26 Fevereiro 2018
Moradores de bairros pobres teriam sido proibidos de ir e vir para serem fichados por soldados.
O comentário é de Vinicius Torres Freire, jornalista, publicado por Folha de S. Paulo, 25-02-2018.
Neste país degradado além da conta habitual, caricaturas vulgares e extremas se revelaram monstros muito vivos, tais como aquelas de os maiores líderes políticos viverem em estado permanente e cínico de locupletação corrupta voluptuosa.
Quem passa por paranoico conspiratório talvez então esteja à beira de se revelar um realista presciente sobre os riscos de chacina de direitos e muito mais no Rio de Janeiro. É o que se teme, dados os indícios de violações de direitos no início da intervenção e desejos manifestos de cometer abuso sistemático, como o plano de mandados coletivos de busca e apreensão.
A intervenção na segurança pública do Rio é assunto controverso, mas em si um debate de política pública, por mais extrema que seja, e motivo de embate político normal. Mas a conversa agora é outra.
Cabe ao Ministério Público e à Polícia Federal investigar imediatamente o que parece extrapolação das medidas cabíveis em caso de intervenção. Na verdade, trata-se de restrições de direitos possíveis apenas em casos de estado de defesa ou de sítio, extremos que nem foram decretados pelo governo nem aprovados ou autorizados pelo Congresso, agora é necessário dizer. Estão em questão a violação de direitos fundamentais e crimes variados contra a Constituição.
Apenas no estado de sítio pode se obrigar alguém a permanecer em localidade determinada (restringir a liberdade de ir e vir, por extensão) ou restringir a liberdade de imprensa, do que há indícios na atuação das Forças Armadas, que tentavam afastar jornalistas dos locais dessas operações suspeitas.
Na sexta-feira (23), moradores de bairros pobres estariam sendo impedidos de ir e vir caso não se submetessem a serem “fichados” (fotografados e cadastrados) por soldados. Parece de resto um caso de batida indiscriminada, que desconsidera a presunção de inocência. Os responsáveis pelo sistema de Justiça vão tomar alguma atitude e investigar?
Restrições de direitos, violações escandalosas e até trucidamentos decerto não são novidade para moradores de bairros pobres, sujeitos a violências de criminosos comuns ou daqueles que deveriam ser representantes do Estado. Qual é o momento para tentar dar fim a essa rotina? Hoje. Já, especialmente quando há o risco de abusos levarem um verniz institucional, como pode ser o caso do Rio sob intervenção.
Qual será o próximo passo? Vai se esperar ainda que se detenham cidadãos em instalações que não a do sistema prisional? Que se viole o sigilo de comunicações, que se faça busca e apreensão em domicílio ou se limite a liberdade de reunião, outras restrições de direitos do estado de sítio, segundo o artigo 139 da Constituição?
O que o Congresso tem a dizer? O Congresso, não os parlamentares ou este e aquele partido apenas. Afinal, as medidas de um estado de sítio deveriam ser acompanhadas e fiscalizadas por uma comissão de cinco parlamentares designada pelo Congresso Nacional (artigo 140 da Constituição). No caso de sítio imprevisto, o caso parece mais grave, diga-se com sarcasmo. O que têm a dizer Rodrigo Maia (DEM), presidente da Câmara, e Eunício Oliveira (MDB), presidente do Senado?
“Na minha pátria,/onde os mortos caminhavam/e os vivos eram feitos de cartão” (Ezra Pound).
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