta importância do cerimonial vetusto para justificar a tomada de posição a respeito de assunto tão importante para o presente e futuro da economia brasileira. Todos ali se conhecem suficientemente bem, participam diariamente de conversas no interior do próprio BC e trocam sistematicamente impressões a respeito da conjuntura e das perspectivas da situação econômica.
Mas o jogo de cena em torno da suposta seriedade com que tratam a definição dos alicerces da política monetária não pode ser desmerecido. Para além da decisão relativa ao que vão fazer com o nível da SELIC em si, há muita preocupação com a divulgação dos resultados da reunião, em especial a tão famosa e esperada Ata da Reunião. Afinal imagina-se que ninguém no mercado financeiro seja tão ingênuo o suficiente a ponto de imaginar que algum desses indivíduos entre nesse tipo de reunião em dúvida sobre aumentar, diminuir ou manter a SELIC.
Todos eles fazem da própria atividade profissional cotidiana o acompanhamento da dinâmica da atividade econômica e conhecem os números de tal realidade de cor e salteado. Os elementos determinantes de uma eventual alteração no patamar da taxa de juros estão dados e são bastante conhecidos de cada um de seus membros. Não creio que seja um arroubo de capacidade retórica ou argumentativa que fará com que alguém seja capaz de mudar de opinião naquele espaço. Afinal, ao contrário do que a grande imprensa conservadora tenta nos fazer acreditar, os fundamentos desse tipo de decisão encontram-se muito mais nas explicações pelo lado da política do que em eventual conhecimento teórico ou capacidade técnica.
As opções estão dadas e todos nós sabemos muito bem quais são elas. As colunas de fofocas do sistema financeiro especulam sobre qual o comportamento do colegiado, mas não há muito o que inovar com a atual composição. A SELIC pode ficar nos atuais 6,5% e ou talvez subir um pouco para 6,75%. Mas o perfil conservador e ortodoxo de seus integrantes não permite qualquer hipótese de redução da mesma, por mais que tal mudança de rumo seja uma espécie de unanimidade no conjunto da sociedade.
A missão que o nosso arcabouço legal e institucional confere ao COPOM vem do esforço de estabilização macroeconômica alcançada a partir da edição do Plano Real em 1994. Assim, o conselho deve avaliar a SELIC apenas a partir do comportamento do nível de preços. Tal diretriz é bastante diferente, por exemplo, do que é disposto para a autoridade monetária norte-americana. Os grandes meios de comunicação por aqui não mencionam, pois para eles aquele é o modelo idealizado de perfeição na condução da política econômica. Mas o fato é que o FED é obrigado a estabelecer os níveis da taxa oficial de juros dos Estados Unidos tendo como referência a estabilidade de preços e o nível de atividade da economia daquele país.
Aliás, essa é uma das mudanças fundamentais necessárias para o novo governo que deve tomar posse em 2019. Manter a SELIC nos níveis atuais com o Brasil experimentando a maior recessão de sua história é um tiro no pé em qualquer projeto nacional de desenvolvimento, com exceção óbvia dos interesses do financismo. Caso a nossa regra previsse também a preocupação com atividade econômica e com o nível de emprego, o COPOM já teria tido a obrigação de reduzir sua taxa há muito tempo. Como tal atribuição menciona apenas o olhar sobre as taxas de inflação, a tecnocracia da finança tupiniquim tenta se justificar depois de oferecer sua parcela decisiva de contribuição para o agravamento do quadro estagnante.
Graças à receita perversa de uma recessão induzida e encomendada, a inflação não é aspecto que preocupe atualmente. A presente reunião deve se pautar pelo olhar para a necessidade urgente de retomada do crescimento da nossa economia e para o cenário internacional marcado por instabilidade. Ocorre que o temor de uma revoada de parte dos recursos externos especulativos aqui presentes continua a influenciar as decisões do COPOM, em sintonia ao pensamento dos defensores da atual (des)ordem financeira. Esse enredo já é bastante conhecido de todos nós há muito tempo. A autoridade monetária insiste em manter a taxa de juros em patamares mais elevados do que os exigidos pela atividade interna, uma vez que sua preocupação central é elevar a rentabilidade dos detentores de títulos financeiros (públicos ou privados) de curto prazo.
No cenário internacional, o FED, banco central norte-americano continua em sua trajetória de aumento paulatino da taxa oficial de juros. Elevou-a recentemente para 2% ao ano, dando sequência a uma lenta e gradual elevação ao longo dos últimos anos. Em 30 meses, a taxa foi multiplicada por 4, saindo de 0,5% para os atuais valores. Em seu afã tresloucado por manter o mesmo nível de atratividade dos papéis brasileiros, o COPOM se recusa a cumprir o papel de estimulador da retomada da atividade econômica produtiva no Brasil. Assim, se recusa abaixar a SELIC.
Em outro campo de batalha, a questão cambial passa também a preocupar os responsáveis pela política econômica. A instabilidade internacional ganha em incerteza, com os conflitos indefinidos entre o governo Trump e os parceiros internacionais dos EUA, em particular a China. Além disso, os arroubos do presidente norte-americano no Oriente Médio provocam mudanças nos preços da principal fonte energética do mundo contemporâneo, o petróleo. Com isso, ganha reforço a tendência a um ataque especulativo derivado apenas da chantagem contra eventuais candidatos às eleições que proponham alterações na condução da política econômica.
O BC queima nossas reservas externas com a política irresponsável de lançamento de grande volume de títulos públicos chamados “swaps” cambiais. Com isso, termina por aceitar um jogo perigoso junto aos gigantes do mercado financeiro, que insistem em aumentar seu blefe contra o governo. Para evitar uma desvalorização ainda maior do real frente ao dólar, a autoridade monetária fica ainda mais receosa em promover uma flexibilização da taxa de juros. O assim chamado “mercado” continua apostando alto e fazendo jogadas com níveis simbólicos que atingem o imaginário popular, como as tais “marcas” de cotações em R$4 ou R$5 para cada unidade da moeda norte-americana. A cada dia os gigantes das finanças pressionam, testam, avançam e também recuam. Mas sempre ganham em suas apostas, uma vez que estão lastreados em papéis oferecidos pelo próprio governo para conter a excitação desses mesmos agentes. Ou seja, o comando da economia segue refém absoluto daqueles que nada mais fazem senão especular.
Estamos diante de um governo que disputa sua popularidade rastejante com as margens de erro das pesquisas de opinião. O responsável pelo atual quadro de desastre social e econômico, Henrique Meirelles, pede demissão do Ministério da Fazenda para se candidatar à sucessão de Temer, mas não alcança mais do que 1% na preferência do eleitorado. Diante de tal quadro, qual a legitimidade de um colegiado como esse para tomar decisões tão importantes para o futuro do País? Além da atual, ainda estão previstas mais quatro reuniões do COPOM até o final do ano. O mínimo que se pode esperar é uma postura cautelosa e que não lancem ainda mais o Brasil no pântano da recessão e da piora das condições para a retomada da atividade econômica.
Afinal, a sociedade discute cada vez mais amplamente o quadro atual e debate a respeito das alternativas de futuro. Esse é a intenção maior do processo eleitoral. Todos trabalhamos por um pleito justo e pela posse de um novo governo assentado na vontade popular. Uma equipe que seja portadora de um projeto desenvolvimentista e de mudanças necessárias para superar o quadro desastroso para o qual fomos empurrados ao longo dos últimos dois anos.
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Economia: o Brasil diante da velha ameaça - Instituto Humanitas Unisinos - IHU