21 Fevereiro 2018
Para as transnacionais dos transgênicos não é suficiente ter o monopólio das sementes comerciais e invadir nossos campos e alimentos. Para além disso, querem cada vez menos regulamentações e, aliás, enganar as pessoas com outros nomes para suas novas biotecnologias, tentando afastá-las da rejeição generalizada aos transgênicos. Também avançam agressivamente na tentativa de manipular não somente cultivos, mas também espécies silvestres, para fazer “engenharia genética de ecossistemas”, o que pode provocar o desaparecimento de espécies inteiras.
A reportagem é de Silvia Ribeiro, pesquisadora do grupo ETC, publicada por La Jornada, 17-02-2018. A tradução é do Cepat.
Todos estes delineamentos estratégicos da indústria biotecnológica transnacional se refletem na nova normativa que a comissão de biossegurança do Brasil (CNTBio) aprovou no dia 15 de janeiro de 2018. Com ela, a CNTBio abriu as portas para que produtos derivados do que chamam “tecnologias inovadoras de melhoramento de precisão” possam ser considerados não OGM (organismos geneticamente modificados) e que cheguem ao campo e aos consumidores sem passar pela avaliação de biossegurança e sem ser rotulados.
A estratégia de que os produtos de novas biotecnologias não sejam considerados OGM, para evadir as leis de biossegurança, não é nova. Nos Estados Unidos, já foi aplicada a alguns produtos, como cogumelos manipulados geneticamente com a biotecnologia CRISPR-Cas9. Na Europa, a discussão sobre as novas biotecnologias ocorre há alguns anos e ainda não foi resolvida, embora tudo indique que a União Europeia não permitirá que escapem da regulamentação, ao contrário, poderia resultar em mudanças nas leis para fazer avaliações de risco mais exigentes, pelas novas ameaças que estas tecnologias apresentam. Por outro lado, em 2015, a Argentina estabeleceu uma normativa sumamente geral e frouxa, que permite isentar de avaliação de biossegurança os produtos de várias novas biotecnologias.
O novo e muito preocupante com a resolução da CNTBio, no Brasil, é que além de tudo isso, estabelece explicitamente um canal para aprovar a liberação de impulsionadores genéticos, chamados de “técnicas de redirecionamento genético”, mas, para não deixar dúvidas, em inglês, escreve-se ‘gene drives’. É o primeiro país no mundo que estabelece canais para liberar no meio ambiente tais tipos de OGM altamente perigosos.
Trata-se de uma tecnologia traçada para enganar as leis naturais da herança, fazendo com que toda a progênie de plantas, insetos e outros animais que sejam manipulados com impulsionadores genéticos (gene drives) passem forçosamente esses genes modificados à totalidade de sua progênie. Se a manipulação é para produzir, por exemplo, somente machos (o que já estão tentando com insetos, ratos e plantas), a população – ou até a espécie – poderia se extinguir rapidamente. Uma vez liberados no meio ambiente, os seres vivos que tenham sido manipulados com esta tecnologia não respeitarão fronteiras, razão pela qual os países limítrofes com o Brasil deveriam se preocupar, agora mesmo, com esta ameaça.
Todas as novas biotecnologias englobadas nestas normativas do Brasil e Argentina são formas de engenharia genética que trazem novos riscos e incertezas. O fato de que tenham ou não inserido genes de outras espécies – como acontece com os transgênicos que já estão no campo –, ou que a inserção seja em um lugar mais exato, como afirma a indústria, não significa que não tragam riscos, inclusive maiores que os existentes. A Dra. Ricarda Steinbrecher, da Federação de Cientistas da Alemanha, explica que continuam sendo mudanças artificiais nos genomas dos organismos, sobre cujas funções há grandes lacunas de conhecimento. É possível produzir inserções ou silenciamento de genes “fora do alvo” – ativando ou desativando funções importantes nos organismos – que produzirão impactos imprevisíveis nos organismos, no meio ambiente e no consumo.
Assim como na Argentina, esta decisão no Brasil, que implica tantos riscos e impactos, foi tomada como uma simples decisão administrativa, de uma comissão “técnica” – na qual a indústria de transgênicos tem pesada influência –, sem intermediar consulta aos camponeses, consumidores e muitos outros que possam ser afetados, nem passar por instâncias legislativas.
Diante desta situação, os maiores movimentos e organizações rurais do Brasil, reunidos na Articulação Nacional de Trabalhadores, Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas – uma ampla coordenação que inclui o Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Articulação Nacional de Agroecologia, entre outras 19 organizações nacionais –, emitiram uma carta pública de denúncia e protesto, onde rejeitam a decisão da CNTBio e alertam que o Brasil se tornaria o primeiro país do mundo a considerar a liberação de impulsionadores genéticos, tecnologia que não foi permitida em nenhum outro país, e que Nações Unidas considera, inclusive, como uma arma biológica.
Além disso, destacam que os impulsionadores genéticos, tecnologia financiada principalmente pelo Exército dos Estados Unidos e a Fundação Gates, favorecerão principalmente as transnacionais de agronegócios, que buscam com esta tecnologia restabelecer a susceptibilidade das ervas invasoras que se fizeram resistentes a seus agrotóxicos, para aumentar suas vendas e, de passagem, os devastadores impactos destes sobre saúde, terras e águas. Ou poderão buscar o que as empresas considerem “pragas” nos campos, o que teria impactos muito negativos nos ecossistemas e nos sistemas de cultivo camponeses e agroecológicos. Esta medida no Brasil é apenas o começo do que poderia continuar em outros países. Urge se preparar, e como no Brasil, resistir estas novas armadilhas das indústrias transgênicas.
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Novas armadilhas transgênicas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU