03 Março 2018
No mundo, uma em cada seis crianças vive em áreas afetadas por conflitos, um número que cresceu 75% em relação ao início dos anos 1990. A Síria é o país onde as consequências da guerra são as mais graves para as crianças. Enquanto continuam os bombardeios na área de Ghouta, justamente na Síria, a Save the Children lança o novo relatório “Guerra às crianças”, segundo o qual entre 2005 e 2016, foram mais de 73 mil os menores mortos ou mutilados, cerca de 50 mil os obrigados a se filiar a forças ou grupos armados, 17.500 casos de estupros e violências sexuais contra menores, mais de 14 mil sequestros e raptos e mais de 15 mil ataques a escolas e hospitais.
A reportagem é de Luisiana Gaita , publicada por Il fatto Quotidiano, 21-02-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
No dossiê é mostrado como mais de 357 milhões de crianças estão vivendo agora em áreas assoladas pela guerra, enquanto no início da década de 1990 eram 200 milhões. "Aproximadamente 165 milhões, quase metade do total, estão localizados em áreas marcadas por guerras de alta intensidade - afirma o relatório - forçadas a lidar com sofrimentos inimagináveis". E as suas condições pioram a cada ano. As razões? A crescente urbanização das guerras, o uso de armas explosivas em áreas intensamente povoadas e a natureza mais abrangente e prolongada dos conflitos modernos "que colocam os civis e, especialmente, as crianças na linha de frente". De fato, são usadas táticas cada vez mais brutais para atingir os menores, como bombardeios diretos a escolas ou hospitais, ou o uso cada vez mais intenso de bombas de fragmentação, barris ou explosivos improvisados. A Síria, o Afeganistão e a Somália, conforme dados do relatório, estão localizadas no topo da lista dos 10 países afetados pela guerra onde é mais difícil a existência para as crianças e onde as consequências sobre as suas vidas são ainda mais graves. Na sequência vêm o Iêmen, Nigéria, Sudão do Sul, Iraque, República Democrática do Congo, Sudão e República Centro Africana, enquanto o Oriente Médio e África resultam as macro-regiões com as maiores taxas do mundo em que vivem menores em áreas afetadas por conflitos. Mais de um em cada três (39%) no Oriente Médio e dois em cada cinco (21%) na África.
Desde 2010, os casos verificados pelas Nações Unidas de crianças mortas e mutiladas aumentaram em quase 300%. Um incremento que também é devido ao fato de que nos últimos anos são atingidas intencionalmente as crianças "para infligir um grande dano emocional para as comunidades ou erradicar pela raiz as futuras gerações que pertencem a um grupo étnico ou religioso". Entre 2005 e 2016 mais de 73 mil crianças foram mortas ou sofreram mutilação no âmbito de 25 conflitos, com mais de 10 mil casos registrados apenas em 2016. No Afeganistão, por exemplo, onde o conflito perdura há quase 17 anos, em 2016 foi registrado o maior número de crianças mortas ou mutiladas, com mais de 3.500 crianças vítimas, 24% a mais do que no ano anterior. Cerca de 700 crianças, além disso, perderam suas vidas nos primeiros nove meses de 2017.
Quase 50 mil crianças foram recrutadas à força pelos grupos ou forças armadas entre 2005 e 2016. Em alguns casos tinham menos de 8 anos e foram obrigadas a combater, a transportar pesados suprimentos e equipamentos militares, muitas vezes a matar ou cometer graves atos de violência e, no caso das meninas, tornarem-se esposas e companheiras de soldados e combatentes. Apenas em 2016, foram quase 8 mil os casos de recrutamento forçado, com a Nigéria detendo o recorde com mais de 2 mil crianças forçadas a se unir a grupos ou forças armadas. Seguem a Somália e a Síria, onde em 2016 o número mais do que duplicou em relação a 2015. Na Somália, em especial, a situação se deteriorou ainda mais em 2017, com 3.335 casos registrados em comparação com os 900 de 2015. "Mesmo crianças particularmente vulneráveis - explica o relatório - não estão isentas de recrutamento forçado por grupos armados, como demonstra o caso da divisão de jovens criado pela Al-Qaeda no Iraque, chamada de 'Pássaros de paraíso', para atrair entre suas fileiras órfãos, portadores de deficiências mentais e crianças de rua a serem utilizadas em ataques suicidas contra alvos governamentais ou civis”.
É difícil ter os dados reais relativos aos abusos sexuais. Entre 1989 e 2009, estima-se que em 35% dos conflitos tenha se recorrido a formas de violência sexual contra menores que, além do estupro, incluem a escravidão sexual, a prostituição, a gravidez, a esterilização e o aborto forçados, as mutilações e torturas sexuais. Em especial, os casos documentados somam mais de 17.500 entre 2005 e 2016, com mais de 850 casos, só em 2016. Destes, mais de um terço estão associados com a Somália. De 2005 a 2016, as conclusões do relatório mostram que houve mais de 14.300 casos de menores raptados e sequestrados, com o pico registrado em 2015, quando os casos chegaram a 3.400, com o maior número no Sudão do Sul.
"As crianças que vivem em áreas de conflito - ressalta a Save the Children - estão cada vez mais em risco, mesmo quando eles estão na escola ou em hospitais, lugares que deveriam ser para a sua absoluta garantia de proteção". Hoje, no mundo, 27 milhões de crianças não têm acesso à educação por causa dos conflitos, por serem obrigadas a fugir de suas casas, por suas escolas terem sido destruídas ou danificadas ou porque seus professores fugiram. Entre 2005 e 2016, foram registrados mais de 15.300 ataques que tiveram como alvo escolas e estruturas sanitárias, com um aumento de 100% em uma década. Em 2017, pelo menos 2 mil ataques ocorreram no Iêmen e na República Democrática do Congo, 400% a mais do que em 2015. Colômbia, Síria, Afeganistão, Paquistão e Sudão são os países mais afetados, entre 2009 e 2012, por ataques contra escolas, enquanto em 2016, nos territórios palestinos ocupados, a Save the Children documentou 256 violações relacionadas com a educação, que atingiram mais de 29 mil crianças. Não só ataques e bombardeios: em muitos casos, as instalações escolares são ocupadas por grupos e forças armadas, que as utilizam para fins militares. Foi o que aconteceu entre 2013 e 2017 em pelo menos 29 países em todo o mundo. Quanto aos hospitais, na Síria, em 2011, ocorreram mais de mil ataques que tiveram como alvo clínicas e estruturas sanitárias e ainda ontem na área de Ghouta oriental foram atingidos quatro hospitais. No Iêmen, de março de 2015 a março de 2017, houve mais de 160 casos que ajudaram a acelerar o colapso do sistema de saúde do país e a propagação da epidemia de cólera.
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Save the Children: 357 milhões de crianças em zonas de guerra. A Síria é o país onde as consequências são piores - Instituto Humanitas Unisinos - IHU